Tapadinha 'revival': americano aposta em futebol, arte e moda para reinventar o Atlético
É pela visão de Gifford Miller, um antigo presidente do Conselho da Cidade de Nova Iorque, e hoje principal acionista do histórico Atlético CP, que o clube de Alcântara passa por uma transformação dentro e fora de campo nos últimos tempos. Há uns anos um dos principais nomes da política de uma das mais importantes cidades do mundo, Miller divide há três anos a sua vida entre a terra natal e a outra pela qual se apaixonou: Lisboa.
A passagem pela capital portuguesa na última semana, quando recebeu a reportagem do DN no Estádio da Tapadinha, casa do histórico clube lisboeta, foi por um motivo especial. “Nunca perderia um dérbi”, comentou o americano na véspera do confronto entre o Atlético CP e o Belenenses, da Liga 3, que terminou com um empate (2-2).
A paixão de Miller pelo Atlético e pela Tapadinha foi quase à primeira vista. “Andava com a minha mulher por Monsanto quando vi o estádio”, recorda. “Muito antes de decidir que queria juntar um grupo de investidores para comprar um clube de futebol, já estava apaixonado pela Tapadinha. Para mim não há lugar mais romântico no mundo para jogar futebol. Acho que nunca vi algo melhor”, diz Miller ao apontar para a Ponte 25 de Abril e para o Cristo Rei, vistas privilegiadas de quem acompanha uma partida na Tapadinha, para além do relvado, evidentemente.
Presente na política americana até 2006, Miller trocou a Administração Pública pela iniciativa privada quando começou a trabalhar no mercado imobiliário em Nova Iorque, ainda na primeira década do século. “Não tinha tempo para nada, família, crianças, e resolvi sair da política. Fomos ao Mundial da Alemanha e o amor pelo jogo reacendeu em mim”, relembra Miller, antigo membro do Partido Democrata que não esconde a frustração com o momento político do seu país sob a segunda Administração de Donald Trump. “Especialmente nos últimos meses, tem sido muito mais agradável estar em Portugal do que estar nos Estados Unidos.”
Apesar de ter nascido num país onde o futebol historicamente esteve longe de ser dos principais desportos, o americano sempre viveu com o jogo ao seu lado. Miller cresceu em Inglaterra, sendo um fervoroso adepto do vencedor Liverpool dos anos 1970 e vê, atualmente, o desporto cada vez mais consolidado na sua terra natal em comparação com os seus tempos de juventude.
“Nos últimos 20 anos, diria que desde a consolidação da Premier League como principal Campeonato do Mundo, o futebol ganhou outra dimensão nos Estados Unidos. É o desporto mais praticado pelos jovens, que hoje têm muito mais clubes fortes para acompanhar por lá: na minha época tinha apenas o NY Cosmos; agora há várias opções, além de que hoje existem videojogos e os adeptos americanos começam a conhecer outros jogadores. Depois há o Messi, o herói dos mais novos”, ressalta Miller, lembrando a presença do craque argentino em solo americano, onde veste as cores do Inter Miami.
Empolgado com a possibilidade de adquirir um clube de futebol em Lisboa, à qual chama “uma São Francisco mais romântica”, Miller deu início ao projeto para aquisição do Atlético em 2023, quando entrou em contacto com Ricardo Delgado, presidente do clube lisboeta. Após temporadas obscuras - resultado do fracasso de uma antiga SAD que contou com o investimento de empresários chineses e levou o clube à insolvência e ao 3.º escalão das Distritais -, o Atlético à época passava por uma restruturação que o levara ao Campeonato de Portugal. A subida à Liga 3 fez com que Delgado apostasse no regresso de uma nova sociedade desportiva, liderada justamente pelo antigo poderoso político nova-iorquino.
“O clube tinha tido essa má experiência com antigos investidores e o que achámos melhor para ambas as partes, num primeiro momento, foi uma política de coadministração. Portanto, na primeira temporada, suportámos com os custos do clube, com o presidente e a diretoria a trabalharem diretamente no futebol. Já no ano passado, assumimos 90% da participação da SAD, portanto, esta é nossa primeira temporada como sócios maioritários”, explica.
A votação para o processo, realizada em fevereiro de 2024, teve 92% de aprovação dos associados, um resultado que Miller descreve como “emocionante”. “Para mim foi muito importante o apoio dos associados - independentemente de quem administra, este clube pertence ao povo de Alcântara. O meu trabalho é apenas ser um guardião, para tentar trazer sucesso ao clube, não para mim, e sim para as pessoas daqui. Não acredito que alguém seja realmente dono de um clube de futebol além das pessoas que o amam e o apoiam”, reflete o americano, que já fala português e afirma ser justamente aquele o bairro onde mais pratica a língua. “As pessoas aqui ,de facto, falam em português em restaurantes, bares, mercados. Acho que é das únicas zonas de Lisboa.”
Hub cultural
Além dos resultados desportivos, cujo objetivo a curto/médio prazo é a subida à II Liga, a ideia de Miller é aproveitar o máximo possível do que a Tapadinha tem de melhor. “Se este estádio não estivesse aqui, ninguém pensaria: ‘Olha, que belo lugar para construir um estádio!’ Por isso, a nossa ideia é tornar este espaço a coisa mais acolhedora e apelativa para a comunidade em geral. Não queremos que seja apenas um local para as pessoas se reunirem duas vezes por mês quando há jogos, mas sim algo que permita uma experiência muito mais incrementada tanto para o público como para os jogadores”, diz o americano, que prevê um investimento de sete milhões de euros em obras de melhoria de iluminação, coberturas e a construção de novos lugares, balneários, casas de banho, não só pela consolidação do espaço cultural, mas também para cumprir os requisitos no futuro e sonhado acesso à II Liga.
Quando diz querer trazer uma experiência mais virada para os que frequentam a Tapadinha, Miller refere-se a transformar parte do estádio num verdadeiro hub cultural para atrair os mais diferentes nichos de pessoas que habitam a cidade. “O que é a cidade de Lisboa? É futebol, comida, arte e um clima maravilhoso. Queremos que a Tapadinha seja o centro disso”, conta o investidor da SAD, que pretende, através do tal hub, trazer à casa do Atlético CP muito mais do que fanáticos pelo clube e pelo futebol.
A inspiração vem de algo implementado ainda nos seus tempos de política em Nova Iorque: o Highline. Antes espaço de uma linha de comboio abandonada, a zona recebeu um parque que hoje em dia é o segundo mais visitado na Big Apple. “Era um problema do bairro [Chelsea], uma linha abandonada não é algo que atraia atividades propriamente positivas. Transformámos o espaço num parque, que além de atrair turistas, é algo que a comunidade local usa diariamente”, vinca.
A repaginação nas políticas do clube com que pretende atrair mais do que adeptos de futebol ficou ainda mais evidente com o lançamento do merchandising vintage do clube de Alcântara no ano passado. Com uma linha que remete para os anos 40, época de fundação do Atlético CP, o equipamento foi premiado como o segundo mais estilo do mundo pelo site da ESPN. “A receção e o sucesso de vendas foi acima dos nossos sonhos mais selvagens. Além de ser uma maneira de chamar a atenção de ainda mais pessoas: o futebol e a moda estão muito interligados nos dias de hoje”, entende Miller.
Sem pressa em pensar numa futura subida à I Liga e com a II como grande objetivo, o americano diz-se contente com os resultados do clube, não só dentro de campo (14 vitórias, seis empates e oito derrotas nesta época na Liga 3), mas especialmente fora, onde as bancadas estão cada vez mais preenchidas.
“Além dos nossos adeptos de sempre, muitos jovens têm vindo assistir aos jogos do clube e mesmo adeptos dos grandes, como Benfica e Sporting, que são rivais lá fora, mas podem apoiar as mesmas cores aqui dentro da Tapadinha. No fundo, o que queremos é que o Atlético CP seja o clube de toda a gente de Lisboa”, finaliza Miller.
nuno.tibirica@dn.pt