Não é fácil encontrar momentos gloriosos no futebol suíço, cuja seleção vai defrontar na terça-feira Portugal nos oitavos de final do Mundial. Apesar de somar 12 participações na prova, nunca passou dos quartos-de-final; no Europeu, o balanço não diverge muito pois só atingiu essa mesma fase na última edição, a quinta em que se qualificou. A nível de clubes, também não há muito a registar: duas meias-finais, pelo Grasshoppers (77-78, caindo aos pés do Bastia) e Basileia (12-13, derrotado pelo Chelsea), ambas na Taça UEFA/Liga Europa..É preciso "escavar" um bom bocado para se encontrar um único triunfo a nível masculino. É verdade, a Suíça foi campeã do Mundo de sub-17 e não há muito tempo, tanto assim que, desses heróis, três estão presentes no Qatar: o bem conhecido Hans Seferovic, jogador ainda ligado ao Benfica e autor do golo solitário que bateu a Nigéria na final de Abuja em 2009, Granit Xhaka, o atual capitão de equipa, e Ricardo Rodríguez, o lateral esquerdo..A somar a isto, apenas se registam uns feitos mais dignos de notas de rodapé que motivos de particular orgulho: a Suíça foi medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Paris, em 1924 (batida pelo então fortíssimo Uruguai, por 3-0), pode enaltecer o facto de ter estado um Mundial inteiro, o de 2006, sem sofrer golos (acabou eliminada no desempate por pontapé de penálti), detendo assim o recorde de mais minutos sem ir buscar a bola ao fundo da baliza na competição, e participou no jogo na história dos Mundiais com mais golos marcados (na prova que organizou em 1954, perdeu por 7-5 com a Áustria)..Foi também um dos membros fundadores da FIFA e da UEFA, albergando as sedes das duas instituições (bem como do Comité Olímpico Internacional e de outras federações), graças às facilidades fiscais concedidas pelo país. Com alguma naturalidade, já teve três presidentes do órgão que superintende o futebol mundial (o interino Ernst Thommem, em 1961, Joseph Blatter, de 1998 a 2015, e o atual Gianni Infantino, que também tem nacionaldade italiana, para juntar às várias facetas que revelou na absurda conferência de imprensa no Qatar) e um da UEFA (Gustav Wiederkehr, entre 1962 e 1972)..Atualmente com uma população estimada em 8,7 milhões de habitantes, houve na verdade um suíço que marcou a história do futebol por bons motivos, embora há mais de um século. A Hans Max Gamper-Haessig, os adeptos da modalidade, que o conhecem pelo nome "catalão" Joan Gamper, devem a fundação de um dos clubes mais importantes a nível planetário: ele, que já tinha estado na criação do FC Zurique, apaixonou-se por Barcelona e, em 1899, esteve na génese dos blaugrana - um clube aberto a todos, independentemente da sua origem, que servisse como forma de integração social. Mais que um clube, portanto, como ficou no lema..A própria Suíça também é, um pouco, mais que um país, com as suas quatro línguas oficiais (francês, alemão, italiano e o romanche), os seus 26 cantões e uma multiculturalidade (um quarto da sua população não nasceu no país, havendo mais de 200 mil portugueses) que acaba por se refletir na "Nati", como é conhecida a seleção..Quando, aos 48 minutos do jogo decisivo frente à Sérvia, Embolo, Shaqiri, Vargas e Freuler construiram o lance do 3-2 final, não marcaram apenas um golo. Conjugaram, ordeira e organizadamente, as suas raízes: o primeiro, único dos 11 titulares que não nasceu no país, natural de Yaoundé (e que marcara o golo que derrotara o seu Camarões natal na primeira jornada, feito que não celebrou), iniciou o lance; o segundo, oriundo de uma família kosovar, lançou a bola sobre a defesa contrária; o terceiro, filho de pai dominicano, utilizou a magia para tocar a bola de calcanhar para trás; o quarto, suíço, finalizou metodicamente com frieza..Da equipa que o técnico Murat Yakim (descendente de turcos) escolheu para a terceira jornada, havia ainda atletas com ascendentes nigerianos (Akanji), hispano-chilenos (Rodríguez), senegaleses (Sow) e kosovares de etnia albanesa (Xhaka). E, não tendo saído do banco, é necessário referir as raízes caboverdianas de Edimilson Fernandes, primo de Gelson Fernandes (que passou pelo Sporting) e de Manuel Fernandes (formado no Benfica)..Talvez seja isso que mais impressione nesta Suíça - que tem como coordenador-técnico Diego Benaglio, antigo guarda-redes do Nacional da Madeira, onde passou três épocas. Não é uma equipa espectacular, mas é extremamente equilibrada e organizada (como mostrou perante o Brasil, só sucumbindo quase no fim devido a um golo incrível de Casemiro), com o talento individual colocado ao serviço do coletivo..A defesa é experiente (a começar no guarda-redes Sommer, de 33 anos, que esteve ausente devido a gripe da última partida), e do meio-campo para a frente alia jogadores tarimbados com talentos mais jovens. E todos eles alinham nas ligas da Alemanha (a maioria), Inglaterra, Itália e França: a única exceção é mesmo Shaqiri, que representa atualmente um clube da MLS norte-americana - aliás, dos 26 convocados, apenas cinco atuam em equipas da periférica liga local. .Por isso, quando se apanha em vantagem é muito difícil de superar, como aliás Portugal percebeu na última vez que a defrontou, na qualificação para a Liga das Nações: depois de golear em Alvalade por 4-0, a equipa de Fernando Santos sofreu no primeiro minuto em Genebra (cortesia de... Seferovic, uma vez mais) e não conseguiu sequer empatar - a própria Espanha seria derrotada em casa pelos helvéticos pouco depois. Aliás, o balanço geral com a Suíça continua a ser negativo para a equipa das quinas (11 derrotas lusitanas contra nove vitórias e quatro empates), o que só prova como Portugal não se dá bem com aquela forma de jogar..E Murat Yakim, o antigo central que sucedeu ao bósnio Vladimir Petkovic no cargo de selecionador, partiu com grandes ambições para a competição que decorre no Qatar. "Creio que esta é a melhor seleção suíça que já existiu. Temos jogadores fantásticos que jogam no estrangeiro e estou convencido que vamos fazer o melhor Mundial de sempre. Há um grande espírito de equipa, que foi construído ao longo dos últimos anos. Evoluímos muito em termos de sagacidade futebolística e agora queremos fazer história", afirmou antes do arranque. Ele que após o empate que a Irlanda do Norte impôs à campeã europeia Itália na última jornada da fase de apuramento - permitindo à Suíça ganhar o grupo e qualificar-se -, não fez a coisa por menos: enviou 9,3 quilos de chocolate à federação norte-irlandesa como agradecimento..dnot@dn.pt