Carlos Amado da Silva, presidente da Federação Portuguesa de Râguebi
Carlos Amado da Silva, presidente da Federação Portuguesa de RâguebiGerardo Santos

Râguebi: 'Lobos' de olho no segundo mundial consecutivo, com ajuda de patrocinadores

Patrocinadores da Federação Portuguesa de Râguebi representam 50% do orçamento da organização. Apoio do Estado “é de cerca de um terço” e o resto são receitas, diz presidente da FPR ao Dinheiro Vivo
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Cartrack, Hovione e Santander são os principais patrocinadores do desporto que, nos últimos anos, e graças aos bons resultados garantidos pela seleção nacional, tem estado a ganhar cada vez mais popularidade. A estes juntam-se ainda sete outros patrocinadores que, através de apoio direto ou de prestação de serviços, garantem à Federação Portuguesa de Râguebi (FDR) “um pouco mais de 50% do total de que ela precisa por época”, diz ao Dinheiro Vivo Carlos Amado da Silva, presidente da FPR. A dois dias de mais um importante jogo para os 'Lobos', o responsável falou ao Dinheiro Vivo sobre as dificuldades de financiamento para o desporto nacional - “não é um problema apenas para o râguebi” - e lamentou que o mérito dos jogadores portugueses não esteja a ser devidamente recompensado.

“Obviamente que o financiamento também deveria depender dos resultados. Os nossos atletas descansam menos do que, por exemplo, os franceses, que são profissionais. Os nossos são profissionais, mas de outras coisas. São médicos, são gestores...na prática são amadores”, recorda Amado da Silva, que desde que está à frente da FPR tem insistido em passar esta mensagem: com os resultados conseguidos pela equipa nacional que, se ganhar este domingo - “claro quevamos ganhar! Temos de ganhar” - contra a Alemanha garante presença no Mundial, pela segunda vez consecutiva, é injusto que não sejam recompensados. “Depois, vamos jogar à Roménia...só para lá irmos, são 80 mil euros. E vamos sair às 7h e chegar às 23h, para apanharmos voos mais baratos. Olhe o esforço que isto representa para os atletas!”, lamenta.

Mas vamos a contas, para ser mais fácil de entender as necessidades: a FPR necessita, por época, de cerca de 4 milhões de euros para fazer face a todas as despesas – aliás, o facto de a seleção se andar a portar tão bem em competições internacionais só aumenta os custos, uma vez que as viagens implicam mais ginástica financeira. Desse valor, meio milhão é garantido através da All Rugby, e perto de um milhão vem do Estado. O restante valor tem sido conseguido através de patrocinadores privados e das receitas geradas pela própria FPR, seja em bilheteira de jogos, merchandising ou outras iniciativas. Um esforço que exige muito de todos, lamenta Carlos Amado da Silva. “Nós já estamos a jogar com equipas muito boas. E é importante que o continuemos a fazer. Já jogámos com praticamente todas as melhores equipas do mundo, com exceção de Inglaterra, França e Nova Zelândia. Mas para isso, é preciso haver mais dinheiro para apoiar o desporto”. E não apenas a nível da seleção, salienta.

“Estamos cada vez mais a trabalhar com as escolas, que achamos que é fundamental, porque acredito que toda a gente deve ter oportunidades iguais. Sei que há muito boa vontade por parte dos governantes, dos vários Executivos, aliás, mas ainda não chega!”

“Quatro milhões de euros é o mínimo para o atual estágio em que está o nosso râguebi. E note que a nossa participação no Mundial nos causou um prejuízo de 500 mil euros, que ainda estou a resolver. Mais uma vez, não se privilegia a competnência nem os resultados. Atualmente, há oito mil atletas a praticar râguebi – estou a falar de atletas federados, não de quem dá apenas um toque na bola e diz que joga”, diz em jeito de brincadeira. “São praticantes efetivos, e nem estamos a contar com os mil praticantes de touch râguebi. Há quatro ou cinco anos não estávamos na primeira divisão. Não havia râguebi feminino...não podemos ter hoje o mesmo financiamento que nessa altura”, avisa.

Até porque isso vai, inevitavelmente, penalizar os resultados. Para Amado da Silva, a explicação para um certo descaso em relação a modalidades como o râguebi, em Portugal, vem de uma genérica “falta de cultura desportiva”, que se vê logo pela forma como os professores de Educação Física são tratados nas escolas. “Como se fossem professores de segunda”. Depois, defende, era importante que até certa idade, os desportos não fossem baseados sobretudo na competição. “Os miúdos têm de poder experimentar tudo, sem serem logo postos de lado porque o que se quer é ganhar. Muitos só se tornam bons num desporto mais tarde. Mas têm de poder continuar a praticá-lo. Ora, se há torneiro que é preciso ganhar, há logo uns que são postos de parte. É por isso que no râguebi não há taças até aos 16 anos”, explica.

O desporto, orginário do Reino Unido, foi ganhando adeptos e praticantes nos países anglo-saxónicos, mas em Portugal é uma febre relativamente recente. Até há relativamente pouco tempo era praticado quase em exclusivo por universitários, o que fez dele um desporto menos popular do que outros como o futebol ou o basquetebol.

Já fez parte do Desporto Escolar, depois saiu dos programas, e agora é ensinado apenas em algumas escolas, o que Amado da Silva lamenta. Tal como se endireita na cadeira, com um brilho nos olhos, quando perguntamos se esta falta de atenção ao râguebi não se cruza, também, com o facto de ser um desporto considerado elitista. “Somos muito elitistas nos valores e nos princípios”, atira. Mas, garante, “não queremos que seja o desporto dos meninos queques”, ainda que admita que haja a tendência para ser visto assim. Afinal, basta passar os olhos pelos nomes dos atuais jogadores da seleção nacional para sermos confrontados com a realidade dos apelidos compostos ou das consoantes repetidas, brincamos. “Tem razão. Tem razaõ...mas é uma ideia falsa essa de que nem toda a gente pode jogar. Tem de ser e queremos que seja universalizado e o Deporto Escolar, que não tem a dignidade que devia ter, pode ajudar”, insta.

“E repare, não estou a dizer que o Estado tem apenas de nos dar mais dinheiro. Pode ajudar a criar condições para que se dignifique este desporto: por exemplo, queremos ter um estádio da FPR, que tenha um Centro de Alto Rendimento e estruturas de alojamento”. Isto permitirá, garante Amado da Silva, uma poupança considerável só em hotéis, uma vez que as equipas nacionais e estrangeiras passariam a ter um lugar onde descansar, treinar e jogar. Para além de ser mais confortável para os atletas. “Temos um privado que quer participar neste projeto do estádio com o naming, e temos já o apoio dos municípios de Oeiras e de Lisboa para o fazer”, revela. “Gostávamos de ter também o município de Cascais envolvido, mas acreditamos que ainda vamos conseguir despertar o interesse da autarquia! Se o Estado nos facilitar isto, já é uma grande ajuda..porque atualmente treinamos no Estádio do Jamor onde, aliás, já investimos 200 mil euros – sobretudo em equipamento de treino – mas nada é para nós. E faltam algumas condições, é preciso dizer...”

Um outro lamento deixado pelo presidente da FPR é o facto de a transmissão dos jogos de râguebi estar a ser feito por um operador privado de televisão, o que não promove a sua divulgação, uma vez que é um canal somente acessível por subscrição. “Se os jogos passassem na RTP fazia uma grande diferença”, admite. No mesmo sentido, gostaria de ver mais pessoas nos estádios a apoiar os jogadores, o que se reverteria, naturalmente, em receita para os cofres da FPR.

“É importante as pessoas saberem que estamos a trabalhar com clubes em todo o país. Admito que haja algum centralismo, realmente, mas há clubes a fazer trabalhos incríveis: São João da Talha, Leiria,Arcos de Valdevez... e isto só para falar de alguns, que até trabalham com escolas e tentam mesmo promover a modalidade”. Mas, para que se possa fazer mais, repete, é preciso mais apoios e mais atenção.

“Até porque continua a haver uma situação de desequilíbrio. Olhe, as nossas jogadoras vão a caminho do Europeu, com possibilidades reais de bons resultados, e nós não temos praticamente dinheiro para as apoiar. Isto é um problema”. Porque, no fundo, a questão não está na falta de resultados, mas sim na falta de meios para poder fazer ainda melhor, acredita Amado da Silva.

É por isso que tem, cada vez mais, tentado atrair privados para o apoio a uma modalidade que, acredita, “tem os valores certos. Faz parte do protocolo conviver com as equipas de defrontamos, sabia? Eu sei que de fora o râguebi parece um desporto agressivo e duro, mas os nossos atletas – cuja preparação é individual, é de alto nível e muito exigente – não têm mais lesões do que os atletas que praticam outras modalidades. Até porque há um respeito muito grande, que faz parte dos valores do desporto. Já reparou que no râguebi só marca pontos se não largar a bola? No futebol tem de a pontapear para dentro da baliza, no basquete tem de a atirar para o cesto, tem de a largar. No râguebi agarra-se a ela. Isto é muito bonito. É mesmo um trabalho de equipa. Não pode haver Cristinano Ronaldos aqui – apesar de o admirar muito e de o respeitar imenso”, remata, divertido.

E por isso, “acredito que os valores do râguebi são atrativos para as empresas que se juntam a nós e nos apoiam: a agressividade controlada, o respeito pelo outro, a disciplina, o trabalho em equipa...” Amado da Silva congratula-se por ter algumas organizações a oferecerem-se, espontaneamente, para ajudar a FPR, mas admite que também os orgãos diretivos da Federação estão sempre de olho em potenciais parceiros. “E nem sempre é preciso que seja um apoio financeiro, como lhe disse. Por exemplo, a Lactogal, que detém a marca mimosa, é muito importante para nós, porque nos fornece proteínas e produtos alimentares que são muito importantes para os nossos atletas”, exemplifica.

A conversa com o Dinheiro Vivo, que aconteceu no gabinete de Carlos Amado da Silva nas instalações da FPR, teve como banda sonora a chuva que não deixou de cair durante as cerca de duas horas que passámos com o dirigente. E antecedeu mais uma ida para o Estádio do Jamor, onde os 'Lobos' continuavam a sua preparação para o jogo deste domingo, frente à Alemanha. “Eu gostava mesmo era que as pessoas percebessem o espírito de camaradagem da equipa, que ajuda à qualidade do jogo e ao compromisso”. No domingo, garantia, “vamos jogar como sabemos e como podemos e se trabalharmos muito a sério, podemos ganhar. Se pudermos ganhar por 100 ou 101, não vamos ganhar por 99. Não pode haver facilidades. Nada de facilidades. Acredito absolutamente que podemos ganhar, mas temos de jogar o melhor que soubermos”, conclui,

“Para que a consolidação do râguebi nacional aconteça – e repito que não estou a falar somente da seleção, que é a parte mais visível – na cena internacional, para mantermos este nível de qualidade, precisamos mesmo de mais apoios. Cada jogo que perdemos com uma equipa abaixo de nós, caímos no ranking. Entende o problema?”, diz ainda divertido.

Para além da vitória de domingo, pedimos a Amado da Silva que fizesse alguma futurologia quanto ao futuro do râguebi nacional, olhando para um horizonte de 10 anos. A resposta saiu rápida e sem qualquer hesitação: “Quero ver o râguebi no desporto escolar, quero ver-nos entre os 10 primeiros do Mundo, quero ter 20 mil praticantes da modalidade em Portugal, quero um estádio próprio e quero organizar um Campeonato do Mundo onde se possa beber cerveja na bancada (risos). Ah, e quero o râguebi com um orçamento de 20 milhões de euros por temporada!”

Para isso, garante, só é preciso que mais pessoas entendam que o râguebi pode e deve ser mesmo um desporto para todos e o acompanhem com a mesma paixão que dedicam a outras modalidades.

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