Ronaldo "não ajudou" e "não aceita" fim de carreira. Santos tem pouca margem

António Simões é um dos representantes da seleção que conseguiu a melhor classificação de sempre em Mundiais (3.º lugar em 1966) e, na hora do balanço pós-Qatar 2022, diz que há coisas que "não podem voltar a acontecer". Considera que autoridade do selecionador foi "colocada em causa" e que o presidente da FPF "tem de tomar uma posição".
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A eliminação da seleção nacional do Mundial 2022 deixou António Simões desolado, afinal ainda não foi desta que Portugal superou o terceiro lugar dos Magriços, equipa da qual fez parte, em 1966. "Parece que não querem que eu veja isso", atirou o antigo futebolista de 78 anos, que brilhou ao lado de Eusébio e que esteve no Qatar a assistir ao jogo com a Coreia do Sul a convite de Gianni Infantino, presidente da FIFA, que queria conhecê-lo por que o seu pai muito lhe falou dele. "Foi uma honra", diz, orgulhoso.

António Simões olha para a eliminação perante Marrocos como uma questão coletiva, mas não foge aos temas polémicos que rodeiam a equipa das quinas. Desde logo Cristiano Ronaldo, em torno de quem sobraram polémicas, que se iniciaram nos primeiros dias de estágio com a entrevista que acabou por criar o divórcio com o Manchester United. "Não ajudou", assume, acrescentando que "houve pequenos detalhes que tiraram o foco do grupo". E nesse sentido considera que "a ideia que passou foi que a estrutura da Federação Portuguesa de Futebol não fez tudo" para evitar os problemas que foram surgindo, pelo que "tudo o que rodeou Cristiano acabou por distrair a equipa". E nesse sentido deixou um recado: "Há coisas que não podem voltar a acontecer. É importante que quem vai para a seleção resolva primeiro os seus problemas."

Olhando para os comportamentos de Cristiano Ronaldo, Simões constata que "já por mais de uma vez perdeu o equilíbrio emocional", mas considera que neste momento a forma de reagir do capitão lhe deixa outro tipo de sensações: "Parece que ele se martiriza por estar a acabar a sua carreira. O Pelé e o Eusébio também acabaram, não há drama nisso. Parece que não concebe essa realidade e a verdade é que jogar até aos 37 anos a este nível já é muito bom. A idade tira-nos velocidade, repentismo e explosão e eu lembro-me bem. O Cristiano tem de perceber o quanto pode ser útil a partir de agora."

António Simões alerta para o facto de os comportamentos recentes de CR7 poderem voltar-se contra ele e recomenda que "faça algo para não passe a gerar antipatia" e, para isso, aconselha-o a "agarrar-se ao sucesso de uma carreira ímpar e ao bom que tem para dar".

A questão mais complicada de gerir durante a estadia da seleção nacional no Qatar terá sido o desabafo de Ronaldo ao ser substituído no jogo com a Coreia do Sul. Simões acha "estranho" esse tipo de comportamento que lhe transmite a sensação de que o capitão de equipa "só se ouve a si próprio" e recorda que "já no Mundial da África do Sul, em 2010, o Cristiano teve aquela frase - "perguntem ao Carlos [Queiroz]" após a eliminação -, o que já era um sinal deste tipo de comportamentos".

E nesse sentido admite que "não é fácil para um selecionador gerir uma situação daquelas". E, apesar de dizer que não lhe parece ter havido uma zanga entre Fernando Santos e Ronaldo, o antigo internacional português considera que "a autoridade do treinador foi colocada em causa", cabendo agora "a quem está acima [Fernando Gomes, presidente da FPF] analisar o que se passou e tomar uma posição".

Ou seja, na prática António Simões defende uma conversa de Fernando Gomes com os dois protagonistas daquele episódio "para resolver as coisas que não foram esclarecidas", algo que diz devia ter acontecido na altura. "Andaram a fugir dessa questão, acabou o Mundial, mas o problema continua lá", diz, admitindo que só assim poderá haver espaço para treinador e jogador juntos na seleção nacional. "Tudo se resolve quando há vontade de todas as partes", disse.

António Simões admite que os próximos dias poderão dissipar as dúvidas em relação ao futuro de Fernando Santos, depois da tal conversa que o selecionador terá com o presidente da FPF que, em sua opinião, "ambos vão ver aquilo que é melhor para o futebol português".

Contudo, na opinião do antigo internacional "Fernando Santos já não tem a mesma margem aos olhos da opinião pública, apesar de poder ter essa margem junto do presidente e dos jogadores, que nunca se manifestaram contra a sua continuidade". Simões vai mesmo mais longe: "Há alguma saturação. O treinador aparece muitas vezes como o culpado e acusam-no de ser conservador e de não arriscar. Já não se livra desse estigma."

Só que na opinião de Simões a responsabilidade na eliminação do Mundial 2022 aos pés de Marrocos "é coletiva". "A culpa costuma cair em cima do treinador, mas os jogadores não jogam? Eles jogam em grandes equipas e lidam constantemente com muita pressão... não sabem, durante o jogo, que se não dá para chegar à baliza pelo meio têm de tentar pelas alas?", questiona.

Simões evoca as palavras de Arsène Wenger, antigo treinador do Arsenal, para transmitir aquilo que pensa: "Ele diz algo com o qual concordo: se uma equipa não é capaz de ter largura para os jogadores que jogam nas linhas, é muito difícil criar oportunidades de golo. E foi isso que aconteceu a Portugal. Não foi capaz de jogar por fora e cedo se percebeu que não íamos conseguir marcar."

O antigo futebolista revela mesmo que após o golo de Marrocos sentiu que "a seleção estava a ficar impotente e os passes começaram a sair mal". "Houve então um efeito de contágio de ansiedade que fez a equipa parecer pior do que aquilo que é, quando era espectável que fosse ao contrário. Ou seja, houvesse um contágio de qualidade tendo em conta o talento que todos os jogadores têm", explicou, admitindo que "houve jogadores que não jogaram bem", mas mostra-se incrédulo com a forma como a equipa das quinas começou uma partida que tinha de ganhar para estar nas meias-finais: "Não se percebeu aquela passividade no início da partida."

Simões lamentou que "até o guarda-redes, que vinha jogando muito bem, cometeu um erro" pouco habitual e que ditou o golo marroquino. "Não foi o nosso dia", concluiu.

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