Yusra teve de nadar pela vida. Agora, vai poder nadar na piscina olímpica
Quatro anos depois de as bombas terem começado a destruir Damasco, Yusra Mardini decidiu seguir a escapatória de milhões de compatriotas sírios: rumou à Turquia, em agosto de 2015, e dali lançou-se ao destino num daqueles barcos insufláveis que fazem a travessia de centenas de refugiados por dia nas águas do mar Egeu, na expectativa de chegar à ilha grega de Lesbos. Por pouco, Yusra não perdeu a vida no mar, como tantos morreram já, nessa aventura desesperada. Teve de nadar pela vida quando o barco se virou. Agora, um ano depois, vai nadar na piscina olímpica como uma de dez atletas que compõem a equipa de refugiados a competir sob a bandeira olímpica, nos Jogos do Rio de Janeiro.
Yusra, de apenas 18 anos, tinha uma promissora carreira de nadadora na Síria, tendo chegado a representar o país nos Mundiais de 2012, antes de a guerra destruir os locais onde construía os seus sonhos: a casa dos pais ficou sob fogo e a família teve de fugir; e o telhado da piscina em que treinava sucumbiu às bombas. Então, a filha do meio de um professor de natação tomou a decisão inevitável: Yusra e a irmã mais velha, Sarah, deixaram a Síria para tentar chegar à Europa. "Claro que pensei que podia morrer pelo caminho. Mas morreria certamente se ficasse no meu país", explica a jovem refugiada à BBC.
Yusra e Sarah partiram para Beirute, no Líbano, dali atravessaram montes até à Turquia, passaram noites em selvas, hospedadas em casas de traficantes, até que um deles aceitou fazê-las atravessar o Mediterrâneo até à Grécia, a troco de uma grande quantidade de dinheiro. Enfim, a rota e as peripécias normais da grande fuga síria para o Ocidente.
O barco, a abarrotar com mais de 20 refugiados a bordo, cedeu em alto-mar. E Yusra e Sarah tiveram de nadar pela vida. Entre as pessoas a bordo, "só quatro sabiam nadar", recorda Yusra Mardini. Ela e a irmã Sarah tiveram de nadar mais de três horas nas águas geladas do mar Egeu, puxando com elas o barco através de cordas amarradas a um pulso. Uma aventura traumática que não se esquece.
"Seria muito mau se não ajudássemos as pessoas que estavam connosco, a maioria delas não sabiam nadar. Passei a odiar o mar depois daquele dia", conta Yusra, que, no entanto, retém uma memória positiva: "Agradeço o facto de saber nadar. Sem isso já não estaria viva."
Já por terra, a aventura de Yusra Mardini, da sua irmã Sarah e do grupo de refugiados que ajudaram a salvar no mar Egeu prosseguiu por vários países (Macedónia, Sérvia, Hungria, Áustria...) até chegar à Alemanha, onde chegou, por fim, 25 dias depois de ter deixado para trás Damasco.
Em Berlim, a jovem nadadora síria encontrou apoio num dos mais velho clubes de natação da cidade, o Wasserfreunde Spandau 04; pouco depois, foi selecionada para a equipa de refugiados que o Comité Olímpico Internacional convidou para estar presentes nestes Jogos do Rio de Janeiro, que arrancam no dia 5 de agosto.
Na piscina olímpica, Yusra Mardini vai competir nos 100 metros livres e 100 metros mariposa: "Quero mostrar ao mundo que, por muito difícil que seja realizar os nossos sonhos, não é impossível."