Nelo e Tavares. Duas panteras que foram parar à Luz na altura errada

Saíram do "Boavistão" para um Benfica campeão, em 1994. Mas encontraram o caos na Luz, com Artur Jorge, e regressaram ao Bessa
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Petit, Nuno Gomes, João Vieira Pinto, Isaías, Jorge Gomes, Moinhos. O Boavista - que o Benfica hoje visita (18.15, Sport TV1) - foi quase sempre um bom viveiro de talentos para os encarnados. Mas também houve histórias menos felizes. No verão de 1994, o Benfica abriu as portas a Tavares e a Nelo, que carregaram as malas de ilusões mas acabaram por regressar ao Bessa apenas um ano depois, vítimas de uma das mais negras eras da história das águias.

Foi o tempo de Artur Jorge, o treinador campeão europeu no FC Porto em 1987 e que o então presidente Manuel Damásio escolheu para suceder a Toni, que tinha acabado de ser campeão. "Fomos para o Benfica com a ilusão de ser campeões. No mínimo, esperava lá ficar os três anos de contrato", diz Tavares ao DN. "É óbvio que gostava de ter ficado lá muitos anos, como ficou o João [Vieira] Pinto, e gostava de ter ganho títulos. Mas não foi possível", lamenta Nelo.

Estão novamente juntos no Bessa, onde nos últimos três anos têm sido os responsáveis pela equipa de sub-17. Do presente, contudo, não podem falar. Nem tão-pouco do Boavista-Benfica desta tarde. Regras do clube. Também não é esse o objetivo. Antes, recordar as memórias de quem viveu intensamente aquele "Boavistão" de Manuel José e que teve o azar de ir parar ao Benfica na altura errada.

A voz do major

Falar desses tempos é resgatar personagens históricas, como o major Valentim Loureiro, presidente do Boavista quase 20 anos, antes de passar a pasta ao filho João, que hoje volta a liderar o clube. "Um major com duas faces distintas", recorda Nelo. "Quando estava bem-disposto tínhamos tudo o que quiséssemos dele. Era amigo dos jogadores. Agora, maldisposto, fujam." Valentim era um presidente a evitar na hora da derrota. "Às vezes, mesmo a seguir a uma vitória", diz Tavares.

Nelo e Tavares engrossaram a lista de grandes negócios de Valentim Loureiro com o Benfica. "Lembro-me perfeitamente de que estava em casa, deitado, à uma da manhã, quando o major me liga a perguntar: "Então pá, como é, onde estás? Anda cá a minha casa." Quando lá cheguei perguntou-me: "Como é, queres ir para o Benfica?", assim do nada. E pôs-me ao telefone com o Manuel Damásio."
Assim, simples, foi a transferência de Tavares, acertada antes da de Nelo, ainda a meio da temporada anterior. "Quando fui jogar à Luz nesse ano, no final do jogo, fui ao balneário escolher o lugar onde queria ficar", recorda Tavares, que tinha "FC Porto, Sporting e Benfica interessados", mas os leões hesitavam e os dragões eram a "última opção", depois de ter saído das Antas em 1991, "dado como inapto".

Artur Jorge e uma época anormal

Ora, na Luz, Tavares, que tinha assinado com o aval de Toni, foi reencontrar Artur Jorge, que o treinara no FC Porto. E a primeira impressão foi estranha: "A primeira observação que me fez no início da pré-época foi: "Então, não querias vir para o Benfica por minha causa?" Não entendi porquê."

Um sinal premonitório para uma temporada atribulada, que terminou com um 3.º lugar. "Vieram montes de jogadores, não jogavam nas posições corretas - eu joguei em todas menos na minha (central)... -, o treinador também foi operado à cabeça e esteve uns tempos fora. O Benfica fez uma época anormal. Aliás, só não fez pior devido ao Preud"homme", diz Tavares.

O guardião belga foi uma das contratações sonantes desse Benfica de Artur Jorge. "Era bonito só de vê-lo entrar para o aquecimento. Toda a gente se levantava", recorda Nelo. Outro nome de luxo foi o argentino Caniggia: "Só aparecia na Liga dos Campeões, na montra", diz Nelo. "No campeonato era outro", concorda Tavares.

A Liga dos Campeões que motivava Caniggia foi a melhor recordação que ficou dessa temporada. Tavares marcou um golo "ao Anderlecht", Nelo vestiu a n.º 10 e cruzou para alguns outros. "Na fase de grupos, ganhámos os jogos todos em casa [Anderlecht, Steaua e Hajduk] e empatámos os jogos fora", recorda Nelo. Depois, nos quartos-de-final, o Benfica caiu aos pés do Milan. "O grande Milan, no qual ainda jogava o Baresi", diz o antigo médio--lateral esquerdo. "E Boban", acrescenta Tavares, que saiu lesionado na primeira mão, em San Siro, vendo de fora os dois golos de Marco Simone. Na Luz, na segunda mão, a equipa de Capello defendeu o 0-0.

No fim dessa época, Nelo e Tavares voltaram ao Bessa. O primeiro invocou motivos familiares: "Artur Jorge queria que continuássemos, mas a minha mulher não se adaptou a Lisboa, as minhas filhas choravam e a minha cabeça já não estava lá." O segundo não aceitou um empréstimo ao Belenenses: "Disse-lhes que se era para sair voltava a casa e ao clube do coração."
Bessa, as melhores memórias

Voltaram e foram recebidos "de braços abertos", lembra Nelo, um produto da formação do Boavista. No Bessa ainda ganharam mais uma Taça de Portugal, já com Mário Reis como treinador, numa final precisamente contra o Benfica de Manuel José, acrescentando um último troféu a um currículo fabricado sobretudo de xadrez ao peito. "Todos os meus troféus foram ganhos pelo Boavista", refere Nelo, invocando as três finais da Taça jogadas, duas contra o Benfica e uma contra o FC Porto. "Só perdemos uma, contra o Benfica, aquela final do Futre", acrescenta Tavares: "Mas aí o nosso guarda-redes estava sem braços. Foi cada tiro cada melro."

Duas Taças de Portugal, duas Supertaças ganhas ao FC Porto - "nessa altura, o FC Porto tinha muito mais medo do Boavista do que o Boavista deles", garante Tavares - e as valiosas noites europeias das "camisolas esquisitas" de xadrez que fizeram cair gigantes como o Inter ou a Lazio douram as memórias de Nelo e Tavares, que não têm dúvidas em apontar "aquele Boavistão" de Manuel José como a "melhor equipa" em que jogaram - e que lançou as sementes para o Boavista campeão de Jaime Pacheco (2001). O Benfica, esse, ficou-se por uma experiência infeliz.

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