A carreira de Rafael Nadal, um dos melhores tenistas de sempre, chegou esta terça-feira ao fim, após Carlos Alcaraz e Marcel Granollers terem perdido em pares, uma derrota que consumou a eliminação da Espanha da Taça Davis. .Rafael Nadal quer ser recordado como uma boa pessoa e um 'miúdo' que teve a sorte de seguir o seu sonho, admitiu o espanhol, na cerimónia que assinalou o final da sua carreira.."O corpo disse-me que não quer jogar mais ténis e tenho de aceitá-lo. Sou um privilegiado, pude transformar o meu passamento na minha profissão. Sou um afortunado", resumiu, mencionando a família, a sua equipa e os seus amigos, pessoas que quer "continuar a manter próximas". ."Sinceramente, foram 20 anos de carreira profissional em que sempre me levaram ao 'colo'", disse, dirigindo-se ao público que lotou o Palácio dos Desportos Martín Carpena, em Málaga, onde até domingo decorre a Taça Davis..A concluir um emotivo discurso, no qual não se esqueceu de todos aqueles que fizeram a diferença na sua vida, inclusive os adversários e até os media, e já depois de assistir a um vídeo no qual apareceram vários 'grandes' do desporto, nomeadamente o amigo Roger Federer, 'Rafa' foi instado a revelar como gostaria de ser recordado, respondendo prontamente: "Como uma boa pessoa, vinda de uma pequena vila de Maiorca".."Para ser honesto, muitas pessoas tentam, dão o seu melhor dia após dia, mas eu sou um dos sortudos a quem a vida deu a oportunidade de viver experiências inesquecíveis por causa do ténis. Só quero ser lembrado como uma boa pessoa e um miúdo que seguiu o seu sonho e alcançou mais do que alguma vez sonhou", concluiu..Aos 38 anos, o vencedor de 22 torneios do Grand Slam e recordista de triunfos em Roland Garros (14) escolheu a Taça Davis para terminar a sua carreira, que acabou abruptamente depois de a Espanha ser surpreendida pelos Países Baixos, que venceram o duelo dos quartos de final por 2-1..Após perder o primeiro encontro de singulares, diante de Botic van de Zandschulp, por duplo 6-4, e de ver Carlos Alcaraz derrotar Tallon Griekspoor, por 7-6 (7-0) e 6-3, Nadal precisava que o par espanhol se impusesse para 'adiar' a reforma..Contudo, o jovem de 21 anos e Marcel Granollers foram derrotados pelos neerlandeses Wesley Koolhof e Van de Zandschulp, por 7-6 (7-4) e 7-6 (7-3), com Espanha a ser eliminada da competição que arrancou hoje em Málaga..O maiorquino despede-se do ténis com 92 títulos, 63 dos quais em terra batida, superfície da qual é o incontestável 'rei', e 209 semanas como número um mundial..Fez-se rei na terra batida, mas a sua lenda no ténis vai mais além.A terra batida perdeu esta terça-feira o seu rei, com Rafael Nadal a despedir-se do ténis com recordes 'insuperáveis', mas sobretudo um legado de resiliência física e mental e valores exemplares..Falar de Nadal é falar de terra batida, mas seria redutor resumir mais de duas décadas de excelência em todas as superfícies com a legenda "Rei do pó de tijolo". 'Rafa' é o sorriso de menino e a humildade nunca perdida conjugadas no corpo -- que tantas vezes o 'traiu' -- de um lutador incansável, para quem a palavra 'desistir' nunca fez sentido..Nascido em Manacor em 03 de junho de 1986, o seu destino começou a ser forjado aos quatro anos, quando iniciou o seu percurso, sob a orientação do tio Toni Nadal. Apesar de ter experimentado o futebol, por influência de outro tio, o internacional espanhol e 'estrela' do FC Barcelona Miguel Ángel Nadal, e de até se ter destacado nas camadas jovens, foi no ténis que o pequeno Rafael encontrou a sua paixão..Esquerdino por opção -- é destro no dia-a-dia -, cedo se percebeu o seu enorme potencial, já que subiu a profissional com apenas 15 anos e, no ano seguinte, tornou-se no mais jovem tenista a vencer um encontro no circuito ATP..Mas seria em 2005, já depois de ter conquistado o primeiro título na Taça Davis, a competição que escolheu para se despedir, que o seu legado como melhor tenista de sempre na terra batida e um dos melhores de sempre da modalidade se iniciaria: foi em 05 de junho de 2005, com 19 anos acabados de fazer, que o maiorquino, vestido de corsários, manga cava e fita na cabeça, trincou pela primeira vez a Taça dos Mosqueteiros, após ter derrotado, nas meias-finais, o então número um mundial, Roger Federer..Essa imagem tornar-se-ia um clássico do 'verão desportivo', repetindo-se outras 13 vezes, a última das quais em 2022, quando festejou a conquista do 22.º título do Grand Slam, um máximo superado desde então pelo sérvio Novak Djokovic..Podem não ser seus os recordes mais sonantes do ténis mundial, repartidos sobretudo entre 'Djoko' e o seu amigo Federer, mas Nadal despede-se com números dificilmente ultrapassáveis: além dos 14 títulos em Roland Garros, que o tornam no único tenista masculino ou feminino a vencer mais do que 11 vezes o mesmo Grand Slam, é também o mais vitorioso nos Masters 1.000 de Monte Carlo (11) e Roma (10), além de no torneio de Barcelona (12)..Aos inevitáveis recordes na terra batida, onde somou o maior número de títulos (63) -- perdeu apenas nove finais, diante de cinco jogadores, o último dos quais o português Nuno Borges - e a maior série de vitórias consecutivas (81), a mais longa numa única superfície na Era Open, junta outros como os de mais jovem a completar tanto o Grand Slam de carreira como o 'Golden Slam', com apenas 24 anos, três meses e 10 dias, ou de jogador mais triunfador diante de líderes do ranking mundial (23)..Apesar dos recorrentes e desgastantes problemas físicos, nomeadamente nos joelhos, no pé esquerdo ou nas costas, que superou com uma perseverança e crença inigualáveis, o campeão olímpico de singulares em Pequim2008, e portador da tocha olímpica na Cerimónia de Abertura de Paris2024, conquistou pelo menos um título durante 19 épocas consecutivas (2004-2022), um feito dificilmente igualável.."É evidente que, relativamente a todos os meus rivais, perdi mais opções de ganhar Grand Slams. Nunca penso 'e se tivesse feito' ou 'e se não tivesse tido [as lesões]'. Aconteceu assim e, apesar disso, tive uma carreira que nunca imaginei e estou mais do que contente", desvalorizou numa entrevista recente..Apesar das agruras, o também quatro vezes campeão do Open dos Estados Unidos (2010, 2013, 2017 e 2019), duas de Wimbledon (2008 e 2010) e do Open da Austrália (2009 e 2022) acredita ter aprendido mais com "os êxitos do que com os fracassos".."Tentei sempre fazer as coisas como as sentia e com boa intenção. Errei? Tomei decisões [quanto a lesões] que, depois, me levaram a ter mais problemas? Sim", concedeu o lendário desportista espanhol, que, finalmente 'derrotado' pelo corpo, só lamenta não poder jogar mais tempo para que o filho Rafa Júnior, de apenas dois anos, possa ter recordações dele no court..Homem de família (e de rotinas compulsivas) e amante do mar, este ferrenho adepto do Real Madrid foi sempre um exemplo de 'fair-play' -- nunca partiu uma raquete ao longo de mais de duas décadas de carreira -, mas também de civismo e sentido de comunidade, como demonstram quer a ajuda que deu à população maiorquina aquando das cheias de 2018, nas quais foi mais um a limpar lama das ruas, quer a construção de uma gigantesca academia em Manacor, que emprega 500 pessoas e alberga o sonho de muitas crianças e jovens..No momento em que Nadal se despede do ténis em Málaga, durante a Taça Davis, vem à memória aquela imagem terna que protagonizou com Roger Federer, no adeus do suíço, e que eternizou uma das mais belas rivalidades da história do desporto, transformada agora "numa amizade para a vida", assente "em personalidades genuínas e valores comuns", como descreveu o helvético.."Sempre disse que o Roger inspirou milhões de pessoas em todo o mundo, eu incluído. Acredito que a nossa rivalidade elevou a fasquia em termos de uma rivalidade saudável no desporto", salientou o maiorquino, numa entrevista comum com Federer, em que o seu grande adversário e amigo reconheceu que nenhum dos dois teria atingido o nível a que chegou sem o outro.