Mulheres ponderam boicote ao Mundial devido ao hijab

Torneio está agendado para fevereiro do próximo ano em Teerão, capital do Irão, mas há já quem anuncie que não estará presente devido ao véu que foi instituído em 1979
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Está lançada a polémica a cinco meses do Mundial de xadrez, que se vai desenrolar em Teerão, capital do Irão.

As praticantes, segundo a lei do Irão, têm de usar o hijab, o conhecido véu islâmico que cobre o cabelo das mulheres. É, precisamente, este facto que tem deixado algumas das xadrezistas indignadas, pois foram informadas de que só poderão disputar o Mundial caso estejam disponíveis para cobrir o cabelo com o hijab.

Naquele país asiático, a mulher que estiver num local público sem o hijab pode ser punida com uma multa ou até prisão efetiva.

A grande mestre campeã norte-americana, que também tem nacionalidade georgiana, Nazi Paikidze já veio a público referir que ficará muito "frustrada" se tiver de abdicar do Mundial e atirou-se à Federação Internacional de Xadrez. "É absolutamente inaceitável que um dos mais importantes torneios de mulheres se realize num país em que, nos dias de hoje, as mulheres são obrigadas a cobrir-se com um hijab. Eu compreendo e respeito as diferenças culturais. Mas quando o não cumprimento pode levar à prisão os direitos das mulheres estão a ser severamente restringidos", disse a atleta de 22 anos.

E foi mais longe: "Nem eu nem nenhuma mulher vai sentir-se segura em disputar um Mundial no Irão. Se o local do Mundial não for alterado não irei participar. Estou profundamente chateada. Sinto--me honrada por estar qualificada para representar os Estados Unidos da América mas bastante dececionada por não marcar presença devido a questões religiosas, sexistas e políticas."

A opinião de Paikidze é, de certa forma, partilhada pela equatoriana Carla Heredia, ex-campeã pan--americana. "Nenhum organismo, nenhum governo, nem qualquer torneio deve impor que as mulheres usem o hijab", explicou a sul--americana sem no entanto concretizar se estará presente em Teerão no próximo ano.

Menos contestatária e nos antípodas de Paikidze e Heredia parece estar a grande mestre de xadrez, a húngara Susan Polgar. "Não tenho qualquer problema em usar um vestido ou um véu, desde que todas as jogadoras tenham de o fazer. Já visitei mais de 60 países, de diferentes culturas, e tive gosto em mostrar o meu respeito pelas suas tradições. Ninguém me pediu para fazê-lo. Só o fiz por respeito. Eu, pessoalmente, não tenho qualquer objeção em cobrir-me com o hijab", esclareceu.

De encontro à posição de Polgar está a grande mestre iraniana Mitra Hejazipour. A atleta, interpelada pelo The Guardian, vê neste Mundial um momento único para as mulheres do Irão.

"Este vai ser o maior evento desportivo feminino de que tenho memória no Irão. Não conseguimos mostrar capacidade de realizar um campeonato mundial feminino noutras modalidades no passado. Ninguém tem o direito a apelar a um boicote. Este Mundial é de extrema importância para as mulheres do Irão. É uma oportunidade para mostrarmos a nossa força", realçou Mitra Hejazipour, vencedora em 2015 do campeonato asiático.

Ghoncheh Ghavami, uma britânica que também tem nacionalidade iraniana, tem sido o exemplo utilizado pelas atletas que não veem com bons olhos o Mundial de xadrez em Teerão. A mulher de 27 anos foi detida em junho de 2014, integrada num grupo de mulheres que queria assistir ao jogo de voleibol masculino entre o Irão e a Itália.

Ghavami esteve presa durante 126 dias e as autoridades alegaram que a detiveram por razões de segurança. "O mundo deve estar disponível para ouvir as vozes de quem quer terminar com esta descriminação e não ignorar estes apelos, que só isolam o país", disse, perante a atenção da imprensa internacional depois de ser libertada.

Nem só as mulheres se fizeram ouvir. O xadrezista inglês Nigel Short fez um apelo à Federação Internacional de Xadrez: "Têm de alterar o país que vai organizar o torneio. O hijab é um símbolo de repressão."

A Federação Internacional não só não mostra vontade em fazer sair o Mundial do Irão como recomendou às atletas que aceitassem "as leis e as diferenças culturais"

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