Morreu o 'bibota' Fernando Gomes

Fernando Gomes foi duas vezes o melhor marcador dos campeonatos europeus, feito que lhe valeu uma alcunha. Conquistou a Taça dos Campeões Europeus em 1987, mas não jogou a final devido a lesão. Tinha 66 anos.

Morreu este sábado Fernando Gomes, 66 anos, figura marcante do futebol português e em particular do FC Porto, onde atualmente era um dos vice-presidentes. Avançado goleador, ganhou a alcunha de 'bibota de ouro' por ter vencido em duas ocasiões a Bota de Ouro da revista France Football, como melhor artilheiro de todos os campeonatos da Europa. Tinha estado internado recentemente na sequência de um AVC e lutava contra um cancro no pâncreas desde outubro de 2019.

Em comunicado publicado no seu sítio oficial na Internet, os 'azuis e brancos' expressam "enorme tristeza e consternação" pelo falecimento do ex-dianteiro

Vogal da direção do FC Porto para a formação, Fernando Gomes esteve recentemente internado num hospital do Porto, com o clube a manifestar "luto pela perda de uma das suas maiores figuras", além de "sentidas condolências à família, amigos e admiradores".

"Neste momento, onde quer que haja um portista em Portugal e no mundo, há dor e luto", diz o clube.

Dotado de um instinto goleador muito apurado, fica na história como o melhor marcador de sempre do FC Porto, com 355 golos em 452 jogos em todas as competições. É ainda o segundo maior goleador de sempre da I Divisão, com 319 golos, menos 13 do que o líder Fernando Peyroteo.

Formado no clube da Invicta, Gomes estreou-se na equipa principal a 8 de setembro de 1974, frente à CUF, e ajudou os azuis e brancos a vencer por 2-1 ao marcar os dois golos. Tinha apenas 17 anos, mas avisou ao que vinha e, numa primeira instância, contribuiu para que o FC Porto quebrasse um jejum de 19 anos sem títulos em 1977-1978. Depois, ajudou o clube a estabelecer-se como força dominante no futebol português.

Ao serviço do FC Porto conquistou um total de 14 títulos, dos quais se destacam a Taça dos Campeões Europeus da temporada 1986-87, uma Supertaça Europeia (1987) e uma Taça Intercontinental (1987). No palmarés conta ainda cinco campeonatos, três Taças de Portugal e três Supertaças.

"O funeral de Fernando Gomes realizar-se-á este domingo, dia 27 de novembro, às 15:00, na Igreja de Santo António das Antas. O velório do Bibota de Ouro terá lugar este sábado, a partir das 19:00 e até às 22:30, e neste domingo, a partir das 11:00, na Capela Mortuária da Igreja de Santo António das Antas", refere o FC Porto em comunicado.

Má experiência no Gijón e resgatado por Pinto da Costa

Gomes foi o melhor marcador do campeonato da I Divisão por três vezes consecutivas, de 1977 a 1979, tendo marcado no campeonato 125 golos nas seis épocas em que esteve no clube portista, que começou por representar entre 1974 e 1980, ano em que se transferiu para o futebol espanhol, assinando pelo Sporting de Gijón - na altura o negócio custou aos cofres do emblemas espanhol cerca de 60 milhões de pesetas, um valor muito elevado naquela época.

Começou por deixar a sua marca num dos primeiros jogos, um particular contra o Oviedo, com cinco golos. Mas várias lesões tornaram a experiência espanhola num longo calvário de dois anos, realizando apenas 27 jogos oficiais pelo Gijón, marcando 12 golos.

Em 1982 acabou por regressar aos dragões, coincidindo com a eleição de Pinto da Costa para presidente, que na altura tinha como uma das suas principais bandeiras fazer regressar o 'bibota de ouro' aos azuis e brancos.

E assim foi. A capacidade negocial de Pinto da Costa e a pressão exercida pelo jogador perante os dirigentes do Gijón (chegou a ameaçar deixar o futebol se não facilitassem a sua saída) foram determinantes no fechar do negócio, com o FC Porto a pagar cerca de 20 mil contos para resgatar o goleador.

"Achei um absurdo perder assim um dos jogadores com maior margem de progressão, e que seria, sem dúvida, um dos maiores pontas-de-lança portugueses. Logo que se abriu a possibilidade do regresso, foi uma das minhas prioridades com a tomada de posse da minha direção a 23 de abril de 1982. Logo na semana seguinte, iniciou-se aquilo a que chamámos Operação Gijón", contou o presidente portista no livro "31 Anos de Presidência, 31 Decisões", lançado em dezembro de 2013.

A aposta revelou-se acertada. Gomes regressou aos dragões com a pontaria afinada e foi uma das figuras portistas durante vários anos, permanecendo nas Antas de 1982 até 1989, com um total de 184 jogos e 163 golos marcados.

Nesta segunda passagem ajudou o FC Porto a chegar à sua primeira final europeia, em 1984, na Taça das Taças. Porém, o título fugiu para a Juventus de Scirea, Platini, Tardelli, Rossi, Boniek e do treinador Giovanni Trapattoni.

Três anos depois dessa derrota de Basileia, Gomes foi fundamental na caminhada portista para a final da Taça dos Campeões Europeus, em 1986-87, tendo inclusivamente apontado um golo ao Dínamo de Kiev na segunda mão das meias-finais, mas falhou a final com o Bayern de Munique devido a lesão. O FC Porto foi campeão europeu pela primeira vez na sua história, com Artur Jorge ao leme, mas Gomes teve aí a maior mágoa da sua carreira.

Zanga com Octávio levou-o para o Sporting

A época 1988-89 ficou marcada por um episódio que levaria à sua saída dos dragões no final dessa temporada, após uma pega com Octávio Machado, na altura adjunto de Artur Jorge, que culminou com o clube a abrir-lhe um processo disciplinar.

Tudo aconteceu na Madeira, antes de um jogo com o Marítimo. A viagem sofreu um atraso e a comitiva só foi jantar perto da meia-noite. Gomes não gostou de ver a mesa dos treinadores e dos dirigentes a ter prioridade. E como capitão disse-o a quem de direito. Octávio não gostou e rebentou uma grande discussão entre os dois.

Descontente, assinou pelo rival Sporting e ainda atuou duas épocas em Alvalade antes de arrumar as botas. Respondeu com golos (31 em 63 jogos) aos que achavam que estava velho. E ainda foi fundamental na caminhada que levou os leões às meias-finais da Taça UEFA.

Também deixou a sua marca ao serviço da Seleção das Quinas: jogou 48 vezes e marcou 13 golos, tendo disputado a fase final do Euro 84 e o Mundial do México em 1986.

Presidente, amigo e por vezes pai

"A conquista da primeira Bota de Ouro foi um dos momentos mais bonitos da minha carreira. Felizmente para mim e para o FC Porto, vivemos momentos tão ou mais importantes depois disso. É um orgulho olhar para trás e recordar tudo o que venci neste clube. Foi como que o início de uma história de conquistas que ainda hoje prevalece, apesar de ter outras funções hoje em dia", referiu Fernando Gomes ao site do FC Porto, em 2013.

Em novembro de 2021, recebeu o Dragão de Ouro na categoria de dirigente do ano. Uma ocasião em que aproveitou para elogiar Pinto da Costa, num discurso emocionante onde lembrou a sua entrada no clube.

"Nasci numa rua aqui ao lado e comecei a minha história no FC Porto tinha eu seis anos, quando o meu pai me inscreveu como sócio. A partir daí passei a acompanhá-lo às Antas para ver de manhã os juvenis e os juniores, e depois a equipa sénior. Era um ritual de muitos portistas daquela época e foi assim que nasceu o meu sonho de ser jogador de futebol e do FC Porto. Hoje tenho também a honra e o privilégio de ser dirigente do meu clube e não imaginava, nesta altura, que o FC Porto, que tanto me deu, ainda tinha mais algo para me dar. Estou profundamente grato por isso. Tenho que partilhar este Dragão de Ouro, que não é só meu. Desde logo com todos com quem tenho trabalhado, com a minha família, sem esquecer a minha filha Filipa que partiu há quase dois anos e está sempre comigo. E partilho também com o meu presidente, meu amigo e por vezes meu pai. Senhor presidente jamais vou esquecer que nos momentos mais difíceis da minha vida encontrei sempre em si um gesto de conforto e carinho. Teve sempre uma palavra orientadora e ensinadora sabendo sempre separar os interesse pessoais dos do FC Porto", disse na altura Fernando Gomes.

Refira-se como curiosidade que o primeiro título de Pinto da Costa no FC Porto (na altura ainda como chefe do departamento de futebol) teve origem num golo de Fernando Gomes. Foi em maio de 1977, numa final de uma Taça de Portugal, com uma vitória por 1-0 frente ao Sp. Braga.

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