Manuel Fernandes: "Os 7-1 ao Benfica nem foram o meu melhor dérbi"
Por cada sportinguista que lembra o famoso dérbi dos 7-1, na época de 1986-87, há um benfiquista que reage com os 3-6 de 1993-94. Duas goleadas históricas que são recordadas aqui por dois dos seus protagonistas, em véspera de novo encontro entre os eternos rivais lisboetas, amanhã, na Luz. António Veloso, antigo capitão encarnado, fala da partida que celebrizou João Vieira Pinto numa época que tinha começado com a fuga de talentos para Alvalade. Manuel Fernandes lembra os quatro golos ao Benfica e a bola de jogo oferecida como prenda de anos à filha. Dérbi da 16.ª jornada joga-se na Luz, na quarta-feira.
Como foram os dias que antecederam aquele 14 de dezembro de 1986, um dia marcante da história dos dérbis entre Sporting e Benfica (7-1)?
Quando há dérbis, há sempre coisas diferentes dos outros jogos. Bastava ver os movimentos a partir da segunda-feira anterior. Começava logo a ferver. Líamos a imprensa, víamos televisão e aquilo mexia connosco. Estávamos no final da primeira volta, o Benfica ia à frente, mas como quem vai à frente nem sempre ganha estes jogos há sempre atmosfera especial, para os media e para os próprios jogadores.
A esta distância, como se explica aquele resultado tão desnivelado?
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O que aconteceu foi um resultado anormal e inesperado. O Benfica até estava melhor, na liderança e com cinco pontos de avanço sobre nós. Nós fizemos uma primeira parte melhor do que a segunda, com grandes jogadas de ataque e oportunidades, mas não finalizámos como devíamos e fomos para intervalo só a ganhar por 1-0, com um golo do Mário Jorge. Fiz o 2-0 de cabeça, na sequência de um canto, a abrir a segunda parte, e o Benfica reagiu e fez o 2-1 [por Wando]. Mas quando o Ralph Meade faz o 3-1, senti que os jogadores do Benfica tinham bloqueado e ficado sem reação. Depois partimos para uma última meia hora diabólica e apareceram os restantes golos com relativa facilidade. Fomos muito superiores nesse período. Movimentámos a bola a nosso bel-prazer e fizemos golos de todas as maneiras.
Imaginavam tal desfecho?
Os jogadores de ambas as equipas entram sempre com a convicção de ganhar, mas não estávamos à espera de um resultado tão anormal. Por isso é que só aconteceu há 31 anos e provavelmente vai levar outros 31 até repetir-se. Não é por acaso que foi o resultado mais desnivelado da história dos dérbis. Vai ficar para sempre guardado no coração dos sportinguistas.
Uma vitória destas vale mais do que um campeonato?
Campeonatos os clubes têm muitos. As pessoas podem dizer que sou um lírico, mas o campeonato que o Benfica conquistou nessa época foi apenas mais um. Os 7-1 ainda hoje são recordados. Quando se completaram 25 e 30 anos, houve almoços comemorativos para festejar esses aniversários.
O Manuel Fernandes acaba o jogo como o grande herói, por ter apontado quatro golos, mas esteve quase para sair após o 5-1
O Manuel José quis substituir-me após o meu segundo golo, um golo muito bonito, para eu sair em grande, mas o Fernando Mendes queixou-se de uma dor na perna, acabei por ficar e ainda bem, porque marquei mais dois golos. Na história dos dérbis, houve poucos jogadores a marcar quatro golos.
Foi o jogo da sua vida?
Não. Nem foi o meu melhor dérbi. Numa época em que fomos campeões, em 1979-80, recebemos o Benfica num dia de chuva. E eu gostava de jogar à chuva. Fiz um golo e o Jordão dois, com duas assistências minhas, e ganhámos por 3-1. Penso que esse sim, foi o meu melhor dérbi.
E depois do clássico, como foi a festa?
A minha filha Cláudia fez 9 anos nesse dia e, a seguir ao jogo, não fui conviver com os meus colegas. Fui para o aniversário dela. Ficámos a rever o jogo, porque passou em diferido e só passou na televisão algumas horas depois.
E é precisamente a sua filha que ainda guarda a bola do jogo
Sim, ainda a tem. O Gabriel apanhou a bola e queria ficar com ela, mas eu disse-lhe que a bola era para mim. Não pelos quatro golos, mas pelo aniversário da minha filha. Todos os jogadores do Sporting assinaram a bola e depois ofereci-lha. Ainda lá está em casa dela.
Como é que o Manuel Fernandes julga que é visto pelos benfiquistas?
Há figuras do Sporting e do Benfica que são respeitadas pelos adeptos de um e de outro clube. Penso que os sportinguistas respeitam jogadores como Toni, Shéu e Humberto Coelho, pelos grandes líderes que foram e porque sempre respeitaram o Sporting. E no Sporting também há três ou quatro jogadores assim, e eu sou um deles. Sempre respeitei a instituição Benfica. Acho que tem de haver esta rivalidade, que é única. São duas grandes instituições que protagonizam pelo menos dois espetáculos por ano.
Avizinha-se mais um dérbi, agora no Estádio da Luz. O que perspetiva?
É o que digo sempre: neste momento, o Sporting está melhor, mas nunca se sabe o que pode acontecer num jogo desta natureza. Há jogadores que até podem não estar muito bem física ou animicamente, mas nestes jogos ganham força interior e superam-se. Espero e quero que o Sporting ganhe, naturalmente, mas estes últimos resultados do Benfica não querem dizer nada.