Lille, o inesperado líder em França com toque português

Ao fim de 28 jornadas, o Lille continua na liderança da Ligue I, dois pontos à frente do milionário PSG. Com quatro portugueses no plantel, conseguirá o clube repetir a proeza de 2011?
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O relógio no Stade Pierre-Mauroy já assinalava os 90 minutos e parecia que, pelo terceiro jogo consecutivo em casa, o Lille não ia passar de um empate, permitindo assim que o Paris SG assumisse o primeiro lugar da Ligue 1. Mas o avançado canadiano Jonathan David - contratação mais cara da época, 27 milhões de euros - conseguiu desfazer o nulo. E, já no tempo de compensação, o mesmo jogador faria o 2-0 com que o LOSC bateria o Marselha. Numa época cheia de acontecimentos incomuns, já nem se pode estranhar muito que, à 28.ª jornada o primeiro lugar não esteja na posse do favoritíssimo Paris SG mas sim do clube do norte do país há sete jornadas consecutivas, e que ainda luta também pela Taça.

É certo que a diferença é de apenas dois pontos e Lyon e AS Monaco também estão por perto, mas o conjunto onde atuam quatro portugueses - o experiente José Fonte, capitão de equipa, o renascido Renato Sanches, o discreto Xeka (que somará 100 jogos na Liga francesa na próxima aparição) e o jovem Tiago Djaló -, está a ser uma semisurpresa. Sobretudo, se levarmos em conta os problemas económicos que levaram o proprietário e presidente Gérard Lopez a ter de vender o clube a um fundo de investimentos luxemburguês, apesar de só nas duas últimas épocas o balanço entre vendas e compras ter dado um saldo positivo de quase 110 milhões de euros.

Com Lopez, que também é acionista maioritário da SAD do Boavista (onde o Lille tem dois jogadores a rodar, o guarda-redes Leo Jardim e o avançado Angel Gomes), saiu igualmente o diretor desportivo português Luís Campos, o cérebro por trás da política desportiva que permitiu construir um plantel para lutar pelos primeiros lugares.

Com três títulos e seis Taças no palmarés, faz esta temporada dez anos que o Lille conquistou a Ligue 1 pela última vez (e conseguiu até a dobradinha). A equipa então orientada por Rudi Garcia, que contava, entre outros, com Hazard, Gervinho, Mavuba e Adil Rami, atual jogador boavisteiro, foi, curiosamente, derrotada duas vezes na Liga Europa pelo Sporting.

Neste ano, a participação na segunda prova europeia de clubes terminou igualmente nos 16 avos de final, o que pode ser um fator decisivo para a equipa se manter no primeiro lugar, pelo menos na opinião de Olivier Bonamici, o jornalista franco-monegasco (e adepto do clube do Principado), que já conta com mais de um quarto de século em Portugal e se tornou conhecido pelos relatos vibrantes de ciclismo e futebol na Eurosport.

"Se acho uma surpresa o Lille estar à frente? Sim e não. A maior surpresa, para mim, é o Paris SG não estar neste momento a dominar o campeonato francês. E não tem só a ver com o facto de eles ainda estarem na Liga dos Campeões, porque estão habituados a isso, tem muito a ver com a realização da última final da Champions numa altura muito tardia na época. Há falta de frescura física no campeonato, até porque a aposta principal do PSG é a Liga dos Campeões, enquanto o Lille não deu qualquer prioridade à Liga Europa, e até foi bastante criticado por isso", disse ao DN.

De resto, Bonamici elogia o desempenho dos "Dogues". "O Lille tem a melhor defesa [17 golos sofridos, tantos como o PSG] mas é uma equipa forte em todos os setores. O Maignan é um excelente guarda-redes, a defesa tem o Fonte que faz um trabalho inacreditável, e no meio-campo o treinador faz uma rotação que funciona muito bem. No ataque é igual: entre jogarem os dois turcos [Burak Yilmaz e Yusuf Yazici] ou o Jonathan David não se vê grandes diferenças", salienta, não deixando de referir: "É um plantel superequilibrado mas é preciso dizer que o Lille não é um clube pobre, creio que tem o quarto orçamento da Ligue 1 [cerca de 150 milhões, enquanto o PSG tem 600]. No ano passado foi quarto, há dois anos segundo, é um trabalho em continuidade".

Por estas razões, o jornalista acredita que a luta vai ser até ao fim, apesar de ainda faltarem três saídas muito complicadas: "Ainda tem de ir ao Mónaco, a Paris e a Lyon. Mas lá está, o PSG vai ficar obcecado pela Liga dos Campeões e o Lille só está preocupado com o campeonato. Nos últimos anos, a preocupação tem sido saber quem fica em segundo mas este não e isso é mesmo uma grande surpresa."

Desde 2014 que os nortenhos têm tido sempre portugueses na equipa. Rony Lopes chegou nesse ano e deixou boa impressão, seguiu-se Eder - o "herói" do Euro 2016 jogava em Lille quando marcou aquele golo. Edgar Ié, Rafael Leão e Rui Fonte foram outros nomes que passaram pelo clube, sendo Xeka aquele tem uma ligação mais antiga (embora tenha estado emprestado ao Dijon, depois de trocar em definitivo Braga por França).

Para Olivier Bonamici, todavia, o destaque vai para José Fonte e Renato Sanches. "Foi surpreendente ver a segurança e a forma como Fonte se integrou no plantel. É o dono da defesa e além disso é muito querido dos adeptos. É alguém que veste a camisola, sempre muito simpático com eles, disponível para todos, até para os jornalistas, Justifica por completo a braçadeira de capitão e, junto com o guarda-redes, é o ponto forte da defesa", diz o jornalista.

Já o médio formado no Benfica encontrou no clube francês uma forma de renascer. "Pode dizer-se que o Lille lhe relançou a carreira mas ele também relançou o Lille. Deu uma qualidade técnica ao meio-campo que poucos jogadores deram ao clube nos últimos anos, é claramente uma mais-valia. Como o plantel é muito forte não se têm notado muito as suas ausências mas, nos próximos tempos, o Galtier vai precisar deste tipo de jogador, já com uma experiência que os outros não têm. Há muitos anos que não víamos um Renato assim", destaca Bonamici.

Sem o peso destes, Xeka e Tiago Djaló têm cumprido o seu papel: "O primeiro é um jogador que está mais na sombra, não faz parte das estrelas da equipa mas tem correspondido quando é chamado, é um jogador de plantel. O segundo é superjovem e há uma grande concorrência para o seu lugar, é normal que não seja primeira opção. Às vezes até joga a lateral direito, onde há menos soluções".

Olivier Bonamici destaca também o papel de Luís Campos, acentuando o risco que a sua filosofia implica, tal como sucedeu no "seu" AS Monaco. "O problema dos clubes por onde passa o Luís Campos tem a ver com o modelo, que é o trading. Ou seja, ele vai comprar jogadores para depois tentar fazer grandes mais-valias. É um modelo de risco. No AS Monaco funcionou algumas vezes, no Lille deu resultado, mas a nova direção já disse que pretende voltar a um modelo económico mais tradicional, apostar mais no centro de formação, algo que Campos nunca fez. Depois há um grande mistério sobre o que foi feito do dinheiro das mais-valias, que não está na caixa do clube. Não quer dizer que haja algo ilegal, atenção... Mas o contributo desportivo que Luís Campos deu ao clube foi enorme, tal como sucedeu no AS Monaco", refere.

Bonamici diz não acreditar que a mudança de direção tenha influência no rendimento desta época: "Olivier Létang, o novo presidente, vem da direção desportiva do Paris SG, foi presidente do Rennes e é um tipo muito experiente. Mas não deixa de ser paradoxal que no ano em que têm hipóteses de ganhar é que vão mudar o modelo económico..."

ARMADA PORTUGUESA DO LILLE 20/21

JOSÉ FONTE
Defesa-central
37 anos
34 JOGOS
3 GOLOS
1 ASSISTÊNCIA
5 CARTÕES AMARELOS
2879 MINUTOS
"Foi surpreendente ver a segurança e a forma como se integrou no plantel. É o dono da defesa"

RENATO SANCHES
Médio
23 anos
22 JOGOS
1 GOLO
2 ASSISTÊNCIAS
5 CARTÕES AMARELOS
1213 MINUTOS
"Deu uma qualidade técnica ao meio-campo que poucos jogadores deram ao Lille nos últimos anos"

XEKA
Médio
26 anos
32 JOGOS
1 GOLOS
2 ASSISTÊNCIAS
8 CARTÕES AMARELOS
1541 MINUTOS
"É um jogador que está mais na sombra, não faz parte das estrelas mas tem correspondido"

TIAGO DJALÓ
Defesa-central/lateral
20 anos
20 JOGOS
0 GOLOS
0 ASSISTÊNCIAS
4 CARTÕES AMARELOS
1120 MINUTOS
"Há uma grande concorrência para o seu lugar, é normal que não seja primeira opção"

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