João Varandas Fernandes: "Se Luís Filipe Vieira voltasse, iria com certeza apoiá-lo"
O médico e professor universitário João Varandas Fernandes, que foi vice-presidente do Sport Lisboa e Benfica durante nove anos, na direção liderada por Luís Filipe Vieira, faz uma avaliação muito crítica da atual situação do clube e da presidência de Rui Costa. Não se revê em nenhum dos candidatos anunciados, por não ver uma estratégia que combine uma boa gestão financeira com bons resultados desportivos. Se Luís Filipe Vieira decidisse voltar e avançar com uma candidatura, apoiá-lo-ia, garante.
Como vê a situação do clube?
Como sabe, saí há quatro anos e apoiei a candidatura do Rui Costa, que era a continuidade. Na minha opinião, o clube tem um problema de gestão financeira, de gestão de recursos humanos, na política de contratações e transferências e, ainda, um problema de desempenho desportivo e de comunicação com os próprios adeptos. Escalpelizando de uma forma sintética, na gestão financeira, a despesa corrente e a dívida aumentaram significativamente nos últimos quatro anos. Os recursos financeiros hoje são escassos e existem dificuldades em competir com outros clubes, quer a nível nacional, quer a nível internacional. Mais a nível internacional, até. E esses recursos escassos afetam a capacidade de investir em jogadores e em infraestruturas. A gestão dos recursos humanos é um desastre completo. Há profissionais muito competentes que estavam a trabalhar no SLB e que, por sua decisão, abandonaram o clube. Vou-lhe dar exemplos: o Pedro Mil-Homens, que estava no Centro de Estágio do Seixal, e o Pedro Ferreira, do Scouting, abandonaram o Benfica. E isso nunca tinha acontecido. O próprio Luís Mendes, que foi trazido pelo atual presidente, também abandonou o Benfica. E, obviamente, tem havido um recrutamento dos jogadores que, pelos valores que são anunciados, não correspondem às expectativas. E, por outro lado, tem havido a venda de jogadores importantes que reduzem a competitividade em relação ao plantel. Portanto, é uma desgraça a política de contratações e a gestão do plantel, na minha opinião. Vou-lhe dar três exemplos, pragmatizando: Jurásek custou 14 milhões, foi emprestado ao Hoffenheim, não joga; Arthur Cabral, recente, custou 25 milhões ao Benfica, dois anos depois é vendido por 12 milhões, em que o clube fica com 10 milhões. Ou seja, há dois milhões, que é natural, que servem para pagamento da formação e das comissões. Kaboré, outro jogador do Benfica, lateral direito, veio do Manchester City por empréstimo, em agosto, e foi devolvido em janeiro. Outra questão, em relação à gestão do plantel. Para mim existe uma grande dúvida na relação entre o Bruno Lage e o Di María. Há uma grande dúvida sobre isso - ninguém esclarece que há ali problemas. Já se percebeu que há. Agora, que tipo de problemas? Não sei. Desempenho desportivo nos últimos quatro anos. Um campeonato. Exibições de altos e baixos. Perfeitamente intermitentes. Comunicação com os adeptos é frustrante. Há um descontentamento grande. Repare, o nosso clube, que tem mais sócios e adeptos a nível nacional, não lidera nas redes sociais. Há uma ausência nas redes sociais que é dramática. Há aqui um conjunto de condições em que, na minha opinião, o Benfica, neste próximo ato eleitoral, vai decidir verdadeiramente qual é o seu futuro, respeitando o passado.
Neste momento há três candidatos assumidos [João Diogo Manteigas, João Noronha Lopes e Cristóvão Carvalho, aguardando-se ainda a decisão de Rui Costa]. Qual é o seu?
Eu não tenho candidato, como sabe. Vou-lhe fazer uma análise muito direta sobre isto. Os candidatos que são conhecidos, para mim, trazem um vazio de ideias e um vazio de soluções. Para mim, um candidato ao Benfica deve preocupar-se, todo o tempo, com o clube, ser um profissional. Não interessa o que se passa na casa dos rivais, não vale a pena comentar os outros clubes. E não se pode confundir nem entrevistas que são dadas com os comentadores. Um candidato a presidente do Benfica é alguém que tem de estar acima disso. O Benfica é a principal instituição desportiva em Portugal. Há outras equipas importantes, mas é a principal. E, portanto, quem quiser estar nos órgãos sociais do Benfica tem de estar à altura. Depois, há uma outra questão em relação àquilo que me dizem, em relação aos candidatos - há aqui uma questão que gostaria de revelar: os sócios já tomaram conhecimento de que não é um milhar e pouco de sócios, nas assembleias-gerais que podem decidir o futuro do clube. Estamos em 2025. O voto eletrónico apresenta desafios e riscos, é verdade, mas devem ser implementadas medidas de segurança robustas e realizar testes rigorosos para garantir a integridade do próprio sistema. Agora, na realidade, apresenta mais vantagens em relação ao sistema de votação tradicional, como por exemplo, maior participação, acessibilidade a atos eleitorais, e pode ter acessibilidade às assembleias-gerais, pode ser alargado o universo dos benfiquistas, maior transparência de resultados, são mais rápidos.
Mas espera que surja uma alternativa ou até pondera protagonizar essa alternativa?
Não, não, não... Neste momento, ainda estamos a quatro meses e meio, ainda há tempo. Acho que não pode haver precipitações, porque é de uma grande responsabilidade. É de uma grande responsabilidade ser candidato ao Sport Lisboa e Benfica, não só a presidente como a membro dos órgãos sociais. Conforme lhe disse, é uma grande marca, é uma marca que tem de ser potenciada, é uma marca que tem de ter uma estratégia muito bem definida e tem de ter um objetivo, quer no curto prazo, quer no longo prazo. O que lhe posso dizer é o seguinte: o Benfica já teve presidentes de grande nível. O último presidente, antes do Rui Costa, deu prova de resultados financeiros. Em seis anos consecutivos deu resultados positivos. Foi o presidente mais titulado da história do clube. Foi o único tetra. Por acaso falhámos o penta, enfim, por algumas vicissitudes, alguns azares e por alguma falta de estratégia também, mas fomos a duas finais europeias, ganhámos 22 títulos a nível do futebol profissional. As modalidades gastavam metade do que gastam hoje e ganhavam.
Se Luís Filipe Vieira quisesse voltar, apoiava-o?
Não sei se ele quer voltar.
Mas apoiá-lo-ia, se voltasse?
Se o Luís Filipe Vieira voltasse, obviamente, com o passado que ele tem no Benfica, iria com certeza apoiá-lo. As infraestruturas, a recuperação que foi feita no património histórico, o museu, a Benfica TV, o estádio, o centro de estágios... Portanto, quem vier tem de vir com os objetivos muito bem definidos, que é fortalecer a marca, investir nas infraestruturas, desenvolver os jovens talentos na sua academia, dominar o campeonato português e conquistar uma Champions League.
Haverá um trabalho difícil do lado dos custos. O Benfica é todo um ecossistema, com várias empresas, o apoio aos antigos atletas e às suas famílias...
Sim, mas há possibilidades de aumentar as receitas. O caminho tem de ser pelo lado da receita e não por cortar. O Benfica tem de ter uma gestão de sucesso com responsabilidade social. O Benfica é um clube que tem uma responsabilidade social enorme. E isso deve ser mantido.