Salésias. Um campo histórico que hoje volta a ganhar vida
Há quem diga que o Belenenses nunca mais foi o mesmo depois de deixar o mítico Estádio das Salésias. Exagero ou não, a verdade é que hoje os sócios e adeptos dos azuis vão passar a ter de novo as suas Salésias, no mesmo local onde existiu o histórico recinto utilizado para os jogos da equipa de futebol do clube entre 1928 e 1956. O novo estádio vai passar a acolher os escalões de formação e a equipa de râguebi dos azuis do Restelo.
Está assim concretizada uma das promessas eleitorais do presidente do Belenenses, Patrick Morais de Carvalho. "O regresso às Salésias, 60 anos depois, diz muito a todos os nossos adeptos, dirigentes e técnicos, pois é o recuperar da cultura e da mística do que é ser do Belenenses. Não foi um processo fácil. Primeiro foi preciso chegar a acordo com o proprietário do terreno e depois encontrar um parceiro, uma vez que o campo estava ao abandono e teria de haver um grande esforço financeiro para o recuperar", explica o presidente do Belenenses ao DN.
O parceiro escolhido foi a EDP e, depois de um investimento ligeiramente acima dos 200 mil euros, o sonho transformou-se em realidade e a inauguração das novas Salésias, com um novo campo relvado, será hoje uma realidade. "Nunca duvidei de que este momento chegaria, mais cedo ou mais tarde. De resto, mesmo se eu não tivesse ganho as eleições, o acordo com o proprietário seria válido para a direção eleita", garante.
Quando foi inaugurado, a 29 de janeiro de 1928, logo o Estádio das Salésias ganhou o estatuto de um dos melhores recintos desportivos do país. Em 1937, depois de obras de remodelação, tornou-se o melhor estádio português da época, com capacidade para 21 mil pessoas, bancadas cobertas, campo relvado e duches quentes, verdadeiras preciosidades naquele tempo. Foi também nesta altura que o recinto passou a chamar-se Estádio José Manuel Soares, em homenagem ao mítico jogador dos azuis Pepe, falecido em 1931, com apenas 23 anos.
Matateu, Pepe, Vicente, José Pereira, Feliciano, Capela, Vasco e Manuel Andrade foram algumas das grandes figuras do Belenenses que atuaram no recinto. Manuel Andrade, de resto, é o único sobrevivente da equipa campeã nacional de 1946, tendo-se sagrado o melhor marcador da competição, com 21 golos. Ao DN, o antigo avançado recorda a estreia de arromba nas Salésias, com apenas 18 anos: "Foi num jogo com o FC Porto, tinha vindo diretamente dos juniores. Estávamos a perder por 2-0, mas demos a volta com três golos da minha autoria."
Manuel Andrade confirma que jogar nas Salésias tinha de facto outro sabor. "Era o único campo relvado em Portugal e tivemos de passar a jogar com pitons. Tinha um grande balneário, que dava para 20 e tal pessoas, o que não era habitual na época. E também água quente, mas só para nós. A equipa visitante tinha de se contentar com banhos frios", atira.
Manuel Andrade, hoje com 89 anos e de perfeita saúde, não irá estar na inauguração das novas Salésias, algo que lamenta. "Já há duas semanas que sabia desta cerimónia, mas a direção do Belenenses não se lembrou de me convidar. Por acaso o presidente do clube telefonou-me ontem à noite [anteontem] a dar-me os parabéns, pois completei 89 anos, mas estou no Funchal e não consigo viajar para Lisboa em tempo útil", diz.
Curiosamente, a sua carreira nos seniores do Belenenses não durou muito, pois dois anos depois foi dispensado pelo treinador Alejandro Scopelli. "Não gostava de mim, não sei porquê. Durante um treino, colocou-me a defesa esquerdo e eu chutei três vezes contra a minha baliza. Disse-lhe que era avançado e por isso rematava para a baliza que estivesse mais perto! Nunca mais fui utilizado na equipa principal", conta.
Vários jogos na inauguração
O campo que hoje será inaugurado, com relvado, bancadas e rede metálica, passará a ser utilizado pelos escalões jovens do Belenenses e pela equipa de râguebi. O primeiro dia desta nova vida é muito preenchido: começa às 9.00 com uma caminhada entre o Estádio do Restelo e as Salésias, na qual o sócio número 1 do Belenenses transportará a bandeira do clube; às 10.00, o presidente da autarquia lisboeta, Fernando Medina, presidirá à cerimónia de inauguração; ao longo do dia serão realizados vários jogos de futebol de veteranos, femininos, das camadas jovens, de râguebi e entre sócios e adeptos do clube, destacando-se uma partida entre velhas glórias dos azuis e futebolistas que representaram a seleção nacional.