"Fazer o Millennium Estoril Open custa muito, muito dinheiro"
Almoço com João Zilhão
Isto é quase a minha cantina. Só quando a final da Champions foi em Lisboa é que a Lurdes não conseguiu arranjar-me mesa, mas o restaurante está sempre cheio", diz-me o diretor do Millennium Estoril Open enquanto nos sentamos na mesa da esplanada do Mar do Inferno, o sol refletido nas ondas logo abaixo, para justificar a escolha do local onde nos juntamos. Também faz parte do Player"s Guide, roteiro de locais a visitar e coisas a fazer que Zilhão distribui pelos jogadores e pelo staff que chegam ao evento. Só os muitos telefonemas que receberá durante a hora e meia de conversa que temos pela frente - nenhum a pedir bilhetes, mas confessa que isso continua a acontecer - denunciam a proximidade do arranque do torneio, daqui a 15 dias. Num par de minutos, João Zilhão comunica decisões, esclarece dúvidas e tranquiliza "o patrão alemão" quanto ao andamento dos preparativos, e volta à conversa sem se perder. É o seu terceiro ano como responsável pela organização do evento, mas parece que o fez durante toda a vida.
Com escritório no Estoril, a 300 metros do clube de ténis, e a viver na Beloura desde que se casou - tem um rapaz com 12 anos e uma rapariga com 9 e o terceiro filho vem a caminho, "nasce logo a seguir ao torneio", conta, entusiasmado -, almoça ali muitas vezes e mesmo durante o torneio costuma levar ao Mar do Inferno colegas de equipa, jogadores, staff. "Isto é uma coisa muito latina e a princípio o meu patrão alemão não percebia. Quando temos reuniões na Alemanha, a comida vem e comemos no escritório, enquanto trabalhamos. Aqui há muito estes business lunches e faz--se muitas relações públicas, negócios à mesa, e por isso é tão importante e dedicamos tanto esforço também aos almoços no Open." O patrão alemão é a U.Com, que com Benno van Veggel e a Polaris de Jorge Mendes detêm a organização do torneio desde 2015, quando deixou de ser de João Lagos.
Esse primeiro ano não foi fácil: em poucas semanas, foi preciso construir todo o evento de novo, encontrar dinheiro para o assegurar, convencer os jogadores a vir a Portugal. "Eu trabalhei 12 anos com o João Lagos, mas mesmo assim havia muitas dúvidas: quem são estes tipos, são ou não capazes... mas consegui juntar uma equipa excelente, incluindo alguns colegas do passado, que em tempo recorde foram capazes de encontrar as soluções necessárias. Era preciso ter audácia, muito profissionalismo, muito dinheiro - muito dinheiro mesmo, porque este evento custa muito." Não faz segredo do valor. "Entre 3,5 e 4 milhões de euros por ano." Investimento que inclui tendas, catering, cachês e tudo quanto é necessário para montar a pequena cidade que nasce no Estoril durante aquela semana. E a que acrescem as permutas - "por exemplo, não pagamos as bolas; eu preciso de oito mil para o torneio, faço um acordo com a Dunlop e tenho-as".
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Enquanto eu faço desaparecer a solo o queijo fresco, muito fresco, com tostas, vai-me contando que uma parte importante do budget - e uma das características que mais orgulho merecem a João Zilhão, que vai fazendo passar fotografias no ecrã do smartphone enquanto explica a sala e a dinâmica ao detalhe - vai precisamente para a tenda corporate (não gosta de lhe chamar VIP), onde todos os dias são servidos 620 almoços e jantares. Um enorme espaço de dois andares, construído sobre o court principal, logo atrás dos camarotes e cuja decoração muda todos os dias, ao sabor de cada tema, aplicado desde a música às escolhas gastronómicas da Casa do Marquês (responsável pelo catering). "Depois, há chefs a fazer live cooking toda a semana - a Justa Nobre a cozinhar, o Chakal a fazer ceviche com o Adrien, do Sporting... -, convidamos personalidades que vão desde o Presidente da República a cantores, desportistas... E conseguimos um figurino que o ATP considerou a melhor zona corporate do mundo, porque nenhum outro tem esta vista sobre o court." Tudo razões que ajudam à satisfação do ATP com o evento, que até já serve de case study para outros torneios. "Este ano vamos ter cá o CEO europeu e muitas pessoas de topo da organização", avisa, sem querer dizer mais.
Zilhão reconhece a importância de fazer do Open um grande evento social, além do valor enquanto evento desportivo, para que as pessoas saiam e pensem que passaram ali um belo dia, e por isso empenha-se especialmente nesta parte. "As pessoas adoram e acabam por ver o ténis e se interessar mais, mesmo que tenham ido só almoçar." De resto, o diretor do Millennium Estoril Open admite que, apesar de gostar muito de desporto - "passo a vida a correr atrás de bolas de ténis, padel e golfe" -, a gastronomia é uma paixão. "Eu sou mesmo uma espécie de concierge não oficial de restaurantes para os amigos, vivo para comer, viajo para comer, mas faço muito, muito exercício." Razão pela qual está absolutamente em forma aos 42 anos. "Todas as manhãs faço um batido cheio de frutas e legumes, espinafres e gengibre, amoras e mirtilos, meto lá dentro o que há em casa de frescos. E faço por queimar calorias", confessa.
Num sítio como o Mar do Inferno, a escolha do almoço não é sofrida. O peixe salta à vista de tão fresco. Venha então um robalo para dois com espinafres e batata a acompanhar, uma garrafa de vinho branco Vallado para refrescar. João Zilhão vai dizendo que trabalha o ano inteiro para esta semana - "só paro três semanas em agosto, porque os decisores também estão de férias e não consigo reunir com as pessoas certas, aproveito para carregar baterias" - e se em full time a sua equipa é de apenas três pessoas, quando o evento se aproxima chega às várias dezenas. "É uma equipa, é muito gira e inclui uma área muito importante que é quem faz a ativação de marca, porque cada vez mais as marcas querem ter visibilidade e temos de tratar todos muito bem. Afinal, eles é que pagam o evento."
E tem resultado. No Dubai, o Millennium Estoril Open ganhou recentemente vários prémios, "porque é pequeno mas muito bem organizado e conseguimos comunicá-lo muito bem também fora do evento", justifica Zilhão. E exemplifica: "Pomos bolas gigantes nas rotundas, temos seis mil posições de outdoor e isto espalha o Open ao longo de mais tempo do que aquela semana." Porque foi considerado o melhor evento de marketing e promoção do ATP, no ano passado, Zilhão foi até convidado para ir apresentá-lo a todos os torneios da América.
A par desta parte da organização, foi ainda criado o Road to Millennium Estoril Open, para ajudar mais jogadores portugueses a chegar ao quadro, porque "irem jogar fora implica um custo enorme". São quatro eventos mais pequenos, de 15 mil dólares - "fizemos agora um no Racket Center Lisboa, um na Quinta da Marinha, nesta semana será no Porto e acaba no Carcavelos Ténis" - e cujo vencedor recebe um wild card para o torneio.
Enquanto me serve de vinho, pergunto-lhe como veio ter ao ténis - "cheguei a jogar qualifyings do Estoril Open em 1997 e 2003, mas a qualidade era muito inferior nessa altura; hoje o quadro de qualifyings passou para 16 jogadores, é metade, e isso fez subir muito a qualidade". João explica-me que durante anos, em casa dos avós, em Carcavelos, havia um court e ele e os irmãos - apenas um vive em Portugal, o outro irmão e a irmã estão em Londres - passavam horas a jogar. Mas nunca houve a ideia de se ligar à modalidade. Sendo meio britânico - "nasci em Londres e a minha mãe é inglesa" -, estudou no St. Julian"s até ao fim do liceu e foi por Direito que optou quando chegou à Universidade Lusíada, mas o primeiro emprego foi com o pai, na JJ Gonçalves. "O meu bisavô foi durante décadas importador da Austin, da Morris, da Mini", conta. É em 2000 que surge a hipótese de trabalhar no Tennis Masters Cup, organização de João Lagos, e é com ele que fica até 2012. "Foi uma grande escola, aprendi muito", assume, ainda que nessa altura tenha sido um de dezenas de colaboradores despedidos da organização. Um ano mais tarde, Zilhão estava a trabalhar na U.Com, em direitos televisivos e eventos de ténis, golfe e padel, e "quando houve a hipótese de considerar manter o torneio do ATP vivo em Portugal, em finais de 2014", não teve muitas dúvidas.
Contactados pela ATP para avançar, seguiu-se mês e meio "de loucura", confessa. "Tivemos de aparecer com muito dinheiro e com muita credibilidade, e daí os três sócios: um alemão, a U.Com, que já tinha relações com o ATP há muitos anos, o Benno van Veggel, um nome muito forte cá em Portugal, e o Jorge Mendes, outro nome muito forte no mundo do desporto, foram um selo de garantia."
E o resto da história é conhecido, com o atual diretor do torneio a reconhecer que "o evento está muito sustentado, muito sólido", o que justifica que haja vontade de renovar parcerias. "O doutor Carlos Carreiras e o Miguel Pinto Luz, presidente e vice-presidente da Câmara de Cascais, têm sido inexcedíveis desde o primeiro momento e têm vontade de renovar por muitos anos. E depois temos acordos plurianuais, o que ajuda - a cinco anos com a Peugeot e a Emirates, a três com a PT Empresas e o title sponsor Millennium BCP - que já está em renovação. O feedback que temos é que estão muito satisfeitos, o que é excelente, porque se calhar sem Millennium não havia evento." É mesmo assim? João Zilhão não hesita: "Este projeto está vivo porque três pessoas decidiram arriscar muito dinheiro e também tivemos dois parceiros de luxo que apostaram nele, a Câmara de Cascais e o Millennium. Senão, não tinha arrancado, porque era demasiado caro para fazer sem parceiros muito fortes. E depois do sucesso do primeiro ano conseguimos construir uma base muito boa. Mas é preciso sempre continuar, não abrandar esforços e inovar".
Já com o robalo a fazer justiça à forma como foi vendido, João Zilhão partilha novidades sobre a edição que começa já no dia 29. E uma delas vem precisamente dessa ideia de inovação: "Neste ano, o Millennium Estoril Open vai ter um apport de arte, vamos ter uma exposição com grandes artistas portugueses e internacionais, que terão peças em todas as áreas dos sponsors. São quadros, esculturas, instalações, fotografias, etc., expostos e disponíveis para compra." Não me diz quais são os artistas, mas a reação quando lhe pergunto se, por exemplo, Joana Vasconcelos estará representada entrega-o. Para não revelar mais, desvia a conversa para os mimos dados aos convidados: "Há café, champanhe, vinho, caipirinhas, porque quem é convidado não vai estar a pagar bebidas. Esta zona é a mais selecionada do evento: só entra quem for convidado de um sponsor ou tiver camarote, e há um dress code - não pode entrar de calções, havaianas... claro que depois vêm vedetas da música ou do futebol e temos de fechar os olhos. Quem é que vai dizer ao Mickael Carreira ou ao Renato Sanches que não pode vir vestido de determinada maneira?"
Pela área VIP passam mais de 700 pessoas por dia, além das tais 600 do restaurante, que está em overbooking. "Os nossos principais sponsors querem todos comprar mais e não há. Há um turno de almoço das 13.00 às 15.00 e um de jantar logo depois de o último jogo acabar", explica, acrescentando a razão para se ter criado estas sessões noturnas. "Permitir a quem está a trabalhar vir ver ténis quando sai do escritório. Não inventámos a roda, aplicámos aqui o conceito do futebol, por exemplo: se os jogos fossem às 14.00, não dava tanto jeito porque as pessoas têm de trabalhar."
Com tudo isto, a zona corporate - Slice Lounge, Slice Restaurant e Slice Bar - e os camarotes ganharam vida. E se o Estoril Open dá exclusividade de produto a cada uma das 80 marcas patrocinadoras - a Peugeot é carro oficial, a Emirates a linha aérea, a PT provedora de tecnologia, a Placard ligada a apostas, etc. -, outras empresas mesmo sem terem direito a aparecer acabam por comprar camarotes para fazer relações públicas e networking. "Com todo este trabalho e os relatórios individuais pormenorizados de retorno que fazemos a seguir, temos conseguido uma taxa de retenção de sponsors brutal, de mais de 90%."
Quanto a preços, "são totalmente acessíveis", com bilhetes individuais que começam nos cinco euros no primeiro dia e vão aos 35 euros para a final, e camarotes a 12 500 euros (seis pessoas durante toda a semana, com nove almoços, seis jantares, valet parking, etc.).
Já com o peixe supersaboroso a dar as últimas, pergunto-lhe se não gostaria de ver o Estoril Open crescer. "Nós adoramos o facto de que o evento esgotou três dias, no ano passado, e estamos conscientes de que neste ano vai esgotar ainda mais. Nesta altura temos o dobro dos bilhetes do ano passado vendidos. Mas o estádio está adaptado à realidade que é o ténis - ténis não é futebol, nunca vai ser - e estamos muito contentes com o nosso projeto e com o quadro conseguido, que inclui dois portugueses top 100, o João Sousa e o Gastão Elias. O meu sonho era ter um deles a avançar pelo quadro fora. Isso era a loucura."
No entanto, não há jogos fáceis, sobretudo com a possibilidade de enfrentarem jogadores como Gasquet, Del Potro ou Nick Kyrgios, além de alguns dos melhores dentre os mais jovens, como Medvedev. Quer saber se João gostaria de ver Federer ou Nadal aqui no Estoril. Explica-me que seria preciso pagar um appearance fee, negociado diretamente com o agente, e "passar um cheque muito grande, muito grande mesmo". E não compensa. "O quadro que temos está adaptado ao nosso budget e à realidade que é o nosso evento. Nós conseguimos fazer um torneio outdoor muito mais intimista do que o Jamor, sente-se o ténis e os estrangeiros adoram porque têm um pacote com imensa qualidade, que inclui toda a oferta de hotéis, praia, gastronomia, etc., que há nesta zona."
Chegou a hora da sobremesa, mas João Zilhão só aceitaria "assim, uma coisa mínima, pouco calórica" e à falta dessa opção, recusada a fruta, decide acompanhar-me apenas no café. Aproveito para saber que outros projetos tem na manga, além do que o levou a Zurique na semana passada, mas sobre o qual recusa dar qualquer detalhe - nada que ver com ténis nem com esqui, e mais não diz. Diz-me que a empresa vai estar envolvida no Portugal Masters, o maior evento de golfe em Portugal, em Vilamoura, motivo de grande alegria para João Zilhão. "O meu avô, John Stilwell, foi pioneiro do golfe no Algarve; nos anos 1960, decidiu fazer o primeiro campo no Alvor, na Penina, o primeiro hotel de cinco estrelas no Algarve. Ele era muito amigo do Henry Cotton e fez aquilo no meio de uns arrozais - foi inaugurado em 1966, com nove holes. E o meu tio Christopher foi durante anos CEO da Oceânico e um dos homens mais fortes do Portugal Masters do Algarve, portanto, é muito bom poder agora vir ligar--me, através da U.Com, a um projeto de golfe." De resto, só deseja continuar a dar "sustentabilidade aos projetos, ter ótimas equipas a trabalhar e pagar a toda a gente a tempo e horas."
Mar do Inferno
› Pão e queijo fresco
› Água
› Robalo escalado
› Vallado branco
› 3 cafés
Total: 74,2 euros