Hakan Çalhanoglu, de 30 anos, é uma das estrelas da Turquia.
Hakan Çalhanoglu, de 30 anos, é uma das estrelas da Turquia.GEORG HOCHMUTH / APA / AFP

Europeu sem fronteiras. Há estrelas que escolheram a seleção para brilhar

Laços familiares, tempo de casa e até “recrutados” noutros continentes: conheça alguns casos de jogadores que dividem o coração e a camisola entre duas nações. Ao todo, são 82 futebolistas naturalizados e, além destes, são ainda mais os que têm dupla nacionalidade. Em comum, têm o amor pelo futebol e o talento.
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Basileia, 11 de junho de 2008: a partida entre Suíça e Turquia valia vida ou morte para os suíços, donos da casa naquela edição do Europeu realizada em conjunto com a  Áustria e vencida de forma inédita pela Espanha. Aos 31 minutos, o avançado Hakan Yakin abriu o marcador para a Suíça. Nascido em Basileia, Yakin, filho de imigrantes turcos, não esboçou qualquer reação de euforia. Dias antes,no mesmo torneio, o alemão Lukas Podolski ao inaugurar o marcador frente à Polónia, país onde nasceu, também não havia festejado.

A cena, que se tornou  habitual em encontros de jogadores frente aos seus anteriores clubes e tem a sua história no principal torneio de seleções da UEFA, pode ser ainda mais comum nesta edição do Europeu. Serão 82 jogadores naturalizados, ou seja, que nasceram num país diferente da seleção que representam, além da presença de centenas de jogadorescom dupla nacionalidade que, por diferentes fatores, escolheram determinada camisola para defender.

Jogadores naturalizados ou de diferentes origens a atuar por seleções europeias é algo comum desde a realização dos primeiros grandes torneios de seleções, como as Olimpíadas ou o Mundial de 1930. A partir dos anos de 1990, no entanto,  tornou-se uma característica cada vez mais comum: um reflexo do fenómeno da imigração na Europa e das suas transformações étnicas e culturais no continente traduzidas no futebol. 
Hakan Çalhanoglu, um dos principais nomes da seleção turca, fez o caminho contrário do traçado por Yakin no início do século XX.

Nascido em Mannheim, na Alemanha, a estrela do Inter Milão optou por defender a seleção da Turquia, país do qual os seus pais haviam emigrado e do qual se sentia culturalmente representado. Turquia e Alemanha são duas das seleções mais conectadas entre si no torneio, consequência do impacto da imigração turca na Alemanha: aproximadamente sete milhões de turcos vivem no país. No futebol, a saída vai para ambos os lados, mas cada vez mais jogadores de origem turca, tal como Çalhanoglu, preferem defender a seleção dos seus progenitores do que a do país onde nasceram.

No Euro 2024, Ilkay Gündogan, médio do Barcelona, é o único de origem turca, mas nascido na cidade alemã de Gelsenkirchen, nos selecionados de Julian Nagelsmann. Por outro lado, a Turquia, além de Çalhanoglu,  conta com mais sete atletas nascidos noutros países entre os convocados, sendo quatro deles nascidos na Alemanha: Kaan Ayhan, Salih Özcan, Cenk Tosun e Kenan Yildiz. Ferdi Kadioglu e o benfiquista Orkun Kökçü, nascidos nos Países Baixos, e Mert Müldür, nascido na Áustria, são os outros atletas que poderiam estar em outras seleções mas fazem parte do plantel do italiano Vincenzo Montella, selecionador da Turquia.

A discussão entre a presença de jogadores de origem turca numa seleção ou outra gerou maior discussão quando Turquia e Alemanha se enfrentaram nas meias-finais do Europeu de 2008. O fenómeno de jogadores nascidos na Alemanha na seleção turca já era uma realidade e mereceu reportagem especial do portal alemão Deutsche Welle na véspera daquela partida, que acabou por ser vencida pela Alemanha (3 - 2). A falta de integração e o preconceito com a comunidade turca na Alemanha, foram apontados, na altura, como os principais motivos pelos quais a maioria dos jogadores preferiram jogar pela Turquia.

Retegui recrutado por Itália

Mateo Retegui pertencia ao Boca Juniors e foi emprestado ao Tigres, clube pelo qual se tornou o melhor marcador do Campeonato Argentino na temporada 2022/23. Jovem, goleador e com características valiosas, como a força e a velocidade, era natural que Retegui chamasse a atenção dos grandes clubes do futebol europeu. Chamou, mas não só. Neto de imigrantes italianos, Retegui possui cidadania italiana e, desta forma, foi chamado por Roberto Mancini para jogar na seleção azzurra.

Antes da chamada, o avançado havia representado a seleção da Argentina nas categorias de sub-17 e sub-19 e chegou mesmo a disputar os jogos Pan-Americanos de 2018 pelo país onde nasceu. Com a concorrência de Lautaro Martínez e Julian Álvarez na seleção principal de Lionel Scaloni, Retegui foi convencido por Mancini a integrar a seleção principal de Itália, que sofre com a escassez de avançados.

Mateo Retegui, de 25 anos, nasceu na Argentina, mas representa Itália.
(CLAUDIO VILLA / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP)

Em março de 2023 foi oficialmente convocado pela Itália e, uma semana depois, estreou-se a marcar pela sua “nova” seleção na derrota por 2-1, em Nápoles, frente à Inglaterra, em jogo de apuramento para o Euro 2024. O recrutamento de Retegui por parte da federação italiana pode marcar uma nova tendência na Europa, pois outras podem poderão “fisgar” talentos de outros continentes que tenham ascendência europeia. A prática já é comum entre clubes, que buscam futebolistas com passaporte europeu na América Latina, para que não ocupem vagas de extra-comunitários.

Após a internacionalização pela Itália, Retegui se transferiu para o Génova, onde marcou nove golos na época 2023/24.

Não são só as origens de família que definem o destino de alguns dos naturalizados ou com dupla nacionalidade. Assim como Pepe e Matheus Nunes (Brasil) na seleção nacional, o francês Loïc Négo defende as cores da Hungria. Nascido em Paris, o lateral-direito chegou a Budapeste em 2013 e, após um ano em Inglaterra ao serviço do Charlton Athletic, regressou ao país do leste europeu para defender o Fehérvár.

Em 2019 completou o processo de naturalização e passou a defender a seleção húngara. Teve um grande momento na qualificação para o Euro 2020, ao marcar o golo salvador frente à Islândia, que apurou os húngaros para a fase final. Mesmo com papel de destaque na equipa de Marco Rossi, a presença de Loïc Négo na seleção gera polémica na Hungria.

Loïc Négo, de 33 anos, nasceu em França, mas representa a Hungria.
(ATTILA KISBENEDEK / AFP)

Num país em que o primeiro-ministro Viktor Orbán vê o discurso anti imigração como uma “questão cultural”, Négo enfrenta resistência, especialmente por ser o único jogador negro da seleção. Em partida da Liga das Nações, realizada contra a Inglaterra em 2022, Négo testemunhou as vaias dos adeptos húngaros presentes no estádio quando os jogadores da seleção inglesa se ajoelharam, num gesto anti-racista. O franco-húngaro, que já havia feito o gesto, não se arriscou a repeti-lo.

França e Albânia em destaque

Dos 26 jogadores chamados por Didier Deschamps à seleção francesa apenas quatro - Adrien Rabiot, Benjamin Pavard, Jonathan Clauss e Warren Zaïre-Emery - não possuem dupla cidadania. Kylian Mbappé, a estrela dos gauleses, podia, inclusive, jogar por três seleções, pois o novo reforço do Real Madrid nasceu em França, tem pai camaronês e mãe é de origem argelina.

A multiculturalidade da seleção francesa não é propriamente uma novidade na atual edição do Europeu e já gerou muita polémica no país. Zinedine Zidane, um dos maiores nomes da história do futebol daquele país, foi perseguido durante sua carreira, assim como outros jogadores de origem árabe ou africana, na seleção. A história de racismo na seleção francesa é debatida no documentário Bleus - Uma Outra História da França, de 2016.

No caso dos jogadores naturalizados, a Albânia lidera. São 19 atletas nascidos em outros países na seleção liderada pelo treinador brasileiro Sylvinho. Das 24 seleções do Europeu, Áustria, Dinamarca, Países Baixos e República Tcheca são as únicas que, embora contem com atletas com dupla cidadania, não possuem atletas naturalizados.

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