"Esta seleção da Hungria joga muito no erro do adversário"

Portugal entra amanhã no Euro 2020 frente a um adversário com quem nunca perdeu em toda a história. O técnico Leonel Pontes passou pelo futebol húngaro e ao DN analisa um rival onde o talento não abunda, mas que é perigoso sobretudo no contra-ataque.
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Em 1902, a Hungria participou naquele que é considerado o primeiro jogo de seleções fora das ilhas britânicas frente à Áustria, com quem partilhava um império; foi a primeira seleção continental a bater a Inglaterra em Wembley (3-6) naquele que foi considerado o "jogo do século" (e logo a seguir aplicou-lhe a maior goleada da história dos três leões, 7-1); venceu três medalhas de ouro olímpicas e foi finalista em dois Mundiais. De lá, saíram homens que ajudaram a mudar o futebol português, de József Szabó e Béla Guttmann a Lajos Baróti entre outros, e do futebol mundial, como Puskás, o homem que dá o nome ao estádio que recebe amanhã a estreia portuguesa no Europeu (17.00, SIC/Sport TV) e que pelo seu país marcou 84 golos em 85 jogos.

Agora, depois de décadas de apagamento, culminadas com a ausência das grandes competições internacionais durante 30 anos e a irrelevância continental dos seus principais clubes, a Hungria está lentamente a reaparecer. Esteve no Euro"2016, subiu de escalão duas vezes na Liga das Nações e volta agora a marcar presença na fase final da competição do Velho Continente.

Embora qualquer comparação com os "Mágicos Magiares" que encantaram todos aqueles que viram a Aranycsapat ("Equipa de Ouro") nos anos 50 do século XX seja descabida, esta nova Hungria pode complicar a vida a Portugal, como parte deles comprovou na partida de 2016, que terminou empatada a três golos e quase custava o apuramento à equipa das quinas - nos últimos 13 jogos apenas perdeu uma vez, perante a Rússia (2-3). Ainda assim, Portugal pode orgulhar-se de nunca ter sido derrotado pela Hungria nas 13 partidas já disputadas - nove vitórias e quatro empates.

O técnico Leonel Pontes foi um dos portugueses que já passou pelo futebol magiar. Em 2016/17 orientou o Debreceni durante 26 jogos e nessa altura defrontou o italiano Marco Rossi, atual selecionador - cargo que assumiu em 2018, depois de ser campeão pelo Honvéd. "Tivemos uma relação cordial, com muitos contactos. É um treinador conservador, que previligia a capacidade defensiva da equipa e que gosta de jogar em 3x4x2x1, ou seja um 3x4x3 com os alas muito por dentro, mas que também pode atuar em 3x5x2, com dois pontas de lança", referiu ao DN, antevendo aquilo que espera a equipa de Fernando Santos: "Uma equipa que aposta muito no contra-ataque, joga muito no erro do adversário, sobretudo no meio-campo defensivo deste. Não é que faça uma pressão muito alta, que deixa sair a jogar e dá alguma iniciativa ao adversário, mas não baixa muito no terreno numa primeira fase porque, quando o faz, depois tem mais dificuldade em contra-atacar - ou seja, é mais perigosa quando tem o bloco um bocado mais subido".

Para o antigo tutor de Cristiano Ronaldo, esta Hungria não é um conjunto talentoso do ponto de vista individual. "Como tem alguns jogadores que atuam noutras ligas, sobretudo na alemã, às vezes tenta elaborar um bocado o seu jogo mas se forem pressionados cometem muitos erros. Não é uma equipa que tenha capacidade de construção. Aliás, o Honvéd do Marco Rossi não era uma equipa que elaborasse muito, era mais de contra-ataque, de jogar na garra, na luta", salienta Leonel Pontes, reconhecendo, porém, que se torna complicado nas partidas perante adversários mais fortes, uma vez que "têm o espaço que precisam para contra-atacar".

Já a ausência de Dominik Szoboszlai, jovem médio do Leipzig e autor do golo que garantiu a qualificação no play-off frente à Islândia, "pode ter algum peso": "As equipas precisam dos melhores jogadores para a sua dinâmica coletiva, porque é aí que eles vão sobressair. Vai fazer falta, porque tem o talento que os outros não têm, o que em alguns momentos pode fazer a diferença."

De qualquer forma, Portugal não pode facilitar, isto se quer ficar com "uma almofada para os outros dois jogos". "Se se encarar este jogo como um que mais tarde ou mais cedo se vai resolver, corremos o risco de perder. Temos de ganhar porque depois temos dois adversários que, para mim, são os favoritos a ganhar o Euro", acrescenta o técnico, destacando o papel dos dois laterais "que gostam de atacar e fazem bons cruzamentos" e os dois pontas de lança, sobretudo o capitão Ádám Szallai, "que apesar de não ser muito evoluído é bastante forte, um "touro" nos duelos e que vai a todas".

Apesar de considerar a sua passagem pelo Debreceni como uma "experiência gratificante", a qualidade da liga húngara (que tem 12 representantes nos 26 homens de Rossi) não o impressionou. "Considero-a da III Divisão da Europa, apesar do Ferencváros e do Féhérvar [o antigo Videoton] terem alguma capacidade. Os clubes húngaros têm, na sua maioria, boas condições de trabalho. Bons estádios, centros de treinos, mas não melhoraram o conhecimento. Têm dificuldade em mudar, porque são muito fechados sobre si próprios", considera Leonel Pontes, associando isso à falta de talento que se reflete na seleção: "Acham que são muito bons em várias coisas, ainda ligam muito o treino às modalidades individuais - porque aí são muito fortes, até porque são muito disciplinados na forma como trabalham - mas do ponto de vista tático, do crescimento para outro nível de organização, de gestão, têm muitas dificuldades".

Já sobre o ambiente que Portugal vai encontrar na Puskás Aréna, o técnico não tem muitas dúvidas: "Os adeptos vão fazer muito barulho, ainda por cima estando sedentos deste tipo de espectáculos, e puxar pela equipa, o que os pode motivar ainda mais. Para nós, vai ser um ambiente hostil mas acho que os nossos jogadores estão habituados a isso e não acredito que seja um entrave para ganharmos este jogo".

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