Escola argentina de treinadores ganha destaque no Mundial
Durante um tempo, mesmo depois de ter dado início à sua carreira de treinador, José Pékerman recusou-se a largar o seu táxi. Ele tinha conduzido o pequeno Renault 12, oferecido pelo irmão, durante quatro anos, depois de uma lesão o ter forçado a deixar de jogar, mas antes de começar a trabalhar nos juvenis do clube Estudiantes de Buenos Aires.
Naquela época, Pékerman chegava muitas vezes às sessões de treino no carro que ele próprio pintara de amarelo e preto. Treinar era a sua ambição, e ele rapidamente demonstrou que tinha aptidão para isso, mas estava relutante em separar-se do táxi. Este era a sua garantia de que poderia sustentar a família, era a sua rede de segurança. Pékerman sabia que no futebol argentino nunca poderia estar certo de que não viria a precisar dele.
Até agora, este não tem sido um Campeonato do Mundo brilhante para a Argentina em nenhum aspeto. A equipa nacional, apesar da presença de Lionel Messi, tem vivido de crise em crise. Acabou empatada com a Islândia, destroçada pela Croácia e em risco de uma saída humilhante na fase de grupos - disputa hoje, às 19.00, o jogo decisivo com a Nigéria - enfrenta agora rumores de que os seus jogadores estão em rebelião aberta contra o seu técnico, Jorge Sampaoli.
Mas há outro elemento na história da presença da Argentina nesta competição. Outras quatro equipas do Campeonato do Mundo na Rússia têm uma marca argentina porque cada uma delas - Colômbia, Peru, Egipto e Arábia Saudita - tem um técnico argentino. Isso faz com que cinco treinadores argentinos participem nesta competição, igualando o recorde estabelecido pelo Brasil em 2006.
Nenhuma destas cinco, é verdade, tem feito um Campeonato do Mundo especialmente bem-sucedido. Três viram as suas seleções eliminadas ainda antes de disputarem a terceira jornada da fase de grupos - o Egipto de Héctor Cúper, a Arábia Saudita de Juan Antonio Pizzi e o Peru de Ricardo Gareca.
Isso deixa apenas a Argentina de Sampaoli e a Colômbia de Pékerman com uma esperança de chegar à fase eliminatória. A Argentina precisa de vencer a Nigéria no seu último jogo na primeira ronda e esperar que a Islândia não derrote a Croácia; a Colômbia, derrotada pelo Japão no seu jogo de estreia, venceu a Polónia por 3-0 no domingo e quinta-feira enfrentará o Senegal, sabendo que precisa de ganhar para garantir que avança para a próxima fase.
No contexto dos problemas que Messi e os seus companheiros de equipa estão a viver na Rússia, o facto de alguns dos emissários técnicos da Argentina também estarem em dificuldades será visto como apenas mais uma desculpa para a autoflagelação nacional.
Um país que sabe treinar
É possível, no entanto, inverter essa interpretação, sugerir que o número de treinadores argentinos nas linhas laterais na Rússia deve ser uma fonte de consolo e de orgulho na Argentina, a prova de que, embora haja preocupações sobre o desempenho dos jogadores internamente, o país sabe treinar.
A Argentina sempre produziu treinadores de renome, é claro, e sempre os exportou, principalmente para o resto da América Latina. Marcelo Bielsa, Claudio Borghi e o próprio Sampaoli assumiram o Chile nos últimos anos; Pékerman é o quinto técnico argentino a dirigir a seleção colombiana. Mesmo o Uruguai - vizinho da Argentina e seu feroz rival - não ficou imune: Daniel Passarella, capitão da Argentina vencedor do Campeonato do Mundo, treinou a equipa nacional do outro lado do Río de la Plata.
Na Europa, o registo tem sido um pouco mais irregular: algumas das estrelas mais brilhantes da Argentina a nível de treinadores - César Luis Menotti, Carlos Bilardo e Carlos Bianchi - encontraram o sucesso mais difícil de alcançar no Velho Mundo do que no Novo, embora Luis Carniglia tenha vencido a Taça dos Campeões Europeus ao comando do Real Madrid na década de 1950, e Helenio Herrera tenha feito o mesmo com o Inter de Milão, uma década depois.
E com cinco treinadores no Mundial e pessoas como Mauricio Pochettino (Tottenham) e Diego Simeone (Atlético de Madrid) entre os técnicos mais conceituados da Europa, a linha de produção parece estar mais prolífica do que nunca.
"Tentamos garantir que os nossos treinadores tenham tudo aquilo de que precisarão", disse Victorio Cocco, presidente da Associação de Treinadores da Argentina, quando solicitado a explicar o sucesso dos seus ex-alunos. Grande parte do foco está na técnica, disse ele, mas há "cursos de psicologia, ciência do desporto, análise de vídeo também. Certificamo-nos de que eles estejam preparados para tudo o que vão encontrar".
Qualificar-se como treinador na Argentina é mais duro do que em muitos países europeus: são necessários quatro anos para se poder treinar na Primera Division, a liga principal. Os dois primeiros devem ser passados no nível juvenil, seguidos de mais dois com jogadores seniores, esclareceu Cocco.
"Aqui não há atalhos", disse ele. "Os jogadores só precisam de jogar. Um treinador tem de saber uma montanha de coisas, desde a dieta até como falar com os jogadores. Há muitas coisas para aprender e isso leva tempo."
Múltiplas influências
Não é apenas a educação formal que explica isso, no entanto. É o facto de a Argentina ser o recetáculo de uma confluência de ideias, disse Cocco. Está exposta a influências de "Itália, Alemanha, Espanha, Suécia" e de todos os pontos intermédios, o que facilita a mudança dos treinadores para o estrangeiro. "Nós gostamos de viajar por todo o mundo e adaptarmo-nos", afirmou Cúper.
E é este ambiente de estufa do futebol argentino, tão destrutivo em outros aspetos, que é especialmente propício ao desenvolvimento de treinadores de alto calibre.
Tal como disse Cocco, não só há "centenas de ligas e milhares de clubes", dando aos aspirantes a treinadores a oportunidade de ganharem experiência, como a pressão é imediata e implacável mesmo ao nível dos jovens. Os treinadores têm de aprender e aprender rapidamente ou são demitidos. Foi por isso que Pékerman não desistiu do táxi e é por isso que ele está no Campeonato do Mundo a dirigir a Colômbia.