Edgar Davids: um campeão europeu que chega para revitalizar o Olhanense

Aos 47 anos, e de forma surpreendente, o antigo jogador holandês, conhecido por Pitbull, vai pegar na equipa do Campeonato de Portugal na sua terceira experiência como treinador
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Para o Sporting Clube Olhanense ter um campeão europeu a ocupar o cargo de treinador principal não é novidade nos seus 108 anos de história. Já aconteceu quando Jorge Costa, que conquistou a "orelhuda" ao serviço do FC Porto de Mourinho em 2004, conduziu o clube algarvio ao título da II Divisão em 2008/09.

Outros antigos jogadores de currículo impressionante também passaram pelo Estádio José Arcanjo, sendo o mais notável de todos Sérgio Conceição , que depois de uma experiência como técnico adjunto do Standard Liège iniciou a sua caminhada como responsável principal de uma equipa ao serviço dos rubro-negros. Ou os ex-benfiquistas Álvaro Magalhães e Diamantino Miranda, além de uma série de técnicos prestigiados como são Manuel Cajuda, Paulo Sérgio (que com os seus 110 jogos é o treinador que mais vezes orientou a equipa), Daúto Faquirá, Manuel de Oliveira ou József Szabó (o homem que lançou Fernando Peyroteo no Sporting).

Mas, mesmo em tempos bizarros, ninguém esperava que a Olhão chegasse agora o holandês Edgar Davids. O anúncio da extraordinária contratação - extraordinária pela incrível carreira de jogador que o antigo médio protagonizou, não tanto pelos seus feitos como treinador - foi feito ontem no Facebook do Olhanense e no Instagram do próprio antigo futebolista (que, curiosamente, se define nessa rede social como "artista"): numa imagem com o emblema dos algarvios, Davis diz ser esse o seu "próximo capítulo".

Se Olhão é o próximo capítulo, a história de Edgar no mundo do futebol começou a ser escrita quando tinha 12 anos e foi, por fim, aceite nas famosas escolas do Ajax. Depois de duas rejeições, o jovem médio iniciaria aí uma longa carreira ao serviço dos lanceiros de Amesterdão, cidade onde chegara bem jovem oriundo da antiga colónia holandesa do Suriname. A 6 de setembro de 1991 faria a sua estreia, lançado por Leo Beenhakker, na equipa principal, numa goleada de 5-1 sobre o RKC Waalwijk. Nesse mesmo mês, o Ajax trocou o técnico pelo seu adjunto Louis van Gaal e o resto, como se costuma dizer, é história. Não só o novo comandante lhe deu um novo "nome" - Davids passou a ser sinónimo de Pitbull, pela forma agressiva, às vezes excessiva, e tenacidade que mostrava na luta a meio-campo -, como conduziu o clube a um novo período de glória.

Nas cinco temporadas que vestiu a camisola branca com uma faixa vermelha, Davids enriqueceu o seu currículo com uma Liga dos Campeões (94-95), uma Taça UEFA (logo no ano de estreia), uma Supertaça Europeia, uma Taça Intercontinental, três Ligas holandesas, uma Taça (venceria outra num regresso já em fim de carreira) e uma Supertaça da Holanda. Pelo caminho estreou-se também pela seleção da Holanda (numa derrota caseira frente à Rep. Irlanda, por 1-0, a 20 de Abril de 1994): até 2005 somaria mais 73 jogos (e seis golos) pela "Oranje".

Em 1996, Davids decidiu que o capítulo Ajax tinha chegado ao fim. Aos 23 anos necessitava de um novo desafio e nada melhor que Itália para o conseguir. A custo zero mudou-se para o AC Milan, clube com gratas recordações da magia holandesa, mas a verdade é que só passou um ano e meio como "rossonero". Em janeiro de 1998, e sem conseguir afirmar-se no Giuseppe Meazza, aceitou mudar-se para Turim, com a Juventus a pagar cerca de oito milhões de euros pelo seu passe.

Nos "bianconeri" juntou-se a um tal de Zidane para formar um meio-campo intratável e regressar aos títulos, contribuindo para três vitórias na Serie A e duas Supertaças. Foi também neste período que, além das qualidades futebolísticas (que, aliás, levariam Pelé a incluí-lo, em 2004, na lista dos 100 melhores futebolistas vivos), se destacou com uma imagem de marca invulgar num futebolista: um glaucoma, consequência de várias lesões nos olhos, obrigou-o a utilizar uns óculos especiais dos quais se tornaria inseparável.

Ao fim de cinco temporadas e meia no norte de Itália, Davids começou então a perder espaço no clube de Turim. Foi cedido ao Barcelona e ainda voltaria a Itália, para representar o Inter Milão e ganhar uma "Coppa"; rumaria em seguida ao futebol inglês, para fazer um ano e meio no Tottenham. De regresso a casa e ao Ajax, onde ainda demonstrou estar vivo. Ficou a um golo de ser campeão e venceu a referida Taça, apontando o penálti decisivo na fnal frente ao AZ. Uma fratura na perna no início da época seguinte (2007/08) marcou o início do fim como jogador de topo, com o jogador a deixar o clube de Amesterdão no final da temporada. Ainda vestiu a camisola do Crystal Palace em 2010 mas o ritmo do Championship revelou-se demasiado intenso para um veterano e não foi além de sete jogos pelos londrinos.

Tal como sucede agora, foi com alguma surpresa que em outubro de 2012, aos 39 anos, Davids decidiu sair da reforma para assumir o cargo de jogador-treinador do Barnet FC, um pequeno clube londrino "encaixado" no espaço entre os gigantes Arsenal e Tottenham. A viver em part-time na capital inglesa, o antigo médio aceitou pegar num clube que tentava escapar à despromoção na League 2, quarto escalão do país. Há 12 jogos sem vencer sob o comando de Mark Robson, os "bees" (abelhas) encetaram então uma recuperação notável.

Em dezembro, Robson deixou o clube e Davids assumiu o cargo sozinho e quase evitava a descida: nunca um conjunto com 51 pontos baixara para a Conference, como sucedeu dramaticamente ao Barnet. Ainda assim, o holandês manteve-se no clube mas as coisas mudaram radicalmente no segundo ano. Primeiro, decidiu envergar a camisola número 1, apesar de jogar a médio, e fez um acordo para não comparecer a jogos demasiado longe de casa. Depois, faltou aos primeiros dez jogos e, quando regressou, viu cartões três vermelhos em cinco jogos. A aventura acabou em janeiro de 2014 e deixou um misto de sensações entre os adeptos do clube.

"Foram uns tempos loucos. Nos tempos da Ligue 2 foi um bom técnico e quase nos salvou mas quando descemos tornou-se mais numa celebridade do que num treinador, mais interessado em linhas de roupa, patrocínios e coisas do género do que na equipa", disse um deles ao recordar a passagem do holandês pelo Barnet, enquanto outros lembram a sua exigência e as expetativas exageradas do técnico para jogadores do nível da League 2.

Após mais uma experiência de seis meses no Telstar, sétimo classificado da II Liga holandesa, como adjunto, Davids chega agora a um Olhanense que é quarto classificado da Série H do atual Campeonato de Portugal. A poucos quilómetros de Vale do Lobo, onde o seu antigo mestre Louis van Gaal tem casa, o Pitbull (que também tem habitação de férias no Algarve) tem uma nova oportunidade de mostrar que ainda "morde" mais do que a gastronomia tão elogiada pelo seu compatriota.

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