Discussão do mundial (também) passa por mãos portuguesas

São 15 os portugueses que trabalham no Mundial de Ralis (WRC), entre engenheiros, mecânicos ou pessoal de apoio. Uma comitiva feliz e "com boa reputação"

Natural de Aguiar da Beira, na Guarda, Rui Soares desde cedo se habituou ao mundo dos ralis. O pai, com o mesmo nome, foi navegador e Rui ganhou dele a paixão pelos motores, que começou a pôr em prática, ainda adolescente, na ARC Sport, uma empresa local de âmbito familiar mas com grande tradição no desporto automóvel em Portugal. Agora, aos 30 anos, este engenheiro mecânico licenciado pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, e com mestrado tirado em Espanha, é um nome reputado nos bastidores do mundial de ralis, como engenheiro responsável pelo Hyundai i20 do neozelandês Hayden Paddon, que venceu na Argentina a prova que antecedeu este rali de Portugal.

Rui Soares não é o único português por cujas mãos passa a decisão do mundial de ralis. Além dele, há outros 14 espalhados pelas principais equipas do WRC, entre engenheiros, mecânicos, pessoal de apoio e uma assessora de imprensa, que vão reforçando ano a ano a reputação nacional numa das mais importantes competições do mundo automóvel. "Felizmente, os técnicos portugueses têm uma reputação muito boa no WRC", refere o jovem engenheiro, que viu o seu trabalho neste rali de Portugal interrompido bruscamente com o espetacular acidente de Paddon, na sexta-feira, que deixou o carro completamente destruído pelas chamas.

O engenheiro português começou a trabalhar com Paddon em 2011, quando o acaso os juntou. Rui estava a tirar o mestrado em Engenharia Mecânica na universidade basca de Vitoria Gasteiz quando o tema da sua tese de mestrado ("o papel do engenheiro mecânico no desporto automóvel") o levou a um estágio na equipa belga Symtech Racing, que tinha acabado de assinar também com o jovem piloto neozelandês para o mundial de produção (PWRC). A equipa gostou do trabalho de Rui Soares, ele ficou a trabalhar com Paddon e logo nesse ano foram campeões do mundo na categoria de produção. De então para cá, são inseparáveis, com o português a acompanhar a mudança do piloto para a Hyundai, em 2014.

E qual é então o papel do engenheiro? "Sou o responsável por fazer a ponte entre o piloto, os mecânicos, traduzir o feeling do piloto para os mecânicos, procurar afinar a estratégia com o Hayden, analisar dados, estatísticas, a história dos ralis, as especificações usadas que deram resultado e que não deram, etc." Um trabalho exaustivo que, basicamente, procura "tornar o carro o mais rápido possível, adaptá-lo à condução do piloto e aos pisos".

Na Hyundai, que é a equipa com uma delegação portuguesa mais extensa, trabalham ainda outros sete portugueses. Como Sérgio Couto, mecânico de 39 anos que começou nas corridas automóveis no anos 90, com o pai, que "tinha uma oficina na Maia e dava assistência ao carro do Ni Amorim". Na construtora sul-coreana (cuja sede da equipa de WRC é na Alemanha) desde 2014, Sérgio viu neste ano chegar à equipa mais um português, Paulo Batista, um "veterano" com "30 anos de ralis", que começou nos anos 1980 na mítica Diabolique do consagrado Joaquim Santos. Agora, depois de quatro anos na Ocean de Tiago Monteiro e um período no Luxemburgo, entrou no mundo do WRC, onde, diz, "é tudo diferente para melhor".

Miguel e a família Azevedo

Se Paulo Batista chegou neste ano ao mundial, o português mais veterano do WRC é Miguel Cunha. Apesar de ter apenas 36 anos, entrou para estas lides bem novinho, aos 20, quando decidiu tentar a sorte em Inglaterra, na fábrica da Ford. Por isso, já trabalhou com grandes nomes de várias gerações, como o espanhol Carlos Sainz, o saudoso Colin McRae (falecido em 2007 num acidente de helicóptero), Marcus Gronholm ou Mikko Hirvonen, entre outros. Já festejou duas vezes o título de construtores, "em 2006 e 2007", e viu os seus pilotos ficarem "algumas vezes em segundo lugar, uma delas com o Hirvonen a um ponto do [Sébastien] Loeb", durante o longo período de hegemonia do nove vezes campeão mundial francês (2003-2012). Desde a retirada da Ford, Miguel ficou na M-Sport e neste ano é mecânico do carro de Eric Camilli.

Mas o papel dos portugueses do WRC não acaba de se contar sem a história familiar dos Azevedos, pai e filho em equipas diferentes. José, o filho, é quem está há mais tempo no mundial e trabalha agora como mecânico-chefe do Volkswagen Polo R do finlandês Latvala, onde tem a ajuda de mais dois mecânicos portugueses (Rui Cabeda e Marco Moreiras). O pai, António, um antigo piloto, de 60 anos, é motorista e dá apoio na logística da M-Sports, para onde entrou em 2011, ainda o filho José estava também na equipa inglesa, numa altura em que "estava farto de estar parado", depois da crise lhe ter afetado a empresa de reparações que tinha. Agora em lados diferente da barricada, pai e filho garantem que não se zangam. "Isto não é futebol, não somos rivais", diz António, feliz por ver que "os portugueses são cada vez mais bem conceituados" no WRC.

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