Decisão de tribunal da UE obrigará FIFA a mudar regulamentos e clubes a protegerem-se
O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) abriu ontem a porta a uma alteração das normas relativas às transferências de futebolistas, que poderá obrigar a FIFA a adaptar o seu regulamento àquilo que são as leis europeias. Isto porque o acórdão daquele tribunal ontem conhecido considera que algumas normas são contrárias ao direito europeu, nomeadamente no que se refere aos obstáculos que colocam em causa a livre circulação de jogadores e a concorrência entre clubes.
O acórdão proferido pelo TJUE surge na sequência de uma queixa do internacional francês Lassana Diarra, formalizada há dez anos, sobre a sua rescisão de contrato com o Lokomotiv Moscovo, por o clube russo ter decidido baixar-lhe drasticamente o salário. Oemblema de Moscovo considerou a rescisão injusta e exibiu-lhe o pagamento de uma indemnização de 10 milhões de euros pelos danos sofridos.
Devido a esta situação, o clube belga Charleroi que pretendia contratar o atleta, acabou por desistir por temer que tivesse de ter de indemnizar o Lokomotiv, tendo em conta as normas da FIFA. Diarra contestou então algumas das regras do Regulamento de Estatuto e Transferência de Jogadores e viu agora o TJUE dar-lhe razão.
É o resultado desta contestação que vem agora expressa no acórdão do TJUE, que respondeu às dúvidas do Tribunal de Apelo de Mons, em França, onde o processo estava a correr. “Otribunal europeu não diz que não é devida uma compensação por não haver justa causa para a rescisão, diz apenas que os critérios europeus acabam por não ser seguidos pelo regulamento da FIFA”, explica Luís Cassiano Neves, especialista em Direito Desportivo, ao DN.
José Manuel Meirim, professor de Direito Desportivo e antigo presidente do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, reforça a ideia de que o acórdão “coloca em causa as normas da FIFA”, lembrando que em caso de não haver justa causa para a resolução de um contrato “a FIFA prevê a responsabilização do jogador e do clube de destino do atleta, que se presume culpado” pela quebra de contrato, sendo que nesse sentido aplica-se “a indemnização, uma sanção desportiva ao clube de destino e a sua responsabilidade solidária”.
Uma situação que, aliás, se verificou em 2018 quando Rafael Leão apresentou a rescisão de contrato com o Sporting. Mais tarde não foi reconhecida a justa causa ao jogador, pelo que o Lille – clube francês que acolheu o avançado – foi obrigado a indemnizar os leões em 19,67 milhões de euros. É esta norma que o TJUE vem agora dizer que viola a livre circulação de trabalhadores e as leis da concorrência entre clubes, pois segundo Meirim “nenhum clube contrata um futebolista nestas condições”, com o risco de ter de pagar uma elevada indemnização.
“Na prática, o que esta decisão vem dizer é que tem de ser o anterior clube do jogador a provar que o novo empregador interferiu na rescisão de contrato”, sustenta Luís Cassiano Neves, admitindo que no caso concreto de Rafael Leão, à luz desta posição do TJUE, “o Sporting só seria indemnizado pelo Lille se provasse que o clube francês teria incentivado” à quebra do contrato.
Montantes das transferências podem baixar
Quais serão, pois, as consequências para o mercado de transferências? Luís Cassiano Neves admite que os montantes dos negócios “podem baixar”, uma ideia partilhada por José Manuel Meirim , pois os clubes vão querer salvaguardar-se tendo em conta a existência de “leis mais objetivas”.
Cassiano Neves acredita, no entanto, que estes novos dados vão levar “os clubes a proteger-se com cláusulas de rescisão mais altas e com maior fundamentação” para que não fiquem à mercê de eventuais rescisões e assim protegerem os investimentos avultados.
A revisão das normas por parte da FIFA parece assim uma inevitabilidade, até porque, segundo Cassiano Neves, “a ausência de regras da FIFA terá impacto negativo” na noção do mercado de transferências que vigora até ao momento, uma vez que ele passa a ser “regulado pelas leis de cada país”.