De Luis de la Quem? a Don Luis de la Cuarta. Como o selecionador levou a Espanha ao céu
Quando em dezembro de 2022 Luis Enrique deixou Espanha, depois de a equipa ter caído com estrondo nos oitavos-de-final do Mundial diante de Marrocos, muitos torceram o nariz à escolha da Real Federação Espanhola, ao promover Luis de La Fuente dos Sub-21 para a equipa principal. Poucos se aperceberam de que estava em marcha uma renovação e que o treinador basco, ex-jogador do Sevilha e Athletic Bilbao, era o homem certo - conhecia os jovens valores como ninguém, porque os treinou nos escalões mais baixos, e já tinha provas dadas, com as conquistas dos Europeus de Sub-19 (2015) e sub-21 (2019), além de uma Medalha de Prata Olímpica (2020).
Foi uma revolução silenciosa, que terminou domingo com a conquista do Campeonato da Europa, o quarto dos espanhóis, numa prova onde foram sempre superiores, deixando pelo caminho três ex-Campeões Europeus - Itália, Alemanha e França. Foi a melhor resposta aos que questionaram a escolha com comentários como “Luis de la Quem?”.
Como escreveu o jornal Marca, o selecionador foi o maior responsável pela grande campanha da Espanha neste Europeu. Montou uma equipa que funcionou “como um relógio suíço dentro e fora do campo”. A paz e a convivência na comitiva durante mês e meio foi tanta que “a Espanha não parecia uma concentração, mas antes um retiro de yoga”. Nem uma polémica num conjunto onde se misturaram a perfeição da juventude e irreverência de Lamine Yamal e Nico Williams, com a experiência de Morata, Rodri e Carvajal.
Filho de um marinheiro e de uma comercial, homem de família (tem três filhos e um casamento duradouro) e de fé, fã de Julio Iglesias, e com apetência especial para desenvolver novos talentos, De la Fuente está desde 2013 ao serviço da Federação Espanhola. Quando foi convidado para o cargo de selecionador nacional, rompeu com alguns vícios, sobretudo na hora de fazer as convocatórias, sem medo de apostar em jovens, e num sistema de jogo diferente.
O início não foi fácil e o treinador teve de lidar com um turbilhão de acontecimentos, logo à partida com o escândalo de Luis Rubiales, antigo presidente da Real Federação Espanhola que deixou o cargo após o polémico beijo não-consentido a Jennifer Hermoso na final do Mundial Feminino de 2013, que abriu profundas feridas no organismo. E também com críticas por ter deixado de fora alguns jogadores que, para a opinião pública, mereciam ser chamados.
Indiferente, trabalhou à sua maneira, sempre discreto. E um ano antes do Euro, em julho de 2023, deu a primeira grande prova do seu trabalho, com a conquista da Liga das Nações. Mas o teste de fogo era o Euro2024 e ainda reinava desconfiança.
Um novo modelo de jogo
Quando a 7 de junho anunciou a lista de convocados para o Europeu, ficou evidente a aposta nos jovens, muitos deles com quem já tinha trabalhado nos escalões mais baixos. E com uma grande novidade: sem receios, chamou Lamine Yamal, jovem do Barcelona de 16 anos, que viria a ser eleito o Melhor Jogador do torneio.
Depois foi o que se viu. Desde a fase de grupos que a Espanha mostrou o melhor futebol. Sem abandonar completamente os conceitos do famoso tiki taka, que privilegia a posse de bola, tornou a seleção espanhola uma máquina de futebol ofensivo, rápida, de pressão alta, a apostar nos ataques pelas alas e onde cada jogador sabia perfeitamente a sua função. Uma equipa onde Rodri (eleito o Melhor Jogador do Europeu) e Fabián Ruiz funcionavam como maestros, mas depois a velocidade nas alas, a criatividade e a responsabilidades das ações ofensivas entregues aos jovens Nico Williams e Lamine Yamal. Um onze onde também Dani Olmo (26 anos) esteve em destaque.
Tudo funcionou na perfeição e o final não poderia ser mais feliz. No jogo decisivo contra a Inglaterra, a Espanha venceu por 2-1, mais uma vez com o dedo de De la Fuente, que aos 68 minutos fez saltar do banco Oyarzabal, que viria a marcar o golo da vitória.
“Estou muito orgulhoso destes jogadores. Podemos continuar a crescer, sobretudo com um grupo de futebolistas como este, que não se cansa de melhorar, de competir, de ganhar. Sabíamos que vínhamos para ganhar, e conseguimos. Não sei se dava para ser melhor”, desabafou após a final.
“Sempre disse que a vida acaba por recompensar todos os que trabalham. Se se é honesto, trabalhador, honrado, a vida dá algo de volta. No futebol, é igual. Há muito trabalho por detrás deste sucesso, com muitos anos a trabalhar na federação e uma equipa técnica fantástica”, acrescentou.
O próximo objetivo é o Mundial2026, onde a Espanha vai entrar mais respeitada pelos adversários do que nunca. Tal como o selecionador, que passou definitiva- mente de Luis de la Quem? a Don Luis de la Cuarta, em alusão aos quatro títulos europeus da Espanha.
nuno.fernandes@dn.pt