Como os portugueses preparam a equipa estreante da Volta a Itália
Na véspera do início da 107.ª edição da Volta a Itália em Bicicleta o DN encontrou o português Ricardo Scheidecker, administrador Desportivo da Tudor Pro Cycling Team. Entusiasmado com a estreia da sua equipa numa prova do World Tour (a Liga dos Campeões do ciclismo), o português nascido em Moçambique tem no seu currículo a participação em 11 edições da Volta à França e noutros tantas da Volta à Itália, entre outras provas importantes do circuito mundial profissional. Apesar da experiência, Ricardo não esteve sempre ligado ao ciclismo, geriu eventos desportivos na empresa de João Lagos, entre os quais o Estoril Open, mas é o ciclismo que sempre o fez mover, literalmente: praticou a modalidade, trabalhou para a Federação Portuguesa e para a União Ciclista Internacional (UCI).
Nos últimos anos percorreu algumas das mais importantes equipas profissionais: Leopard Trek, Saxo Bank (depois Tinkoff Bank) e em 2016 a Quickstep - onde esteve durante seis anos com diretor do Departamento de Desporto, de Marketing e Comunicação e onde, sublinha, nos anos que “coincidiram com os melhores da equipa”.
E há um ano e meio aceitou o convite dos suíços da Tudor, equipa da 2.ª categoria do Ciclismo Mundial (a Pro Series) liderada pelo ex-Campeão Mundial e Olímpico e várias vezes camisola amarela em etapas do Tour de France, o também suíço Fabien Cancellara.
O objetivo da equipa é estar na categoria principal do ciclismo em breve, o World Tour. “No ano passado tínhamos 20 corredores e fizemos 170 dias de competição, este ano passámos para os 28 ciclistas e vamos fazer 230 dias de provas, o mesmo que as equipas do World Tour”, explica o português.
E se o objetivo para este Giro é ganhar etapas, para a próxima temporada há já o desejo de participar na Volta à França. “Acredito que vamos estar prontos para estar no Tour em 2025, mas ainda depende daquilo que fizermos este ano - até agora as coisas estão a correr muito bem, mas se não conseguirmos tentaremos em 2026. O projeto desta equipa é a longo prazo”, sublinha.
E apesar de o Giro ser considerado por muitos a segunda prova mais importante, Ricardo confirma a diferença que ainda existe face ao Tour francês: “O Giro é uma corrida enorme, tem uma projeção enorme, mas o Tour é gigante e, apesar de haver uma pressão enorme para equipas na prova francesa, traz uma visibilidade e chega a sítios onde infelizmente, outras corridas de grande importância não chegam.”
Para esta edição do Giro (que hoje percorre a 5.ª etapa entre as cidades de Génova e Lucca, numa distância de 178km) há expectativas, ou melhor, uma atitude clara. “No ano passado ganhámos 11 corridas, o que foi bastante bom. Este ano já ganhámos quatro, em provas mais importantes, por isso vamos tentar fazer um bom Giro. Não nos sentimos menores do que ninguém, tenho muita confiança na equipa, nos meus colegas, diretores e treinadores e na condição em que os corredores se apresentam. Temos de correr com caráter e com união, porque se formos unidos conseguimos ser fortes. Este é um trabalho para gente corajosa, como é corajoso um piloto de Fórmula 1 ou de MotoGP, modalidades desportivas onde se arrisca a vida!”
Do Benfica à Tudor
Outro dos portugueses da equipa da Tudor é o mecânico Luís Gomes, de 47 anos, que desde 1999 está ligado ao ciclismo profissional.
“Como mecânico comecei no Benfica e antes tinha sido ciclista”, explica, acrescentando que, quando não está em viagem com a equipa, vive em França. Depois de o Benfica ter fechado a modalidade, passou por várias equipas estrangeiras, como a Saxo Bank e a Tinkoff, onde trabalhou com Ricardo Scheidecker. Aliás, foi pela mão do agora diretor da Tudor que integrou a equipa suíça. “Conhecemo-nos desde os 12 anos, corremos juntos e convidou-me para a Tudor que tem uma filosofia de que gosto, a de entreajuda.”
Com a experiência de várias voltas à França e à Itália, Luís Gomes mantém a coerência do discurso de toda a equipa: tentar vencer uma etapa ou mais. “Temos aqui na equipa um mix interessante - pessoas com muita experiência e outras com menos. Vamos ver como corre, se não vencermos não será um desastre.”
Com duas décadas a “tratar” de bicicletas no dia a dia, tem visto a tecnologia tomar conta da mecânica. “Sobretudo desde o surgimento das mudanças eletrónicas e com os travões de disco, temos de trabalhar muito com o computador. Além disso, o quadro em carbono e a evolução dos pneus mudou tudo. Hoje em dia as bicicletas são muito mais rápidas do que há 20 anos, é uma evolução constante”, revela. Ao DN mostrou, dentro do camião de apoio mecânico, onde trata das bicicletas, os protótipos de 2025 com as quais já trabalham: “Temos de estar sempre atualizados. É um trabalho bastante interessante.”
Outro dos portugueses da equipa de mecânica é Hugo Vasconcelos. E também foi ciclista. Correu até aos 23 anos, mas um problema de saúde fê-lo abandonar a carreira profissional. Desde então manteve a ligação ao desporto.
Logo depois de abandonar as corridas, recebeu um convite para ser massagista, mas as voltas da vida do ciclismo levaram-no para a mecânica . Passou por variadíssimas equipas em Portugal, como o Boavista, por exemplo, depois seguiu uma carreira como freelancer em várias equipas nacionais. No ano passado decidiu tentar a sorte fora do país. “Tive esta oferta e, tendo em conta o custo de vida em Portugal, resolvi aceitar”, justifica.
Tal como muitos dos elementos da equipa, esta é a sua estreia numa grande volta e diz notar a diferença, pois “o grau de exigência é muito maior”. “Nunca queremos falhar - qualquer que seja a dimensão da equipa é o nosso nome que está em jogo”, assume.
Para Hugo Vasconcelos, o melhor que pode acontecer à equipa é ganhar etapas em Itália, para superar as preocupações do dia a dia, para que nada falhe. “Se conseguirmos uma vitória neste primeiro Giro será ouro sobre azul, mas se todos os ciclistas conseguirem terminar será ótimo, porque esta prova é duríssima”, argumenta.
Até à última etapa, que termina em Roma, ainda faltam percorrer a maioria dos 3400 quilómetros da prova, e os portugueses estarão lá, todos os dias, a trabalhar nos bastidores dos campeões das bicicletas.
Filipe Gil, em Turim