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Desporto
21 março 2021 às 00h34

Carvalhal vs. Jesus. O sociável e o professor num duelo a pensar na Champions

José Pedro, adjunto de Silas e autor do primeiro golo nos confrontos entre os técnicos de Sp. Braga e Benfica, considera-os os melhores que teve na carreira e antevê um confronto equilibrado, onde os "encarnados" têm mais a perder por partirem em desvantagem

Este domingo (20.00, Sport TV1), Carlos Carvalhal e Jorge Jesus voltam a encontrar-se esta temporada pela terceira vez - num embate que terá um novo e último episódio a 23 de maio, na final da Taça de Portugal - para um Sp. Braga-Benfica que promete ser escaldante. As duas equipas estão separadas, às 23ª jornada, por dois pontos e quem não conseguir a vitória na partida da Pedreira pode ficar com a vida complicada - se o título já parece uma miragem, até porque ainda há o FC Porto à frente na corrida por encurtar distâncias para o líder Sporting - ainda há duas vagas que podem dar acesso à Liga dos Campeões do próximo ano.

Nas partidas já disputadas este ano, o técnico bracarense, tanto de nascimento como de clube que representa, levou a melhor nas duas ocasiões: venceu na Luz na primeira volta da Liga, por 3-2, e repetiu a proeza nas meias-finais da Taça da Liga, por 2-1, dando sequência a uma época verdadeiramente excecional para o emblema minhoto. Curiosamente, antes desta época, nunca Carvalhal tinha levado a melhor sobre Jorge Jesus em oito jogos, saindo inclusivamente duas vezes goleado do duelo com o colega amadorense: uma ao serviço do Vitória FC, de Setúbal (na primeira volta dessa época, tinha conseguido empatar graças a um autogolo de... Rúben Amorim), outra quando estava no Sporting, num embate da Taça da Liga em que os leões jogaram praticamente toda a partida com menos um elemento, devido à expulsão madrugadora de João Pereira.

Com 11 anos de diferença de idades, Carvalhal e Jesus iniciaram a carreira de técnico praticamente com a mesma distância etária - eles que foram jogadores de plano médio, com episódios breves pelos grandes FC Porto (Carvalhal) e Sporting (Jesus). Acabariam por partilhar a passagem por vários clubes (Vitória FC, Belenenses, Sp. Braga e Sporting) mas só se encontraram pela primeira vez a 2 de dezembro de 2006, o minhoto ao serviço do Beira-Mar, o amadorense pelos azuis do Restelo. Levou então a melhor Jorge Jesus, com um triunfo por 2-1.

Nesse jogo em Aveiro, o primeiro golo do Belenenses teve a autoria de José Pedro. E, apesar de já terem passado quase 15 anos, o médio natural do Montijo recorda-se "perfeitamente" do lance: "O Beira-Mar ganhou a bola e tentou sair em condução. O Silas ganhou o lance e eu envolvi-me na jogada, a bola ressaltou e ficou no meu pé. Transportei-a em direção à grande área, não me apareceu nenhum opositor e rematei rasteiro de fora da área, com o pé esquerdo, e a bola a entrou junto do poste. Foi um golo que ficou marcado na minha memória". E, em tempos onde quase tudo está disponível no YouTube, é possível confirmar a exatidão da memória do atual adjunto de Jorge Silas.

A conversa com o Diário de Notícias não surge, todavia, apenas por causa desse golo: José Pedro foi ainda treinado pelos dois técnicos, que aliás qualifica como os dois melhores que teve ao longo de uma carreira iniciada, a nível sénior, no clube da sua terra natal (apesar de ter passado parte do processo de formação no Benfica) e que passou pelo Barreirense antes de despertar a atenção do Boavista. E é então que começa a sua relação com Carvalhal e Jesus, de uma forma bastante curiosa.

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"Estava no Boavista, que me queria emprestar, e lembro-me que na altura houve eleições no Vitória de Setúbal e o Jesus era o treinador da direção que tinha vencido. Ele ligou-me a dizer que sabia que o Boavista me queria emprestar, que ia ser o próximo treinador do Vitória e que gostava de contar comigo e saber da minha disponibilidade. Como sou aqui do sul, o Vitória era um dos grandes clubes a nível nacional e ia lutar por subir à I Liga e eu disse-lhe 'mister, tudo bem'. Entretanto, acerto tudo para o empréstimo com o Quinito, que na altura era o diretor desportivo do Vitória, mas quando chego lá, houve novas eleições porque tinha havido uma confusão nas anteriores, e o novo presidente, o Chumbita Nunes, tinha o Carvalhal para treinador. Ou seja, sou contratado a pedido do Jesus e faço a época com o Carvalhal", conta José Pedro, que talvez por causa disso não teve um arranque fácil no Bonfim: "Como não era opção dele, não joguei os dois primeiros jogos e aquilo começou a fazer-me um bocado de impressão. Como estava emprestado, precisava de jogar e fui falar com o Quinito e disse-lhe 'mister (também o tratava assim), sei que fui contratado pelo Jesus mas se saí do Boavista é para jogar, se não não vale a pena, fale lá com a direção do Boavista e eu ou volto para lá ou vou para outro sítio onde jogue. 'Ai meu querido, tem calma', aquelas coisas do Quinito (risos). O certo é que na semana seguinte joguei e a partir da nona jornada passo a ser titular e acabo por ser uma das peças influentes, fiz oito golos e algumas assistências e foi uma época muito positiva para mim."

Na época seguinte, Carvalhal rumou ao Belenenses e fez questão de levar José Pedro. "Eu tinha 25 anos e foi o primeiro treinador que tive, sem qualquer desprimor para os outros, que me ensinou alguma coisa de futebol. Acho que hoje em dia é um treinador bastante melhor, mas já na altura era um técnico com quem se aprendia alguma coisa. Era um treinador sociável, interativo, já com ideias avançadas para a época. Embora agora não mantenha um contacto regular com ele, os desempenhos por onde tem passado mostram isso", diz o técnico, que tem acompanhado como adjunto o ex-colega Silas, acrescentando: "Fiz época e meia com ele no Belenenses, depois vem o Couceiro, e na temporada seguinte o Jesus. Tínhamos descido mas acabámos por ficar na I Liga por causa do caso Mateus. São treinadores completamente diferentes mas Jesus, Carvalhal e Couceiro, por esta ordem, foram os melhores técnicos que apanhei na carreira".

Sobre o atual técnico do Benfica, José Pedro salienta que provocou uma "mudança abismal": "Já ouvi o Silas dizer em várias entrevistas que ele não é só um treinador, é um professor. E é um bocado isso. Nem precisa que lhe façam perguntas, ele acaba por o fazer de forma normal, pela exigência que põe em todos os momentos do jogo. Com o Carvalhal aprendi o que era a pressão com objetivos, como, quando e onde se devia fazer, como a equipa se deve posicionar em função do primeiro jogador que faz a pressão... Com o Jesus, aprendi tudo o resto. Bola parada, penáltis, bola corrida, ataque organizado, transição defensiva e ofensiva, era tudo trabalhado com lógica e ao pormenor."

Para a partida de hoje, José Pedro considera que o Benfica tem mais a perder que o seu oponente no "caso de não vencer": "O Sp. Braga joga em casa, mesmo que empate mantém o avanço de dois pontos e vantagem no confronto direto. Mas o Benfica está no melhor momento, depois de tudo o que passou e que foi dito pelo mister Jorge Jesus após ter sido criticado pelas prestações da equipa e em virtude do investimento feito. Agora com este tempo de preparação e os jogadores todos de certeza que vai estar mais forte. De qualquer forma, o Sp. Braga também está muito bem, tem um plantel riquíssimo e qualidade e prevejo um jogo equilibrado."

De resto, o técnico não antevê grandes surpresas sobretudo do lado de Jorge Jesus, que costuma guardar algumas alterações inesperadas para este tipo de jogos. "Não acredito muito que mudem muito no que é a identidade das suas equipas. O Benfica irá manter o 4x4x2 tradicional, com a possibilidade de o Weigl vir fazer uma linha de três se tiver dificuldades na construção, para sair de forma mais segura, mas não penso que o Jesus vá fazer grandes alterações em relação aos últimos jogos. Pela parte do Sp. Braga, creio que a ideia de jogo vai manter-se a mesma. A única coisa que pode mudar é fazerem uma ou outra dinâmica de forma diferente", finaliza José Pedro, que depois da experiência menos feliz em Famalicão vai manter-se à espera de nova oportunidade para continuar a sua parceria com Silas, em Portugal ou no estrangeiro.

dnot@dn.pt