Alemanha vs. Hungria. O milagre de Berna faz 70 anos

Alemanha vs. Hungria. O milagre de Berna faz 70 anos

As duas seleções defrontam-se hoje no Grupo A do Euro 2024. Em 1954, no Mundial disputado na Suíça, disputaram uma das finais mais memoráveis do torneio, que acabou com a vitória dos germânicos, contra todas as previsões.
Publicado a
Atualizado a

Quando a Alemanha e a Hungria entrarem hoje em campo na Rhein Energie, em Colónia (17h00), para se defrontarem na segunda jornada do Grupo A, poucos se lembrarão que estas duas seleções foram protagonistas de uma das finais mais emocionantes de Mundiais de futebol precisamente há 70 anos, um jogo que ficou conhecido como o “milagre de Berna”.

Hoje a Alemanha é uma das maiores potências do futebol mundial, enquanto os magiares há muito que perderam esse estatuto. Mas no Campeonato do Mundo de 1954 os papéis estavam literalmente invertidos, com a formação húngara a ser apontada como a grande favorita a triunfar na competição, organizada pela Suíça, embalada por craques como Puskás, Kocsis, Hidegkuti e Czibor, os “Quatro Cavaleiros do Apocalipse”.

A Hungria da década de 50 ficou para a história como a seleção que revolucionou o futebol, pois até então todas as equipas jogavam numa tática igual, o WM, e o selecionador, Gusztav Sebes, inovou ao inverter o M e ao adotar o esquema que ficou conhecido como WW, que no futuro daria lugar ao 4x2x4.
Campeões olímpicos em 1952, os húngaros chegaram ao Mundial de 1954 de peito cheio, até porque um ano antes se tinham tornado na primeira seleção europeia a vencer fora a Inglaterra, em Wembley, e por números expressivos, 3-6. E assim foi. Na Suíça, a fase de grupos foi um autêntico passeio, com um 9-0 à Coreia do Sul e um 8-3 à Alemanha.

Nos quartos de final, no jogo que ficou eternizado como a “batalha de Berna”, os magiares despacharam o Brasil de Julinho, Didi e Pinga por 4-2. E nas meias-finais aplicaram idêntico resultado ao campeão mundial, Uruguai.

Na final o adversário foi a Alemanha, equipa a quem 14 dias antes tinham aplicado uma goleada histórica. E por isso ninguém acreditava que o troféu lhes fugisse - estavam imbatíveis há 32 jogos e nos últimos seis anos tinham perdido apenas um jogo.

Só que o futebol também é, por vezes, uma caixinha de surpresas. E naquele dia 4 de julho de 1954 o marcador terminou com um 3-2 a favor dos germânicos, com o golo decisivo apontado a poucos minutos do final, que permitiu à Alemanha, capitaneada por Fritz Walter, levantar a sua primeira taça de campeã do Mundo. Isto num jogo onde os germânicos chegaram a estar a perder por 2-0.

As imagens no final diziam tudo. Toda a Alemanha Ocidental festejou efusivamente, enquanto em Budapeste o legado comunista que tanto utilizou a seleção como símbolo do regime sentiu-se envergonhado e impedido de fazer mais propaganda à custa de Puskás e companhia.

Na altura foram traçados muitos cenários para explicar a surpreendente conquista. Muitos lembraram que os germânicos souberam fazer uma gestão inteligente. No jogo em que a Hungria lhes aplicou um 8-3 pouparam cinco titulares e, além disso, ainda deixaram o craque Puskás meio tocado. Mas a principal justificação pode estar na meteorologia. A final foi jogada debaixo de uma chuva intensa, num relvado muito maltratado, que prejudicou a equipa mais talentosa, prevalecendo a força e robustez dos jogadores alemães.
Há também quem defensa que um dos segredos aconteceu ao intervalo, quando Adi Dassler, fundador da Adidas, trocou os pitons das chuteiras dos jogadores alemães, que assim escorregaram menos. Mitos ou não, tudo serviu para tentar justificar a derrota surpreendente da equipa magiar.

Um relato para a história

A Alemanha Ocidental pôs fim à série de 30 jogos de invencibilidade da Hungria. O último revés dos magiares tinha acontecido num 3-5 diante da Áustria, em Viena, em 1950. A série húngara continuou recorde mundial, até Diego Simeone, Fernando Redondo e Gabriel Batistuta ajudarem a Argentina a passar 31 jogos sem perder entre a final do Mundial de 1990 e uma derrota com a Colômbia em 1993.

O “milagre de Berna” ficou ainda para a história devido ao relato radiofónico do alemão Herbert Zimmermann, que fez uma pausa de oito segundos (!) no golo da vitória dos germânicos. Depois de assimilar o que tinha realmente acontecido, lá gritou: “Golo da Alemanha! A Alemanha vence por 3-2. Podem chamar-me louco, podem chamar-me maluco!” A revista alemã Kicker, o desportivo italiano Gazzetta dello Sport e o britânico The Guardian classificaram a narração como uma das mais emblemáticas da história do futebol.

Para uma Alemanha que ainda sarava as feridas do nazismo e de uma derrota dolorosa na II Guerra Mundial, com o país dividido e a moral de um povo em baixo, este triunfo teve um efeito catalisador. “De repente a Alemanha voltou a ser alguém. Para quem cresceu na miséria dos anos do pós-guerra, Berna foi uma inspiração extraordinária. O país inteiro recuperou a sua autoestima”, lembrou Franz Beckenbauer há uns anos, ele que à data era uma criança.

nuno.fernandes@dn.pt

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt