Academia e escola islâmica no reerguer do Cadete do Sporting

Avançado fez história de leão ao peito, em Alvalade e Glasgow, onde ainda hoje é idolatrado. Fim da carreira deu início a um descalabro financeiro do qual está a recuperar agora
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O fim da carreira de Jorge Cadete "foi um processo lento e difícil", por culpa de uma lesão na perna. "Fui operado e o Benfica não quis renovar. Fiquei sem clube e sem treinar durante quase 18 meses. Entretanto apareceu um convite da Escócia, para ajudar um clube da II Divisão [Raith Rovers], mas assim que o Partick Thistle soube da minha presença lá quase me raptou. Assinei contrato de um mês à experiência e ainda participei em alguns jogos, mas como nunca consegui recuperar a 100% resolvi parar", recordou ao DN o ex-leão, que depois ainda tentou jogar dois ou três jogos pelo Pinhalnovense. No entanto, os tendões de Aquiles foram "um obstáculo inultrapassável", e assim, sem brilho, chegou ao fim uma carreira de mais de 20 anos e quase 150 golos, com passagens por Sporting, Celtic, Celta de Vigo ou Benfica.

O avançado tentou seguir ligado ao futebol e dedicou-se à Cadete Sport Academia, que tinha fundado em 2005. "Fazia de tudo um pouco: treinava, marcava o campo, lavava os equipamentos, ia buscar os miúdos... Tudo o que tinha investia na escola, nunca fechei a porta a um miúdo carenciado, mas os parceiros financeiros não apareceram e eu tinha cada vez menos dinheiro para investir, devido a uma série de maus investimentos extrafutebol, e tive de fechar", contou ao DN. Hoje, está "feliz" por poder finalmente anunciar que pagou tudo o que devia e está "a dias" de anunciar o regresso da Cadete Sport Academia, numa parceria com a Junta de Freguesia das Avenidas Novas (Lisboa) e a empresa do amigo Vítor, a Sideline Events.

Longe dos tempos em que chocou o país, quando deu uma entrevista à SIC, em 2013, onde admitia ter vivido três anos com ajuda do rendimento social de inserção e ter regressado a casa dos pais devido a dificuldades financeiras - depois de ter vendido máquinas de café e produtos químicos para sobreviver -, o antigo internacional português prefere, agora, olhar para isso como lição de vida: "Voltar a casa dos meus pais permitiu-me viver os últimos anos da vida do meu pai junto dele e poder voltar a estudar. Licenciei-me em treino Desportivo na Escola Superior de Desporto de Rio Maior."

Cadete não esconde que atravessou "um momento complicado" e só o ultrapassou com a ajuda de um projeto pessoal. "Andei um ano e meio a reconstruir a casa do meu bisavô sozinho. Carregava tijolos e baldes de cimento, para cima e para baixo, desde as 08.00 até às 16.30. Depois tomava banho e ia para a universidade, regressava à meia-noite e ficava a estudar até às 02.00. Chegava ao fim do dia e não dobrava os braços com as tendinites, quase não aguentava com as dores, mas não desisti... Foi assim até me mudar para lá. Agora quem lá vai pergunta como consegui reconstruir uma casa sozinho. Esse foi o meu renascimento."

Em 2014 desempenhou o papel de provedor do adepto na Liga de Clubes, a convite de Mário Figueiredo, mas o posto foi extinto com a chegada de Luís Duque. Depois, ainda foi diretor desportivo do Almeirim. E há dois anos surgiu o convite para fazer uma equipa no colégio islâmico de Palmela (International School of Palmela), mas, na segunda reunião "já era fazer uma equipa e dar aulas de futebol". Agora acumula o cargo de professor com o de treinador de uma equipa de futebol de 7, sub-13, a primeira equipa islâmica ao nível federado em Portugal.

Uma birra e uma canção

Aos 15 anos, Jorge Cadete deixou a Académica de Santarém e mudou--se para Alvalade. Literalmente. "Fui um filho do estádio, vivi três anos no centro de estágio, debaixo das bancadas do antigo José Alvalade. Fui o primeiro da minha geração a chegar à equipa principal e fui o primeiro formado no clube a ser o melhor marcador do campeonato [18 golos, 1992-93]... e sem penáltis", recordou orgulhoso, antes de contar "a birra" que o ajudaria nessa missão. "Num jogo com o Boavista estávamos a ganhar por dois ou três e eu já tinha marcado um golo, quando o árbitro marcou um penálti. Peguei na bola e vejo o Bobby Robson saltar do banco, a gesticular e a dizer, "não, não, Balakov, Balakov..." Dei a bola ao Balakov e ele marcou. No final do jogo, o Robson veio falar comigo e disse: "Na quarta-feira, se houver penálti marcas tu." Eu, que já sabia que o Balakov ia para a seleção, disse: "Não, enquanto tu cá estiveres eu não marco mais penáltis." Ele riu-se e apertou-me a mão." No Celtic também teve "uma birra parecida com o Di Canio".

Na Escócia, apesar dos 15 penáltis que não marcou, fez 33 golos em 41 jogos e acabou por ser "o primeiro português a ser o melhor marcador fora do país". Um feito que levou a que a passagem pelo Celtic Park fosse memorável: "No jogo de estreia saltei do banco, marquei um golo e ganhámos 5-0. Dois dias depois, antes do treino, fui chamado a um gabinete, onde me mostraram um fax, e pensei: "Queres ver que há algum problema com o contrato." Não, era a letra de uma música com o meu nome - Cadete in Wonderland."

O destino levaria, depois, o avançado a Vigo, onde o Benfica o foi "raptar" na época 1998-99. Cadete queria regressar e ainda andou "a engonhar" uns três ou quatro meses, a ver se os leões se decidiam avançar, "até que Vale e Azevedo pegou num jato" e o foi buscar. E, por mais que ele explique que foi o Sporting que não o quis, há quem não lhe perdoe ter assinado pelo rival: "Mas, na rua, e mesmo para os benfiquistas, nunca deixei de ser o Cadete do Sporting."

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