Desporto
01 maio 2021 às 23h10

A vida de treinador. Sete campeões em Portugal estão sem clube

Mourinho foi o último a juntar-se a uma extensa lista de nomes de luxo, que além dos campeões em Portugal conta ainda com Leonardo Jardim, Marco Silva, Carlos Queiroz, entre outros. José Pereira, presidente da Associação Nacional de treinadores não vê razões para alarme. Inácio explica porque está sem treinar desde o ano passado.

André Cruz Martins

Augusto Inácio, campeão nacional pelo Sporting em 1999/2000. Jaime Pacheco, vencedor da I Liga na época seguinte, ao serviço do Boavista. José Mourinho, campeão em 2002/03 e 2003/04 pelo FC Porto. André Villas-Boas em 2010/11, igualmente pelos dragões, tal como Vítor Pereira, em 2011/12 e 2012/13. Rui Vitória, campeão em 2015/16, 2016/17 e 2018/19 pelo Benfica, sendo que nesta última temporada a maior fatia de mérito terá de ser atribuída a Bruno Lage. O que têm em comum estes sete nomes, para além de terem levado as suas equipas à conquista da principal competição do futebol português? O facto de neste momento estarem sem clube.

José Mourinho tem colecionado insucessos nos últimos anos e no dia 19 foi despedido pela quarta vez na carreira, sempre por clubes ingleses. Depois de Chelsea (duas ocaisões) e Manchester United, desta vez foi o Tottenham, clube que deixou na sexta posição da Premier League, a 24 pontos do líder Manchester City. De acordo com a imprensa britânica, os spurs vão pagar ao Special On uma indemnização no valor de 15 milhões de libras (cerca de 17,3 milhões de euros). O técnico português com mais troféus conquistados a alto nível (25) amealha assim um total de cerca de 74 milhões de euros com estas quatro rescisões milionárias. E claro, já se fazem apostas para saber qual será a sua próxima aventura profissional.

Para já o técnico já arranjou trabalho, mas fora dos relvados. Assinou contratos milionários com a rádio inglesa TalkSport e com o tablóide inglês The Sun, onde terá uma coluna dedicada ao Campeonato da Europa

"Como homem do futebol, olho sempre para o futebol. Estou ansioso por isto, penso que será algo novo e incrível. Sou totalmente absorvido por futebol. Se fico uma semana sem trabalhar, começo logo a sentir saudades", disse.

André Villas-Boas abandonou o Marselha em fevereiro deste ano, em confronto com a política de aquisições do clube. A contratação ao Celtic do médio Olivier Ntcham (jogador que por diversas vezes tinha sido colocado na órbita do FC Porto) foi a gota de água. "Apresentei a minha demissão por não concordar com a política desportiva. Ntcham é um jogador que não estava na nossa lista. O meu profissionalismo foi atingido e isso é algo que não posso aceitar", referiu como motivo para o seu pedido de demissão. E garantiu ainda: "Não quero nada do Marselha. Não quero dinheiro e só quero ir-me embora".

Sem clube, vai dedicar-se agora a outra das suas grandes paixões, os automóveis. E na sexta-feira soube-se que vai participar no Rali de Portugal, entre 20 e 23 de maio, ao volante de um Citroen C3.

Já Vítor Pereira treinava os chineses do Shanghai SIPG, de onde saiu em dezembro de 2020. "Decidi regressar à Europa para estar mais perto da minha família, principalmente depois do início da pandemia, em que estive muitos meses sem os ver. Chegou o momento de treinar numa das cinco grandes ligas europeias", afirmou na altura.

Também em dezembro do ano passado, Rui Vitória deixou os sauditas do Al-Nassr, experiência que durou praticamente dois anos e que teve como ponto alto a conquista do campeonato, na época de estreia. Já Bruno Lage não voltou a treinar desde que foi demitido do Benfica, em julho do ano passado. Após ano de sonho nas águias, com magníficos resultados - a segunda metade de 2018/19, que valeu a conquista do título e a primeira metade de 2019/20 -, a equipa caiu abruptamente de rendimento e deixou escapar o título para o FC Porto, depois de ter tido uma vantagem de sete pontos. O nome de Lage tem sido referido com alguma insistência como possível substituto de Nuno Espírito Santo no Wolverhampton, caso este saia no final da época.

Jaime Pacheco foi despedido dos egípcios do Zamalek há cerca de mês e meio. Até liderava o campeonato local, mas os maus resultados na Liga dos Campeões africanos ditaram o afastamento. Ele que, recorde-se, teve como um dos maiores feitos ter sido campeão pelo Boavista em 2000/01, quebrando a hegemonia dos três grandes.

Quanto a Augusto Inácio, foi demitido dos brasileiros ao Avaí em fevereiro de 2020, escassos dois meses depois de ter chegado. Em declarações ao DN, revelou as razões que o mantêm afastado dos bancos. "Há algum tempo, recebi três ou quatro convites, mas devido à covid-19 não aceitei qualquer deles, até para não estar afastado da família. Mais recentemente, recebi outro convite, que não achei aliciante", contou. No entanto, espera muito em breve voltar ao ativo. "Já estou com saudades... Em Portugal ou no estrangeiro? Não tenho preferência, só desejo é que apareça um bom projeto", confessou.

Augusto Inácio não fecha a porta a exercer outras funções, à semelhança do que sucedeu no Sporting, onde foi diretor-geral do futebol em dois períodos distintos, ambos na presidência de Bruno de Carvalho. "Felizmente estou à vontade não só como treinador, mas para exercer ocupar outro tipo de lugar. Vamos ver se em breve aparece algo aliciante que me faça regressar ao futebol...", diz.

Para além destes sete nomes, existem mais treinadores portugueses de primeiro plano que não se encontram a exercer, como por exemplo Marco Silva, Leonardo Jardim - ambos sem treinar desde dezembro de 2019, depois de terem sido demitidos do Mónaco e do Watford, respetivamente -, Carlos Queiroz (abandonou a seleção colombiana em dezembro do ano passado) e Pedro Caixinha, despedido dos sauditas do do Al Shabab em janeiro, ao fim de apenas cinco meses de trabalho.

José Pereira, presidente da Associação Nacional de Treinadores de Futebol (ANTF), reconhece que "é uma situação rara ter muitos treinadores portugueses com grande estatuto sem clube". No entanto, tem a certeza de que "tal se deve essencialmente a uma grande ponderação que os leva a ter bastante cuidado a aceitarem um novo projeto, até porque estão em condições de aceitar apenas algo que vá de encontro às suas expetativas".

Por outro lado, lembra o crescente número de técnicos portugueses a exercer. "O mercado é muito competitivo e têm aparecido cada vez mais treinadores. Neste momento, estamos numa fase em que muitos clubes apostam em jovens e bastantes treinadores acabam por ficar sem trabalho, à semelhança do que acontece noutras profissões com muita procura", sublinha. O presidente da ANTF lembra ainda que "os treinadores em início de carreira são passíveis de serem contratados em moldes mais económicos por parte dos clubes, o que também pode pesar".

O DN questionou José Pereira se acredita no regresso a breve prazo de José Mourinho ao futebol português. "Enquanto presidente da Associação Nacional de Treinadores, não me compete pronunciar sobre essa questão, mas posso dizer que não acredito nessa possibilidade tão cedo. José Mourinho tem a vida familiar estabilizada no estrangeiro e não é qualquer clube que consegue chegar às suas pretensões financeiras. Mas obviamente que todos os treinadores que engrandeçam o nosso futebol são muito bem-vindos de volta", realça.

José Pereira chama ainda a atenção para o facto de esta profissão continuar a ser muito volátil. "Continuo a não acreditar quando ouço falar em projetos. Isso não acontece no futebol e tudo se resume a ter ou não ter bons resultados. Algo que é válido não só em Portugal, como em qualquer campeonato estrangeiro", refere.

Este responsável destaca, contudo, a grande qualidade dos profissionais portugueses. "O treinador português tem uma qualidade indiscutível e continua a demonstrar a sua competência nos mais variados pontos do globo. Por um lado, conhece muito bem o jogo e tem à sua disposição uma boa formação, com metodologia de treino avançada e colegas que estudam o fenómeno com profundidade. Por outro lado, demonstra grande capacidade de liderança, mas uma liderança que não é musculada", garante. E sublinha ainda "a grande criatividade, que se nota nos exercícios de treino adequados para o que pretende colocar em prática no jogo".