35 anos depois, os três grandes arrancam com os mesmos treinadores da época anterior
Ainda a época 2020-21 está a dar os últimos suspiros, com Europeu e Copa América última semana e já a temporada 2021-22 dá os primeiros passos. A Liga dos Campeões já arrancou para as equipas dos países com pior ranking UEFA e, por toda a Europa, já se fazem os primeiros jogos de preparação. Em Portugal, os centros de estágio também já vão carburando, embora a conta-gotas: entre férias, quarentenas e jogadores ainda ao serviço das respetivas seleções.
Ainda assim, há um facto que já se tornou relevante: os três primeiros classificados da última Liga vão arrancar para o novo ano com os mesmos treinadores que começaram 2020-21. Rúben Amorim, que conduziu o Sporting ao título de campeão nacional e venceu a Taça da Liga, mantém-se naturalmente à frente dos leões; Sérgio Conceição, que esteve com um pé em Itália, acabou por ficar no Dragão depois de (mais) uma temporada dura em que levou o FC Porto longe na Champions e venceu a Supertaça; e Jorge Jesus continua no Benfica apesar do desastre de uma época onde falhou todos os objetivos - o elevado investimento e a confiança da direção no seu trabalho, além do argumento covid, facilitaram a continuidade. Se a isto se juntar o facto de o Sp. Braga, quarto classificado e vencedor da Taça, também ter deixado a equipa nas mãos de Carlos Carvalhal, temos de facto uma situação rara.
Aliás, se tivermos em conta as cinco ligas de topo, apenas a Premier League consegue igualar Portugal: Manchester City, Manchester United e Liverpool continuam entregues a Pep Guardiola, Ole Gunnar Solsjkaer e Jürgen Klopp. Em Itália, o campeão Inter trocou Antonio Conte por Simone Inzaghi; em França, Christophe Galtier abandonou o Lille que levou ao título e ainda não tem substituto; na Alemanha, os quatro primeiros da última Bundesliga trocaram todos de técnico; e, em Espanha, Zinédine Zidane deixou o Real Madrid, que optou pelo regresso de Carlo Ancelotti.
Para encontrar situação igual na Liga portuguesa é preciso recuar 35 anos. Em 1985-86, John Mortimore (Benfica), Artur Jorge (FC Porto) e Manuel José (Sporting) iniciaram e conseguiram resistir até final da época: o inglês levantou a Taça de Portugal e o antigo selecionador conquistou o título, enquanto o técnico algarvio, mesmo sem troféus, conseguiu uma boa temporada, terminando em terceiro a apenas três pontos do campeão (que ajudou a conquistar o título ao vencer na Luz por 2-1 na penúltima jornada, desforrando-se assim da goleada de 0-5 na Taça) e com uma campanha europeia razoável (afastado nos quartos da Taça UEFA pelos alemães do Colónia). Assim, em 1986-87, os três mantiveram-se no cargo, embora Manuel José não tenha chegado ao fim: apesar de ter sido o ano dos famosos 7-1, acabou despedido pouco mais de um mês depois. Já Mortimore e Artur Jorge foram mais felizes: o primeiro conquistou a dobradinha e o segundo levou o FC Porto ao seu primeiro título europeu, em Viena.
Pelo meio, a situação podia ter-se repetido duas vezes: entre 2006-07 e 2007-08 apenas a entrada tardia de Jesualdo Ferreira no FC Porto (o holandês Co Adriaanse tinha sido despedido na pré-temporada e acabou por ser Rui Barros a orientar a equipa na Supertaça) impediu que, formalmente, os três tivessem começado duas épocas com os mesmos técnicos (mesmo que Fernando Santos tenha sido despedido do Benfica ao fim de uma jornada na segunda delas, ao contrário de Paulo Bento que ainda seguiu mais época e meia no Sporting).
Antes disso, entre 1994-95 e 1995-96, Artur Jorge (Benfica), Carlos Queiroz (Sporting) e Bobby Robson (FC Porto) também podiam estar na lista, não fosse o técnico inglês ter sido obrigado a falhar a entrada na segunda dessas épocas devido a um problema oncológico, ficando os dragões entregues a Augusto Inácio e José Mourinho durante a sua ausência, que durou até à 10ª jornada.
Para se entender a raridade do fenómeno, e recuando até ao ano em que a I Liga arrancou (1934-35), assinale-se que antes do período 85-87 é preciso ir até ao início da década de 70 do século passado para se encontrar outro caso. Em 1970-71, Jimmy Hagan (Benfica), António Teixeira (FC Porto) e Fernando Vaz (Sporting) conseguiram "sobreviver" e iniciaram 1971-72 nos mesmos clubes, embora só primeiro tenha aguentado até ao fim (e continuaria por mais uma época e mais três jornadas de 1973-74, graças à dobradinha que conquistou. Meio século, portanto...
Os restantes casos encontram-se nos primórdios da competição que vai agora para a sua 88ª edição, com duas situações em que os três grandes arrancaram com os mesmos técnicos três temporadas seguidas, isto numa altura em que o papel do treinador não assumia a importância que tem hoje. Entre 1939-40 e 1941-42, os húngaros János Biri (Benfica), Mihaly Siska (FC Porto) e József Szabó (Sporting) cumpriram esse destino comum, enquanto nas três temporadas seguintes o compatriota Lipo Hreczka substituiu Siska nos dragões (e Szabó não tenha chegado ao fim de 1944-45 nos leões). Hreczka aliás, tinha estado na primeira série de dois anos (entre 1937-38 e 38-39), mas ao serviço do Benfica, sendo que Siska e Szabó estavam nos dois rivais. Outros tempos quando Janós Biri passou oito anos completos nas águias (marca que Jorge Jesus pode igualar, embora não de forma consecutiva, se aguentar até ao fim da época). Já Sérgio Conceição pode emular o registo de Siska: cinco épocas completas, embora ainda fique longe de José Maria Pedroto, que somou nove, duas delas incompletas e em três períodos distintos.