1934: A bandeira do fascismo
Luis Monti foi o único jogador da história a jogar duas finais por países diferentes em Mundiais, em 1930 pela Argentina e em 1934 pela campeã Itália (2-1 à Checoslováquia, após prolongamento). Nascido no país sul-americano, mas descendente de italianos, foi um de vários jogadores a mudar de seleção (os "oriundi", oriundos de Itália, ou descendentes) e o único presente nos jogos decisivos. Monti disse que se sentiu manipulado: ameaçado de morte caso ganhasse o primeiro mundial (pelos uruguaios) e se perdesse aquele em que o ditador fascista Benito Mussolini usou como montra do seu regime. Para isso, valeu tudo, até controlar os árbitros.
Este foi o mundial de Vittorio Pozzo, que continuou conotado com a extrema direita mesmo após a queda do regime, único treinador a vencer dois torneios planetários (ganharia também em 1938), além de uns Jogos Olímpicos (1936). Foi, provavelmente, o mais vitorioso técnico europeu da década de 30 do Século XX. Mas foi também o torneio do mítico avançado-depois-médio Giuseppe Meazza, que tendo passado por Milan e Juventus, ficou na história como o grande símbolo do Inter (entre 1995 e 2014, o atual dirigente dos nerazzurri, o argentino Javier Zanetti, fez mais jogos e ganhou mais títulos em nove anos e reabriu a discussão). Curioso que ainda hoje, 39 anos após a sua morte, é tema de discórdia: em 1980, o estádio (do bairro) de San Siro foi batizado com o nome do jogador, mas o Milan usa a designação original por causa da mais forte ligação do jogador ao Inter, que usa estádio Giuseppe Meazza.
Este mundial foi, também, terreno político para Mussolini amplificar os valores do fascismo e da união nacional. "Il Duce" conseguiu a organização do torneio após oito (!) votações na FIFA e da desistência da Suécia. Prometeu rios de dinheiro e utilizou todas as armas legais e ilícitas para garantir o título. Desde o recrutamento de "oriundi" a rios de dinheiro para construir três novos estádios (Nápoles, Trieste e Turim) dos oito que acolheram a prova. Entre muitas decisões polémicas favoráveis à squadra azzurra, sobrepôs-se a nomeação do sueco Ivan Eklind para as meias-finais (1-0) com golo precedido de falta sobre a outra grande favorita, a Áustria - "equipa maravilha" - do craque Matthias Sindlar e de Pepi: Josef Bican ainda hoje divide analistas, havendo quem defenda que foi o maior goleador de sempre do futebol mundial, com 1468 golos). E para o jogo decisivo no Estádio Nacional do Partido Nacional Fascista (deu origem ao estádio Flamínio, usado nos últimos anos pela seleção de râguebi). A 10 de junho, a Itália impôs-se perante a Checoslováquia (3-1 sobre a Alemanha na meia-final) e sagrou-se a segunda campeã mundial (e para Mussolini, ou ganhavam ou "arcariam com as consequências"), com o árbitro a ser recebido pelo ditador na tribuna de honra antes da partida. O 2-1 só foi conseguido no prolongamento, depois de estar em desvantagem até aos 81 minutos. Nesse momento, Giovanni Ferrari dominou a bola com a mão antes de servir Raimundo Orsi para o empate. O herói foi Angelo Schiavio, autor do golo da vitória aos cinco minutos do prolongamento - e melhor marcador do torneio, com quatro golos, a par do checo Nejedly e do alemão Conen.
Depois da fraca adesão ao primeiro Mundial, a edição de 1934 chamou a atenção de 34 seleções. Foi criada a fase de qualificação por ordem geográfica, embora a Europa dominasse com 12 vagas entre os 16 participantes da fase final. Em retaliação à ausência da maioria das equipas europeias quatro anos antes, o Uruguai boicotou a competição. Chile e Peru apuraram-se, mas desistiram, dando a vaga a Argentina e Brasil (permitindo que seja a única seleção a marcar presença em todos os mundiais). Curiosamente, o escrete cairia no primeiro jogo, os oitavos-de-final (não houve fase de grupos), a pior resultado de sempre (14.º).