1930: Uruguai abre as hostilidades

Em 1930, o arranque de uma competição que estava a ser programada desde 1904 esteve em perigo várias vezes, por razões políticas e logísticas
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O jogo tem duas partes: a primeira e a segunda. Esta noção vem da final do primeiro mundial de futebol, organizado e vencido pelo Uruguai. No jogo decisivo, uma disputa entre a Argentina e os anfitriões atrasou o início do jogo, porque cada uma das equipas queria utilizar a sua própria bola. A primeira parte jogou-se com a bola argentina (que ganhava ao intervalo por 2-1) e a segunda com a bola uruguaia (4-2 para os anfitriões). A intriga, a polémica, a hostilidade, a violência e a mitificação do jogo não mais parou desde então.

Em 1930, o arranque de uma competição que estava a ser programada desde 1904 esteve em perigo várias vezes, por razões políticas e logísticas, e só se disputou graças ao talento diplomático do francês Jules Rimet, então presidente da FIFA (que em 1946 batizou o troféu de campeão com o nome do presidente do organismo entre 1921 e 1954). Decidido num congresso em 1928, o Mundial 1930 só foi atribuído ao segundo mais pequeno território sul-americano (o Suriname é o menor) em 1929, irritando a Europa em geral, e Itália, Suécia, Holanda, Espanha e Hungria em particular, que acabariam por retirar as candidaturas para acolher o torneio (as despesas da travessia atlântica deixaram de ser um fator quando Rimet conseguiu que o país organizador e a FIFA pagassem as viagens). E obrigou à construção em tempo recorde do estádio Centenário em noves meses (três meses de chuvas provocaram um atraso que só possibilitou a utilização do recinto ao quinto dia da prova, no Uruguai 1-0 Peru). Aliás, o Mundial 1930 foi o único que só se disputou numa cidade, em três estádios (Centenário, Parque Central e Pocitos).

Aqueles países europeus, entre outros, boicotariam a competição, naquela que foi a única edição sem rondas de qualificação prévia (participação por convite da FIFA). Ficou definido que o torneio teria 14 equipas, mas o Egito não apanhou o barco e ficou em terra, pelo que a fase final se disputou apenas com 13 equipas (9 sul-americanas, duas norte-americanas e apenas quatro europeias). O navio Conte Verde partiu de Génova a 21 de junho com a Roménia (e jogadores escolhidos pelo Rei Carol, que garantiu o emprego a todos após uma licença de três meses), parou em Villefranche-sur-Mer para embarcar a França (que só a muito custo Rimet convenceu a ir ao mundial) e ainda fez escala em Barcelona (subiu a bordo a Bélgica) e no Rio de Janeiro (entrou o Brasil) antes de atracar em Montevideu 15 dias depois. A Jugoslávia partiria de Marselha noutro navio.

Após a fase de grupos, as duas mais fortes candidatas golearam por 6-1 nas meias-finais: o Uruguai despachou a Jugoslávia, a Argentina esmagou os Estados Unidos. Foram resultados recorde nas semifinais até ao Mineiraço (7-1 da Alemanha ao Brasil em 2014).

Bicampeões olímpicos, os uruguaios, que tinham derrotado o vizinho e rival argentino na final dos Jogos de 1928 pela primeira vez (nove derrotas em dez jogos), ergueram o troféu perante 93 mil espectadores. E cerca de 30 mil seriam argentinos que cruzaram o Rio de la Plata com gritos de "victoria o muerte". No final, houve uma chuva de pedras sobre a equipa argentina, cujo povo devolveu a gentileza nos dias seguintes sobre o Consulado do Uruguai em Buenos Aires.

Houve vários jogadores a marcarem lugar na história, como o francês Lucien Laurent (primeiro golo dos mundiais aos 19 minutos do França 4-1 México), Bert Patenaud, primeiro hat trick (marcou os três golos dos Estados Unidos no 3-0 ao Paraguai - embora só depois de morto a FIFA o tenha reconhecido, em 2006) ou do uruguaio Pedro Cea, autor de três golos na meia-final, algo que nas 19 edições disputadas posteriormente só foi alcançado pelo checoslovaco Oldrich Nejedly (3-1 à Alemanha) e Pelé (Brasil 5-2 França, em 1958). O argentino Guillermo Stábile foi o goleador da prova, com oito golos.

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