Viva o cinema de Víctor Erice! 

O cineasta espanhol Víctor Erice está de volta com Cerrar los Ojos, desde já um dos melhores filmes de Cannes 2023: uma epopeia intimista em torno do desaparecimento de um ator de cinema.

Lembremos um dado objetivo: o cineasta espanhol Víctor Erice (n. 1940) não filmava há mais de uma década, desde que, em Portugal, rodou Vidros Partidos, um dos segmentos que integra a longa-metragem Centro Histórico, produzida no âmbito de Guimarães 2012 - Capital Europeia da Cultura. Como referiu Thierry Frémaux, delegado-geral do Festival de Cannes, na apresentação da nova longa-metragem de Erice - Cerrar los Ojos (estreia na secção Cannes Première, extra-competição) -, a sua grandeza exprime-se através de uma filmografia paradoxalmente escassa: em boa verdade, a sua anterior longa-metragem, O Sol do Marmeleiro, surgiu há mais de trinta anos - foi, aliás, distinguida com o Prémio do Júri de Cannes, em 1992.

O mínimo que se pode dizer de Cerrar los Ojos é que se constrói como uma paciente e apaixonada declaração de amor ao cinema (e importa acrescentar: através dos meios do cinema). Esquematizando, podemos dizer que se trata da história de Julio Arenas, um ator que desaparece durante a rodagem de um filme... Terá sido suicídio? Ou uma tentativa de construir uma existência alternativa num outro contexto? Durante muitos anos, o mistério vai pontuar as vidas dos que lhe eram próximos, a começar por Miguel Garay, o realizador do filme que ficou inacabado...

Não é fácil descrever o misto de serenidade e vertigem das quase três horas de duração de Cerrar los Ojos. A sua duração é mesmo qualquer coisa que integra e reforça o mistério do filme, de tal como sentimos que estamos perante qualquer coisa de épico que, ainda assim, parece caber na respiração de um instante mágico.

As personagens vivem mesmo uma odisseia do mais puro intimismo em que os filmes e o trabalho no cinema ocupam um lugar afetivo que não é um "prolongamento" da vida - mas "a própria vida" (como Edgar Allan Poe escreve no seu conto O Retrato Oval, descrevendo a pintura do título). Através das palavras e dos silêncios, são personagens que ainda acreditam que o cinema preserva esse poder de nos manter ligados a memórias que, afinal, encontram um lugar preciso no nosso presente. Daí a importância vital do notável elenco, com destaque para José Coronado e Manolo Solo (respetivamente Arenas e Garay), sem esquecer Ana Torrent (como filha de Arenas), veterana do cinema espanhol que se estreou aos seis anos de idade em O Espírito da Colmeia (1973), primeira longa-metragem do próprio Erice.

dnot@dn.pt

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