"Palhaço Até Ao Fim”, o título do seu primeiro single, gravado em 1977, pela Polygram, é uma expressão curiosa, mas que não resumirá certamente, julgamos, a trajectória e o percurso de vida do multifacetado artista Victor Manuel Marques Espadinha, que nasceu em Lisboa no dia 10 de Julho de 1939 e tem hoje, portanto, 84 anos..Talvez outros títulos - como o celebérrimo “Recordar É Viver”, de 1978, com mais de um milhão de cópias vendidas, ou “Vivo como Nunca”, recente, de 2021 - expliquem melhor quem foi e é este homem, o qual, ao contrário do que sucede a muitos da sua idade, não se lamenta de falta de trabalho ou de visibilidade, até porque nem um nem outra lhe têm escasseado: lançou um disco o ano passado, “60 Anos de Palco”, tem feito espectáculos, dado entrevistas, postado nas redes, provas de vida..Viu a luz numa casa da Rua Garcia da Orta, ao bairro da Lapa, e é filho do dono de um casino, que funcionava no Palácio Foz e acabou falido, e de uma criada de servir, mas acabou criado por uma irmã do pai, que bebia muito, e pelo seu amante francês, que, depois de Victor estudar no Moderno e completar o liceu, o mandaram para Coimbra, estudar Agronomia, sem nenhum sucesso..Aos 17 anos, meteu-se num navio e foi conhecer o pai, na altura funcionário da Junta de Comércio Externo de Moçambique, território onde ficou durante vários anos, entre 1956 e 1964, e onde começou a sua vida artística, no Teatro Avenida, de Lourenço Marques. Também nessa altura, começou a trabalhar como jornalista, no jornal A Tribuna, e, segundo contou em entrevista recente (DN, de 8/9/2018), teve problemas na tropa, acabando preso durante dois anos. Na actual Zâmbia, antiga Rodésia do Norte, estudou teatro e trabalhou na TV, a seguir foi para Londres, onde andou aos tombos: lavou pratos, dormia em comboios e dentro de carros, embalou televisões para a Hitachi, chegou a croupier no casino da Playboy, e fez alguns papéis, na TV (na série “The Good Wife”) e nos palcos do West End..Regressado a Lisboa, fez uma cena para entrar em cena (no Villaret, de Vasco Morgado): ligou para o Diário de Notícias a avisar que ia fazer uma greve da fome junto ao Monumental enquanto Morgado não lhe desse emprego; andou por ali, comendo croquetes que, no café Montecarlo, lhe iam sendo dados à socapa e, depois de os jornalistas se irem embora, foi dormir a casa. No dia seguinte, grandes manchetes - e um lugar garantido em “Deliciosamente Louca”, comédia em que contracenou com Eunice Muñoz, Ruy de Carvalho, Rogério Paulo, Clara Rocha e João Perry..Enquanto isso, fez outras e várias coisas, umas em Londres, outras por cá: director de publicidade na General Motors; jornalista do Diário de Notícias; apresentador no Rádio Clube Português, onde, reza a biografia oficial, aplicou os conhecimentos adquiridos em Inglaterra com David Davies e se tornou o primeiro disc-jockey português e um dos principais intérpretes dos Parodiantes de Lisboa..Estava na capital britânica no dia da revolução (“sofri muito com a ditadura”) e, em muitas ocasiões, tem dito que, no dia 26 de Abril de 1974, cometeu o maior erro da sua vida, ao aceitar o convite de Vasco Morgado para vir fazer a peça “Mostra-me a tua Piscina”, de Jean Letraz, um tremendo sucesso que, sob encenação de Alexandre Doré, esteve dois anos em cena no Capitólio, e onde contracenava com Maria Dulce e três esculturais inglesas “a actuar na piscina”. Apesar do êxito, ou por causa dele, quando o pano caiu ficou sem trabalho e teve de retornar a Londres para lavar pratos e panelas, pior ainda (quando, num programa de televisão, e a este propósito, Herman José fez um trocadilho com “panelices”, respondeu “não ser contra”, mas “não ter tempo para isso”)..Tem dito e redito que é “actor, ponto final” e que “o teatro nunca morrerá”, porque “fazer uma novela qualquer pessoa faz”, havendo muitos canastrões nesse ramo. Ao invés, considera que “o teatro é a arte de representar verdadeira”, o que não o impediu de ter entrado em inúmeros programas para televisão, desde “A Visita da Cornélia” (onde fez a rábula de um palhaço) à série “Inspector Max”, passando pelo concurso “Para Variar”, de 1989, onde imortalizou a frase “Roda o Palco!”, hoje de todo esquecida. Gravou discos vários com títulos de antologia (“Quero-te Tanto/Na Vida. Tudo Bem Contigo?”, de 1979; “Carta a uma Mulher/Gato Sapato”, de 1980; “10 Um Disco de Sonho”, de 1980, em versão Espadinha/Bo Derek) e fez diversos musicais no Casino Estoril, prenhes de preto e prata: “Cabaret”, “Sinbad, o Marinheiro”, “Superman”, “Yellow Submarine” ou “007 - Licença para Jogar”. Ganhou o prémio “Canoas do Tejo”, no Rio de Janeiro, seja lá isso o que for, mas, ao que parece, aguarda ainda condecoração lusitana..Confessa ser um romântico e, mesmo que a sua figura o desminta, não rejeita que o comparem a Julio Inglesias. Numa entrevista íntima à revista Vidas, do Correio da Manhã, revelou que deu o seu primeiro beijo a uma prima, debaixo da colcha da cama e do nariz das tias, que já fez amor num avião e numa cabina telefónica, que já traiu e foi traído e, enfim, que a parte do corpo de que menos gosta é “uma que se põe em sentido em alturas inconvenientes” (pouco depois, a mesma revista fotografá-lo-ia a passear na praia do Meco, mas vestido). Teve cinco mulheres, cinco filhos, mas só casou uma vez e considera que ainda vivemos numa sociedade machista, muito por culpa das fêmeas. É fanático pelo Sporting, a ponto de ter ameaçado dar umas palmadas a Bruno de Carvalho (depois, reconciliaram-se), uma das muitas polémicas em que se viu envolvido: em 2019, o socialite José Castelo Branco acusou-o de ter tido um bar de alterne no Estoril; em 2016, foi a vez de Espadinha dizer que a directora da SIC, Gabriela Sobral, não respeitava os artistas; em 2010, criticou o papel excessivamente modesto que, em seu entender, lhe deram na novela “Laços de Sangue”; e diz amiúde que José Eduardo Moniz lhe tem um “ódio de morte”, sendo reciprocado..Já viu a morte de perto e a cruz que leva ao pescoço é lembrança desse episódio: há mais de 50 anos, durante a guerra em África, teve um grave problema de saúde, e, no hospital onde estava, ouviu a enfermeira gritar para o médico “Doutor, doutor, ele está-se a ir!”, enquanto lhe metia um tubo pelo pulmão adentro; debruçada sobre ele, a enfermeira deixou cair na sua cara o crucifixo que tinha ao pescoço, “pendurado por um fio que lhe vinha dos seios”. Por sensualismo ou intercessão divina, Victor agarrou-se como louco àquela cruz de prata e, como que por milagre, logo sentiu que voltara a respirar, estava salvo. Dias depois, a enfermeira ofereceu-lhe o crucifixo que hoje transporta consigo, mesmo não sendo religioso. Recentemente, num inflamado artigo de opinião publicado no Jornal de Notícias (de 16/5/2023) e escrito segundo a antiga ortografia, manifestou-se contra a arbitragem portuguesa (“Nem Boris Karloff conseguiria melhor: Um filme de autêntico terror!”), a perseguição aos fumadores e a eutanásia, argumentando, no tocante a esta última, que “nenhum ser humano tem o direito de matar outro, ainda por cima quando todos sabemos que existem curas repentinas que a ciência não tem explicação.”.No entardecer da existência, diz que o seu hino de vida é, sempre foi, Maintenat Je Sais, cantada por Jean Gabin, e que não pensa em excesso na velhice e no passar dos anos. E roda o palco..*Prova de vida (55) faz parte de uma série de perfis