Nascido em Phnom Penh, em 1966, Rithy Panh é um cineasta cuja obra se apresenta visceralmente marcada pelas memórias da ditadura sanguinária dos Khmers Vermelhos (que dirigiram o Cambodja entre 1975 e 1979). Os seus pais e parte da sua família foram mortos durante esse período, até que, ainda adolescente, conseguiu fugir do país, para a Tailândia, vindo a fixar-se em França, em 1980. Aí tem desenvolvido uma obra notável, a meio caminho entre documentário e ficção, centrada nesse período — o seu filme mais recente, Encontro com Pol Pot, esteve no Festival de Cannes de 2024, passou pelo LEFFEST (onde ganhou o Grande Prémio do Júri, “ex-aequo” com The Shrouds, de David Cronenberg) e chega agora ao circuito comercial..O cinema de Rithy Panh está direta ou indiretamente marcado pela dificuldade de representação (cinematográfica, precisamente) dos crimes dos Khmers Vermelhos — lembremos o exemplo modelar de A Imagem que Falta (2013). O que, entenda-se, é indissociável do facto de o regime recear o poder revelador das imagens, limitando drasticamente o seu registo e difusão. Encontro com Pol Pot não é estranho a tal questão, embora seja uma história que, por assim dizer, se constrói “de fora para dentro”..O título provém de um facto verídico (ainda que as personagens tenham nomes fictícios). Em dezembro de 1978, um homem e uma mulher, ambos jornalistas americanos, acompanhados por um investigador universitário britânico de formação marxista, conseguem autorização para visitar o Cambodja, com a promessa de um encontro com Pol Pot. Em boa verdade, nada vai correr como esperado. Mesmo o reencontro do britânico com alguns elementos do regime que foram seus colegas universitários revela que a defesa do “povo” e dos valores “progressistas” não passa de uma fachada para ocultar os horrores da repressão dos Khmers Vermelhos..O impacto do filme de Rithy Panh é tanto maior quanto, de facto, ele não está apenas a recordar as linhas gerais de um período trágico da história do Cambodja. Estamos perante uma história de personagens verdadeiramente humanas — assombradas pela decomposição dos valores clássicos do humanismo —, tanto mais envolvente quanto tudo começa na dificuldade dos visitantes (e do próprio espetador) decifrarem os sinais que tentam ocultar os mecanismos de um sistema fundado na mais obscena instrumentalização dos seres humanos..A personagem de Irène Jacob, inspirada pela experiência da americana Elizabeth Becker (que viria a publicar um livro sobre a sua viagem ao Cambodja), condensa a matéria fulcral do filme. Rithy Panh filma essa experiência como uma lição que começa na mais depurada visão de todo um país, acabando por desembocar num radical desencanto, de uma só vez sentimental e político.