Há aquela ideia que teatro de marionetas é para crianças e que as marionetas ou são de fios ou de mãos. Mas os espetáculos que vão poder ser vistos no 25º Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas (FIMFA) entre 8 de maio e 1 de junho são em grande parte para adultos e famílias inteiras e as marionetas assumem formas muito diferentes das tradicionais, mostrando inovação e experimentação nesta arte performativa. A assinalar este ano um quarto de século de vida, o FIMFA decorre em Lisboa e por trás deste evento estão Rute Ribeiro e Luís Vieira, os fundadores da companhia Tarumba - Teatro de Marionetas que em 2001 decidiram lançar-se nesta aventura.A Tarumba nasceu em 1993 e por volta do ano 2000 os marionetistas começaram a participar em festivais internacionais, um dos primeiros dos quais, recordam, foi no Paquistão. “Quando a internet apareceu - as pessoas já não se lembram, mas eu lembro-me perfeitamente - era a feira do livro, que era no Terreiro do Paço, e havia uma tenda em que as pessoas faziam fila para irem pela primeira vez à internet googlar. E nós escrevemos international puppet festival e apareceu um festival no Paquistão”. Acabaram mesmo por participar nesse festival no Paquistão, em 2000, com o espetáculo Amor de Dom Perlimplim com Belisa em seu Jardim, uma peça do dramaturgo espanhol García Lorca, com marionetas de fios. “Tínhamos uma estrutura com três metros de altura e três metros de largura, com cenários pintados. E foi tudo para o Paquistão”, recordam. . Foi dessas experiências lá fora que nasceu a ideia de criar um festival internacional em Portugal. “Nós íamos e víamos coisas extraordinárias e pensámos porque é que em Lisboa não há de haver um festival de marionetas?” De uma coisa estavam certos: havia público. “Nós sabíamos que ia muita gente sempre aos nossos espetáculos, apesar de serem só para adultos e às vezes em horários muito pouco convencionais. Estivemos nos festivais de outono do Teatro da Trindade e eram às sete da tarde...Portanto, nós sabíamos que havia público”.E assim arrancou o FIMFA em 2001. “Havia projetos mais tradicionais e outros mais avant-garde e queríamos abrir um bocadinho o leque de possibilidades que este universo tem e que as pessoas desconheciam”, diz Luís Vieira. Uma diversidade que têm procurado manter ao longos destes 25 anos de festival. “Hoje em dia conhecemos muito mais do que na altura em termos de projetos artísticos, de companhias, de espetáculos e sobretudo de artistas. Nós procuramos sempre ter uma mistura. Ou seja, o que nós queremos dizer às pessoas é que hoje em dia o teatro de marionetas já não é só e apenas o teatro de Robertos. Há um universo que se expandiu e que há um conjunto enorme de possibilidades em que os artistas estão a investir cada vez mais”, sublinha Luís Vieira. . Rute Ribeiro e Luís Vieira veem todos os espetáculos que trazem a Lisboa. “Nós convidamos os artistas. Fazemos questão de ver e convidamos quando gostamos. E ao longo do tempo vamos criando afinidades e vamos seguindo projetos de artistas”, sublinha Rute Ribeiro.O teatro de marionetas é também cada vez mais um espaço de convergência de várias expressões artísticas. “Há um cruzamento cada vez maior entre a pintura, o cinema, o ritmo, a dança”, diz Rute Ribeiro. “Sim, às vezes as marionetas aparecem em situações que as pessoas nem pensam que são marionetas. No cinema, por exemplo, há muitas cenas que são feitas com marionetas que as pessoas não estão a pensar que são marionetas de tal forma que aquilo é realístico”, acrescenta Luís Vieira. O problema dos preçosAo longo destes 25 anos organizar este festival tornou-se mais fácil por um lado e mais difícil por outro. “É mais fácil porque as companhias todas querem vir, mas há o problema do preço. Há o problema dos custos das coisas que estão a ficar completamente fora de controle. Os hotéis, as viagens, os transportes, os cachês...”.Os custos para trazer as companhias a Lisboa subiram muito e o orçamento do festival não acompanhou. “Está estagnado. Precisávamos mesmo de um grande patrocinador. Um banco, uma seguradora, uma operadora de telemóvel, um mecenas. Mas é difícil hoje em dia encontrar mecenas”, dizem. . Luís Vieira revela que “o orçamento do festival é da ordem dos 150 mil euros e precisaríamos que crescesse para o dobro”. “As pessoas não têm noção, porque o FIMFA ganhou nome, estatuto, credibilidade, mas é por isso que as companhias vêm, porque nós não podemos pagar o cachê que algumas pedem. E há companhias que nós ainda não conseguimos trazer, porque hoje em dia não é possível. A verdade é esta”, aponta Rute Ribeiro. “O teatro de marionetas ainda é, para essas pessoas que estão longe das artes, uma coisa que não cai bem, é o boneco, apoiar o bonequinho, olha agora”, lamentam. A programação do FIMFA, porém, traz a Lisboa espetáculos que não se enquadram nesta visão menor do teatro de marionetas. A peça de abertura do festival, no Teatro São Luiz, no dia 8 de maio, por exemplo, foi elogiada em França pelos jornais Le Monde e Libératiíon. Trata-se de Uma Casa de Bonecas da encenadora Yngvild Aspeli (apresentada como uma das principais figuras atuais do mundo das artes da marioneta) e da sua companhia franco norueguesa Plexus Polaire. É inspirada no texto clássico do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen e junta atores com marionetas de tamanho humano.“Ela tem uma forma muito especial de criar, para ela a marioneta é o corpo, é a imagem, é o som. Ela utiliza quase sempre marionetas de tamanho humano, ela é incrível a manipular, a manipular só vão estar dois atores e nós vamos ter a ideia de que devem estar 20 pessoas a manipular, porque há várias figuras, que não são pessoas, mas que parecem, há magia, coisas que acontecem, vai ficar tudo perturbado, no bom sentido. É uma encenação muito especial, ainda agora esteve em Paris e teve cinco estrelas na crítica”, sublinha Rute Ribeiro. Yngvild Aspeli esteve por várias vezes no FIMFA, a última participação foi em 2021, com o espetáculo Moby Dick. “Trouxemos a Lisboa quase todos os espetáculos dela. O primeiro, quando ela era muito nova, tinha acabado de sair da escola de marionetes de Charleville, foi apresentado aqui e começámos a segui-la, porque tínhamos afinidade com o trabalho dela”. Uma relação com os marionetistas portugueses que tem permitido que a agora encenadora conceituada desta arte continue a marcar presença na capital portuguesa. O programa inclui propostas muito diversificadas. Os promotores do FIMFA destacam também a A Sagração da Primavera da companhia italiana Dewey Dell em coprodução com o Teatro D. Maria II, que será exibida no Teatro Variedades nos dias 22, 23 e 24 de maio. “São os filhos do Romeo Castellucci, que é um dos maiores encenadores italianos e que tem trabalhado também - muitas pessoas não se lembram -, como marionetista.”Neste espetáculo não se verá a marioneta tradicional. “É um trabalho mais virado para a dança, com máscaras, e fazem uma reinterpretação da Sagração da Primavera do Stravinsky, que é absolutamente fantástica. Toda com insetos, eles estão vestidos com os figurinos e com as máscaras especiais”. A coreografia é de Teodora e Agata Castellucci, a dramaturgia e desenho de luz Vito Matera e o compositor é Demetrio Castellucci.“Mas depois também temos um ballet, por exemplo, com vegetais em miniatura, em que os bailarinos são dentes de alho com umas perninhas, e beringela, abóbora, couve, alguns vão ser comprados aqui, portanto ainda não sei os legumes de que vão precisar, têm de ser frescos”, dizem. A peça, da companhia checa Khwoshch Group, chama-se Quebra-Nozes: Um Balé de Vegetais. . Há também o espetáculo Epidermis Circus que vem do Canadá e em que a história é contada com as mãos e a boca pela companhia Snafu- Society of Unexpected Spectacles. “É difícil de categorizar. Ela tem uma câmara e vai usando a boca, objetos, as mãos também, espelhos. É um pouco stand-up, porque ela improvisa bastante. Tem muito humor, este é mesmo para adultos”, diz Rute Ribeiro. Há muito mais para ver, incluindo de companhias portuguesas. Por exemplo, o Teatro de Marionetas do Porto leva ao festival a peça Armazém 88, que presta homenagem ao legado de João Paulo Seara Cardoso, encenador fundador da companhia falecido em 2010, recuperando marionetas e materiais do seu arquivo. A Sonoscopia & Teatro de Ferro “juntaram-se e fazem um espetáculo chamado Capital Canibal, sobre o capitalismo e como nos tritura, com salsichas punk, canto e ópera”, descreve Rute Ribeiro.A Tarumba estreia em Lisboa a sua última criação, Dramas Curtos em Miniatura, inspirada em textos de Edward Gordon Craig, que exploram o humor absurdo e a estética surrealista. As marionetas são feitas pelos próprios em papel-cartão, com colagens. “A peça tem uma particularidade - nós também somos um pouco kitsch, no bom sentido - passa-se no Havai, tem um ambiente havaiano. As peças foram escritas ou durante a Primeira Guerra Mundial ou entre as duas guerras. E mesmo sendo peças muito curtinhas, têm aquele sabor da guerra ou de que o mundo vai mudar. Têm duas ou três linhas e tudo se passa na praia. Resolvemos brincar um pouco com isso”. No conjunto serão apresentados entre 8 de maio e 1 de junho 24 projetos de 13 países (Bélgica, Canadá, Chéquia, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Itália, México, Noruega, Portugal, Reino Unido e Suíça), em mais de cem sessões. Os espetáculos serão de sala, de rua e de pequenas formas e decorrem em dez espaços da capital: São Luiz Teatro Municipal, LU.CA - Teatro Luís de Camões, Teatro Variedades, Museu de Lisboa - Palácio Pimenta, Teatro Romano, Teatro do Bairro, Teatro Taborda, Casa do Comum, Biblioteca de Marvila e Cinemateca Portuguesa.