Birmingham, 1981. Um jovem perdido no meio de uma revolta, com a polícia a travar manifestantes impiedosamente, vê-se interrompido na sua divagação. Imerso nos pensamentos que o levam à rapariga por quem está apaixonado, e que convidou para tomar chá (falta de noção), ele não se apercebe da atmosfera inflamada e inflamável à sua volta, que está prestes a explodir-lhe na cara: quando explode, é preciso correr e encontrar refúgio. Nesta azáfama encontra também uma amiga, que se enternece com a vida interior do “puto estranho”, e não tarda estão os dois a pensar em formar uma banda. Ele, com nome de poeta italiano, Dante, escreve versos que se prestam a ser musicados (inspirando-se em Leonard Cohen e Bob Dylan); ela, Jeannie, não percebe nada de letras mas tem jeito para combinar sons harmoniosamente. Assim arranca, a toda a brida, This Town, uma das mais recentes séries criadas pelo prolífico Steven Knight, em estreia exclusiva esta quarta-feira no TVCine Edition (22h10), deixando o espectador confuso quanto ao ângulo. Isto vai ser sobre jovens a navegar o ambiente social ou “apenas” sobre a formação de uma banda?.Bem, as duas coisas. Pode dizer-se que a série desorienta um bocadinho no início, com a apresentação de várias personagens interligadas, mas depois os eventos encaminham-se com agilidade para um final de confluências “musicais”, em que a clareza do arco narrativo deixa uma impressão plenamente satisfatória. Ao longo de seis episódios, This Town conquista a nossa atenção pela inteligência com que combina as tais personagens e as faz habitar a tristeza permeada por uma corrente de humor; ou melhor, como uma música, precisamente, a ser composta ao sabor daqueles dias de tensão social e destroçados contextos familiares..Escrevendo a partir de um certo lugar íntimo da memória, que é a sua cidade natal, Steven Knight conseguiu desta vez criar uma textura que estava em falta nos seus últimos trabalhos para a televisão, depois do sucesso Peaky Blinders (2013-2022). Entenda-se: as séries Great Expectations e Toda a Luz Que Não Podemos Ver dificilmente fazem justiça à sua capacidade de desenhar aquele aspeto diferenciador de uma personagem..Questões geracionais e a poesia do futuro.Dante, interpretado por um talento em revelação, Levi Brown, é mesmo esse tipo de figura: um corpo desajustado, que destoa do entorno em virtude da sua alma gentil, mexendo as peças através de uma estranha forma de ser. É, em suma, um aspirante a poeta que se permitirá interromper a depressão pessoal para avaliar a alegria do sentido da vida enquanto sonoridade ska... Cada um por sua vez, entram em cena um primo que mora em Coventry, e que está a ser forçado pelo pai a envolver-se nas atividades terroristas de um braço local do IRA (abre-se aqui a janela para o vislumbre dos demónios que uma organização deste teor planta numa família); o irmão mais velho de Dante, que se tornou membro do exército britânico, destacado em Belfast; e, claro, a jovem empregada de uma loja de discos por quem o protagonista sonhador está apaixonado..Há ainda outro lote de personagens adultas que contribuem com os seus vícios e corações partidos para a visão geral do quadro - e é preciso referir a tia alcoólica de Dante, que numa cena de funeral canta maravilhosamente Over the Rainbow, de Judy Garland -, mas é naquele núcleo geracional, a tentar encontrar uma saída para o futuro, que a série confia o brilho da sua doce anarquia..Mais uma vez, não se entra de forma direta nesta cápsula de ficção nostálgica, violenta e terna: demora um pouco a entranhar o espírito da proposta, a sua poesia murmurante e as cores do retrato sociopolítico que definiu um tempo e um lugar, mas uma vez entranhado, alcança-se a substância viva da ideia. Depois, é só seguir a música (para além do ska, o reggae e o punk) e a progressão dos laços humanos, que no fundo é o tempo que demora a construir-se o grupo certo para salvar a vida em conjunto..É tudo assim, muito dramático e movimentado, cómico e descabelado, assente sobretudo na caracterização de cada elemento humano que traduz a turbulência particular daquelas vidas conotadas com o ADN das Midlands. Algo semelhante à beleza de um dos versos soltos que ouvimos Dante criar, num dispositivo de voz off, e que expõe a brutalidade por trás da melodia profunda da época: “Vidro partido, armas, droga e betão. Mistura de baixo, bateria e depois canto”. Eis This Town - com um novo episódio a descobrir todas as quartas-feiras no TVCine Edition.