Havai, Sicília, e agora Tailândia. As férias mais requintadas, tristes e excitantes do panorama televisivo estão de volta, com oito episódios de ação em lume brando e muita vida oculta. Por outras palavras, e servindo de aviso à navegação, The White Lotus evoluiu cirurgicamente dentro do seu conceito. A série que habituou os espectadores a doses sulfúricas de comédia humana e luxuriosa perversidade assume, a partir de hoje na Max, um olhar mais denso e dramático, sem abdicar do prazer incómodo que a define, aquele mal-estar deitado em espreguiçadeiras ou quartos faustosos, que só os diálogos escritos com brilhantismo podem oferecer a uma atmosfera de ócio onde o dinheiro circula nos detalhes de comportamento – social e privado.À terceira, já não é preciso muito para adivinhar que um cadáver vai aparecer nos primeiros minutos... Mike White, criador e realizador de The White Lotus usou a mesmíssima estrutura narrativa nas outras duas temporadas desta série de antologia. A saber: depois do evento fatídico, em que nunca é revelada a vítima, recuamos ao ponto de partida daquela semana, o dia da chegada dos hóspedes ricos americanos ao novo resort de luxo que tem tudo pronto para lhes proporcionar as férias de sonho, entre sessões de relaxamento e agradável mistério exótico.Desta vez, a fauna capitalista é composta por um trio de amigas que poderia corresponder a uma versão minimal de O Sexo e a Cidade; uma família com diferentes problemas individuais a processar (a mãe, interpretada por Parker Posey, será o elo mais fraco do elenco, no exagero do seu sotaque sulista); um casal estranho e de humores desconexos, e ainda uma personagem solitária que vem da primeira temporada. Vamos lá: quem se recorda da massagista Belinda (Natasha Rothwell), que a outrora rainha narcísica da série, Tanya (Jennifer Coolidge), deixou pendurada no Havai, com a mudança de palavra à última da hora num plano benemérito de negócio? Pois é, Belinda vai à Tailândia com um propósito profissional – expandir os seus conhecimentos terapêuticos –, mas talvez se depare com notas desagradáveis do passado.Uma fórmula à prova de balaAssim como os rostos de cerâmica na temporada anterior “vigiavam” as intrigas pulsionais do grupo de hóspedes na Sicília, a presença de macacos nas árvores sugere aqui a inquietação do lugar, uma corrente obscura que a escrita de Mike White se encarrega de destilar, episódio a episódio, num registo mais lento e pesado em comparação com os capítulos estivais anteriores. Isto não quer dizer que o novo The White Lotus se demarque do estilo que lhe conferiu, desde o início, uma qualidade distinta, mas há claramente uma resposta mais sombria aos nossos tempos sombrios. Ou não fosse também uma marca de White a necessidade de absorver os sinais da realidade do momento.Sobretudo, o que caracteriza esta temporada é uma gestão de energia malsã ligeiramente diferente, que aposta menos no calibre do humor ácido e mais no emaranhado de dúvidas e enigmas em torno de certas personagens que parecem desejosas de puxar o gatilho de uma arma de fogo. Mais do que nunca, os indícios da “lei da bala” pairam sobre uma paz artificial que deixa à vista o desassossego generalizado, seja do pai de família que trabalha na alta finança e volta e meia recebe telefonemas perturbadores, seja do homem que parece obcecado em encontrar-se com o dono do resort. Enquanto não ata nem desata, vamos apanhando o bailado de conversas superficiais entre as amigas, que falam mal umas das outras quando um terceiro elemento vira costas, ou vamos percebendo que a relação entre dois irmãos (o mais velho interpretado por Patrick Schwarzenegger, filho de Arnold, bem entendido) tem potencial para camadas complexas. E até os funcionários da estância turística contribuem para um ruído emocional de fundo que torna aquelas férias subtilmente desconfortáveis, como se quer...Uma das séries mais premiadas dos últimos anos – que inclusive consagrou uma atriz veterana, Jennifer Coolidge, algures perdida no barulho das comédias medíocres –, The White Lotus tem um alicerce criativo que dificilmente falha. Refiro-me ao modelo dolce far niente da elite americana como laboratório comportamental. Dir-se-ia que Mike White encontrou uma fórmula tão eficaz no retrato nocivo da massa humana endinheirada, e na elaboração sensorial (veja-se a câmara a percorrer a ambiência turística e a cultura dos locais, com os seus estimulantes efeitos sonoros), que uma alteração de tom é só mesmo isso: trazer cores mais misturadas a um tecido narrativo que, à partida, vingou pelas cores primárias da sátira. Ainda há muito aqui para ver e degustar.