The Gilded Age: a vida por um camarote na ópera

Do criador de<em> Downton Abbey</em>, <em>The Gilded Age</em> está de volta para uma segunda temporada de opulência e intrigas fin de siècle. Carrie Coon, Christine Baranski e Cynthia Nixon voltam a dar cartas num elenco todo ele aprumado. Disponível desde segunda-feira na HBO Max.
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Aqui vamos nós de novo: Gilded Age (Era Dourada) designa o período final do século XIX, em que a rápida industrialização e crescimento económico trouxeram à sociedade norte-americana um espírito materialista, baseado na ostentação de riqueza, que cultivou uma lógica social sem precedentes. O termo nasceu de um romance de Mark Twain e Charles Dudley Warner (The Gilded Age: A Tale of Today) e foi recuperado pelo showrunner Julian Fellowes como título da série que explora esse mesmo período, dentro das suas linhas de abundância, novos e velhos costumes e intrigas de chá. Como dizia uma das personagens na 1.ª temporada, referindo-se à vivência de Nova Iorque: "Esta é uma grande cidade, num grande país, num grande momento da história." No que respeita a sentimentos de grandeza e poder, estamos conversados.

Chegando agora à HBO Max a 2.ª temporada de The Gilded Age, é preciso reconhecer que a criação de Fellowes, essa mente por trás de Downton Abbey, brilha segundo as suas próprias regras de leveza e conforto emocional. Não se espere uma crítica afiada aos ricos - esse nunca foi o tom de Fellowes -, mas também não se subestime demasiado esta postura de bem com a história dourada e os seus protagonistas. De resto, e como tem sido imagem de marca do argumentista britânico, a atenção à opulência da classe alta não deixa de ser contrabalançada pela realidade do staff doméstico, desde a cozinheira ao mordomo.

Com um elenco ligeiramente alargado, e depois de uma temporada que estabeleceu o conflito entre o "dinheiro antigo" e o "dinheiro novo", The Gilded Age regressa com um esquema narrativo, a certa altura, capaz de atingir níveis surpreendentes de comoção - mesmo que a previsibilidade seja uma das deleitáveis características deste drama de época. Reencontramos então as personagens esculpidas pelos seus elaborados figurinos: as irmãs Agnes e Ada (Christine Baranski e Cynthia Nixon), da "velha" Nova Iorque; a sobrinha Marion (Louisa Jacobson), que vive com elas; a jornalista negra Peggy Scott (Denée Benton), amiga de Marion, mas agora mais senhora da sua história; e o "casal Vanderbilt", com outro nome, George e Bertha (Morgan Spector e Carrie Coon), o magnata das ferrovias e a sua esposa, que controlam os humores da alta sociedade com receções luxuosas, bailes, manipulações, pompa e circunstância.

O ano é 1883 e os pequenos enredos convivem com os enredos mais vistosos ou dramáticos. Desde logo, se na 1.ª temporada de The Gilded Age a grande expressão do progresso era a eletricidade - com um momento de absoluto deslumbre em que um edifício ganhava luz -, agora a agulha civilizacional volta-se para a construção da Ponte de Brooklyn, envolvendo um segredo sobre o seu arquiteto, e outra inauguração espetacular, em simultâneo com um conflito de teatros de ópera, que espelha a animada dinâmica entre a velha elite do dinheiro e os ambiciosos detentores do novo dinheiro. A saber: depois de rejeitada a sua proposta para um camarote na Academy of Music, Bertha/Carrie Coon vai mexer os cordelinhos para ser a figura de proa de um novo teatro rival, o Metropolitan Opera, mostrando como, àquela época em Nova Iorque, possuir um camarote poderia constituir-se uma questão capital. Era preciso continuar a ser the talk of the town, a todo o custo.

Mas esta temporada ocupa-se também de uma vertente menos glamorosa, reconhecendo que nem tudo são vestidos, chapéus e salas opulentas. Quer dizer, Fellowes estende o seu olhar social à pobreza dos trabalhadores fabris e à luta dos sindicatos, que ameaçam causar estorvo aos negócios de George/Morgan Spector, e preocupa-se com as dores da comunidade negra, através da personagem de Peggy/Denée Benton.

Enfim, as más-línguas dirão que não é suficiente e que estes sub-enredos não têm profundidade. Certo. Mas é precisamente por isso que The Gilded Age funciona enquanto série de escape mental. Neste universo, nada é demasiado vincado, não se testemunha vilania proeminente, nem os problemas causam abalo (mesmo quando se simula a nota grave de tragédia... financeira).

Porém, este será sobretudo o capítulo da série que procura acrescentar impacto sentimental ao tecido quotidiano: Ada, a solteirona madura que Cynthia Nixon interpreta com um infinito equilíbrio entre a sensatez e a castidade, terá ordem para viver um romance, enquanto a irmã Agnes, eterna matriarca viúva, se recusa a aceitar a privação da sua companhia de todas as horas.

Na pele dessa senhora old-fashioned, já se sabe, Christine Baranski é simplesmente fabulosa a projetar o som e a fúria perante as contrariedades domésticas. Isto num cenário em que a restante nata social subsiste à base da cortesia e dança de influências.

Dentro da ficção de pequeno ecrã, The Gilded Age cumpre o desígnio de fantasia de época, sem deixar de responder às noções reais de um contexto histórico. E será por aí que a escrita de Julian Fellowes vinga: não tenta ir além do seu domínio de conhecimento (os usos e costumes), mas esmera-se na conceção de uma coreografia de personagens que não têm outro propósito senão "entreter-nos" com as suas discussões desprovidas de peso ou dramas que se curam, mais ou menos, com um penso rápido. A verdade é que é tudo tão eficaz, tão apresentável e aconchegante, que chega a ser um pouco perturbador como é que esta frivolidade bem-educada sobrevive num panorama em que os retratos de época vêm cada vez mais revestidos de uma linguagem pop, pela necessidade contemporânea de irreverência. Por contraste, ver The Gilded Age é o equivalente a caminhar sobre nuvens, com uma fugaz sensação de vertigem perante os figurinos absurdamente requintados.

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