Jeremy Allen White e Ayo Edebiri, os jovens 'chefs'.
Jeremy Allen White e Ayo Edebiri, os jovens 'chefs'.Direitos reservados

Terceira volta de 'The Bear': à procura daquela estrela Michelin

A nova temporada da série que intensificou a experiência do drama de cozinha chega amanhã ao Disney+. Ao terceiro capítulo, 'The Bear' continua a querer mostrar que a haute cuisine é inseparável das dores da alma.
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Crescer, com altos e baixos. Assim vai The Bear, a série ancorada no rosto tristonho de um jovem chef que conquistou meio mundo aquando do seu discreto lançamento em 2022. Protagonizado por Jeremy Allen White, já vencedor de um Emmy e dois Golden Globes  pela personagem de Carmen Berzatto - ou Carmy para os amigos e família -, o sucesso televisivo da autoria de Christopher Storer avançou para uma segunda temporada que foi outro estouro: encorpou as narrativas individuais, confirmou a robustez do projeto e a capacidade para aguçar os sentidos, na convergência das linhas do drama e da alta-cozinha. O que é que a terceira acrescenta? Não muito mais. Talvez porque, à semelhança da subtração e especificidade de ingredientes que se veem agora nos pratos, a ideia seja conhecer melhor este universo, apurar temperamentos humanos e fazer luz sobre as pequenas peças da engrenagem que tornam The Bear aquilo que é.

Com a estreia amanhã do terceiro capítulo (10 episódios) no Disney+, o espectador poderá conferir os novos sabores, mas é um facto que, em termos de estrutura, esta temporada tem algo de “experimental”, e nem sempre no ponto de rebuçado que se quer.

Ou seja, haverá episódios em que se sente uma certa estagnação e repetição de ideias, e outros que captam emoções com uma desenvoltura inquestionável. Garantido mesmo é que estas personagens juntas continuam a transmitir calor umas às outras, seja calor afetivo ou momentaneamente oriundo de um lugar chamado exasperação.

Recapitulando o arco narrativo: Carmy, o chef que regressou a Chicago para ficar responsável pelo modesto estabelecimento do irmão, que se suicidou, conseguiu transformar o espaço num restaurante digno de uma estrela Michelin. Ou, pelo menos, é esse o seu objetivo agora, no meio de uma rigorosa filosofia de menus diários, acompanhada de uma lista de “inegociáveis” que tiram qualquer um do sério, a começar pelo primo Richie (Ebon Moss-Bachrach), sempre pronto para uma boa gritaria com Carmy...

A gritaria é, de resto, parte do ADN de The Bear e da consciência de que a vida se joga naquela cozinha, na figura do seu anti-herói: “O Carmy faz o que já fazia, que é essencialmente enterrar-se no trabalho e tentar desafiar-se a si próprio. E ao fazer isso, acaba por desafiar toda a gente à sua volta, tornando bastante... desafiante estar perto dele. São muitos desafios!”, sublinha Jeremy Allen White na conferência de imprensa virtual em que o DN participou, com a presença dos atores principais da série.

Para White, o maior desafio neste momento passava por manter o ponto de definição que se atingiu na temporada anterior. “Conversámos muito sobre isto, na passagem da primeira para a segunda temporada: estávamos realmente curiosos para saber se seríamos capazes de encontrar a nossa pequena bolha, depois do sucesso da primeira temporada, que fizemos sem expectativa nenhuma. E não tínhamos a certeza de que seria possível encontrar novamente aquele lugar. Penso que o alcançámos nessa segunda temporada, e que os sentimentos se ampliaram depois disso. Encontrámos o nosso espaço criativo.”

Recuar para avançar

Com esta confiança do ator que se assume o oposto da personagem de Carmy (para se pôr na pele dele, White diz que luta bastante contra a sua natural postura serena e relaxada), seguimos para o primeiro episódio da temporada, cujo argumento é assinado pelo ator e coprodutor Matty Matheson.

Na perspetiva deste chef canadiano, que optou por uma “reiniciação” da série em jeito de longo trailer sobre o período formativo de Carmy em Nova Iorque, era preciso enquadrar melhor as origens daquela pose nervosa e ambição inflexível: “Muitas pessoas que tiveram carreiras incríveis, os chefs  em geral, trabalharam com muitos... chefs. E há pequenas peças que se agarram a nós para a vida; é isso que nos faz ser quem somos, pelo lado bom e mau. Na escola de culinária, tive um chef que nos contou uma história sobre os 30 chefs  que fizeram dele a pessoa e o profissional que é - falou-me da experiência de trabalhar com todos esses chefs  e cozinheiros pela Europa fora e aprender o ofício. Sim, porque é um ofício! Daí que valorize essas pequenas aptidões adquiridas ao longo do caminho, e que nunca paramos de aprender: quisemos contar uma história sobre o modo como Carmy se construiu.”

Depois desse résumé  do início, concebido pelo intérprete do faz-tudo Neil Fak, The Bear continua em modo de trailer alargado sobre a cena local, apanhando o ambiente da restauração em Chicago, como quem está a reunir imagens para um documentário. Porquê este olhar que extravasa o domínio da ficção?

Liza Colón-Zayas: o episódio mais comovente pertence-lhe. Direitos reservados

Segundo Matheson, “estamos apenas a mostrar o quanto amamos Chicago”. E porquê amar Chicago? Porque, diz White, “é uma excelente cidade, onde se pode encontrar comida maravilhosa em todos os tipos de escala”, ou porque “muitos restaurantes, e as pessoas que neles trabalham, têm sido superbenéficos para a série, de certa maneira, ajudando a fazê-la. Sejam chefs vindos de spots incríveis, que nos ensinam e deixam usar os seus locais, ou... Vocês percebem, é uma bela relação, pela qual estamos muito gratos”, reforça Ayo Edebiri, a verdadeira segunda protagonista de The Bear, Sydney.

Edebiri, ela mesma, que realizou o melhor episódio desta temporada, curiosamente não à volta dos tachos, mas focado nas circunstâncias do passado de Tina, a cozinheira porto-riquenha de Liza Colón-Zayas que se afeiçoou a esta cozinha disfuncional.

Sobre a experiência desse primeiro passo como realizadora, Edebiri transpareceu o entusiasmo: “Foi o máximo! Adorei mesmo. Já era como um sonho trabalhar com esta equipa enquanto atriz e, perante a possibilidade de estar atrás da câmara num episódio, esse sentimento só se amplificou. Impressionava-me todos os dias com a oportunidade de dirigir alguns dos meus atores favoritos - foi uma espécie de masterclass, mas também um presente. Dei comigo a pensar que talvez este seja o melhor trabalho do mundo... Ou, pelo menos, empatado em primeiro lugar com o da representação. Enfim, foi fantástico.”

Sempre o luto

O que também não deixou de ser uma marca vital da The Bear é o luto e a mágoa - nas suas diferentes manifestações em diferentes personagens - escondidos por trás da busca pela excelência. “Acho que é um dos pontos fortes da série, e uma das razões pelas quais diz tanto a tantas pessoas: a dor é o rio que nos atravessa a todos. É das poucas coisas que temos em comum, enquanto experiência humana. E isso continua nesta temporada, com cada um a tentar lidar, ou não”, reconhece Ebon Moss-Bachrach, subentendendo as dificuldades do “primo” Carmy em lidar com ambos os tipos de dor.

Na bagagem pessoal destes atores fica sobretudo uma nova empatia para com as equipas dos restaurantes. “Eu agora olho para os empregados de mesa e penso para dentro: pare de fazer isso... Deixe-me ajudar”, confessa Ayo Edebiri. “Eu tento dar uma espreitadela na cozinha, só para ver como está aquela energia e caos, ou o que quer que seja...”, diz Liza Colón-Zayas, sorridente. Já Jeremy Allen White assegura: “Ganhámos uma hipersensibilidade em relação aos restaurantes, sem dúvida”.

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