Sete crimes para sete boas séries

Sete crimes para sete boas séries

Das muitas séries a estrear todas as semanas, há sempre aquelas que, apesar de bastante recomendáveis, não têm direito a holofotes mediáticos. Sobretudo as séries de crime, de tal modo fazem parte da paisagem. Aqui ficam algumas novidades e outros títulos recentes que provavelmente não viu.
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Com a estreia, hoje, de uma série de crime baseada num best-seller e protagonizada por Jake Gyllenhaal, interrogámo-nos: será que há mais ficção televisiva adulta deste género, ofuscada pelos lançamentos de renome? Uma breve pesquisa e várias horas de visionamentos levaram à proposta que se segue, de sete boas séries, algumas possivelmente perdidas na abundância dos respetivos catálogos. Séries que vão além do domínio da produção americana, mostrando a diversidade de narrativas e abordagens dentro do mesmo género - o crime -, com homicídios e relações humanas a desenharem episódios de alta tensão.

Presumível Inocente

Onde ver: Apple TV+

Eis, antes de mais, a aposta forte da semana. Regressando ao romance homónimo de Scott Turow, de 1987, que tinha sido adaptado ao cinema por Alan J. Pakula, com Harrison Ford no papel principal, Presumed Innocent dá agora oportunidade a Jake Gyllenhaal para brilhar no perfil ambíguo de uma personagem que luta pela prova da sua inocência, ao mesmo tempo que se afunda em indícios do contrário. Essa personagem é o procurador adjunto Rusty Sabich, que se torna praticamente o único suspeito do macabro homicídio da colega e amante Carolyn Polhemus (Renate Reinsve, a atriz de A Pior Pessoa do Mundo), mergulhando num pesadelo que envolve a sua mulher e os dois filhos, para além do Ministério Público de Chicago, onde gerou inimizades com colegas. 

Criada por David E. Kelley, a série de oito episódios surge como um thriller mais orientado para a instabilidade e desespero de Rusty - em contraste com a firmeza da interpretação de Harrison Ford no filme de 1990 -, que alarga o ângulo às outras personagens, para medir o desconforto geral. É uma poderosa matemática de suspeição, que vai baralhando as contas entre a possível culpa e inocência manchada do protagonista. De resto, neste enigma de cores sólidas e intérpretes no topo das suas capacidades, há ainda uma certa diversão em ver Gyllenhaal no confronto direto com o cunhado (na vida real) Peter Sarsgaard, que assume a pele do advogado de acusação, movido pelo ódio pessoal e atraído, talvez, por uma semelhança de egos.

Jana - Marcada para a Vida

Onde ver: TVCine Edition (a partir de dia 25)

Mais uma adaptação de um best-seller, neste caso, um policial sueco de Emelie Schepp (editado por cá pela D. Quixote), Jana - Marcada para a Vida traz outra história de procuradores, em torno do passado oculto da personagem do título. A saber, Jana Berzelius, que está a dar os primeiros passos como procuradora pública, pede para auxiliar na investigação da morte de um responsável da Agência de Migração, sem revelar o verdadeiro motivo do seu interesse pelo caso... Que visões são aquelas que lhe atravessam a mente como flashes de filme de terror? Jana foi uma criança refugiada e saberá mais sobre os contornos deste assassinato do que qualquer polícia ou funcionário do estado.
Assentando na rapidez dos movimentos da personagem interpretada por Madeleine Martin, e em particular na sua aptidão para o risco, a minissérie sueca de seis episódios vai aumentando a adrenalina conforme o trauma do passado lança luzes sobre o mistério do presente. Aqui está o thriller nórdico na sua tradição mais enérgica, sem perder de vista as camadas de drama que o sustentam. Chega ao TVCine Edition no dia 25 (22.10h), com novo episódio todas as terças-feiras.

Cara a Cara

Onde ver: Filmin

Imagine-se uma série em que cada episódio, de 30 minutos, corresponde a um interrogatório entre duas pessoas, na tentativa de resolução do mistério de um assassinato. Cara a Cara (2019-2023), como o título bem sugere, é essa série de antologia. Um notável exercício noir dinamarquês que, ao longo de três temporadas de oito episódios, reduz a lógica da investigação a diálogos tensos, à procura da chave para solucionar um quebra-cabeças. 

No primeiro capítulo há um pai a investigar a morte da filha (que não acredita ter sido suicídio) e no terceiro e último, que chegou este ano à Filmin, temos o mano mais velho de Mads Mikkelsen, Lars, no papel de um magnata do imobiliário perturbado pela morte da sua protegida, e consumido pela ansiedade furiosa de descobrir o responsável pelo homicídio. Criada por Christoffer Boe, que não se descuida um milímetro nos valores da encenação elegante e minimalista, Cara a Cara é um modelo deveras original dentro do clássico thriller escandinavo.

A Mulher na Parede

Onde ver: SkyShowtime

Fiquemos mais um pouco em território de trauma. Evocando um tema incómodo da história da Irlanda, a minissérie A Mulher na Parede constrói a sua ficção através da memória dolorosa das “Lavandarias de Madalena”: asilos para mulheres que existiram até ao final do século XX, administrados por ordens católicas onde as freiras lucravam do trabalho escravo de jovens caídas em desgraça. Vítima desse passado ignominioso, Lorna Brady é a mulher no coração de um drama gótico, sonâmbula e de ar assustado - alguém que facilmente se identifica como a maluquinha da aldeia -, cuja confusão entre o sono e o estado de vigília dificultará o apuramento da verdade sobre o desaparecimento de outra mulher... 

Produção britânica assinada por Joe Murtagh, os seis episódios de The Woman in the Wall ambientam-se em Kilkinure, uma pequena cidade fictícia da Irlanda, no ano de 2015, para onde se dirige um jovem detetive vindo de Dublin, com ganas de resolver um caso profundamente enraizado na dor de um grupo de mulheres daquela província, que nunca conseguiram obter nenhuma forma de justiça. A interpretação arrepiante de Ruth Wilson como Lorna é o pilar deste policial sombrio, com elementos surreais, mas a textura e equilíbrio de tom permitem manter o espectador à tona, a observar os traços realistas.

Um Homicídio no fim do Mundo

Onde ver: Disney+

Entra-se no mundo de Darby Hart (perfeita Emma Corrin) ao som de The End, dos Doors, e quando damos por isso já estamos num autêntico cenário gelado “em parte incerta”, onde uma morte estranha se impõe como mistério por resolver. A heroína de Um Homicídio no Fim do Mundo é essa jovem detetive amadora da geração Z, com habilidades de hacker, que viaja até um lugar remoto na Islândia para participar num retiro com outras mentes brilhantes, a convite de um multimilionário (Clive Owen) que está a preparar um futuro ultra tecnológico... Na primeira noite, um dos convidados morre à sua frente, mas as circunstâncias são mais complexas do que se pode descrever. 

Perante esta sinopse, qualquer espectador dirá que “já viu este filme” e não vale a pena perder tempo. Mas o interessante das fórmulas que compõem as boas séries de crime é que, depois de uma premissa mais ou menos reconhecível, a dinâmica da investigação ganha vida própria - e agarra ou não agarra. Os showrunners Brit Marling e Zal Batmanglij perceberam isso muito bem e incumbiram Darby/Corrin de um espetáculo de Sherlock Holmes para os nossos dias, com a Inteligência Artificial a entrar no jogo sem tiques de banalidade.

As Longas Sombras

Onde ver: Disney+

Escrita e realizada por Clara Roquet, uma das novas e talentosas cineastas espanholas, que ficámos a conhecer através do belo drama de verão Libertad (2021), As Longas Sombras tem também a memória trágica de um verão em Maiorca como motor narrativo. Tudo acontece no regresso de uma realizadora (Elena Anaya) à casa de família em Alicante, para a pôr à venda, e no seu consequente reencontro, após 25 anos, com o grupo de amigas do liceu. Reencontro esse que coincide com a descoberta dos restos mortais de uma jovem da sua turma, Mati, desaparecida no tal estio de 1998 em Maiorca, durante uma viagem de finalistas. A irmã da falecida, inspetora da polícia local, decide investigar e relança a pergunta assombrosa: o que é que afinal aconteceu a Mati? 

Ao longo desta série de seis partes, inspirada no romance homónimo de Elia Barceló, vai-se percebendo as nuances da amizade que une aquelas mulheres, e de que forma elas foram individualmente marcadas pela rapariga que, nos registos de vídeo, parece ser vítima de bullying do grupo... Enfim, é preciso cautela com as primeiras impressões. A grande sensibilidade deste thriller feminino passa pela descodificação lenta da verdade de cada personagem, do peso das suas mágoas, segredos e mentiras, à procura de um qualquer apaziguamento.

The Jinx: The Life and Deaths of Robert Durst

Onde ver: Max

Uma das melhores séries documentais dentro do género true crime, The Jinx vai surpreender quem ainda não conhecia a primeira parte deste trabalho do realizador Andrew Jarecki, lançado em 2015, que se tornou um dos objetos televisivos mais impactantes no olhar sobre um suspeito de homicídio: o herdeiro imobiliário norte-americano Robert Durst (1943-2022). Quem era esta figura? Os seis episódios da referida primeira parte ocupam-se da estranheza do retrato, que termina com o próprio a dizer - julgando que tinha o microfone desligado - “Matei-os a todos, claro.” 

Vencedora de dois Emmys, incluindo Melhor Documentário ou Série de Não-ficção, The Jinx ganhou agora uma segunda parte, estreia recente na Max, que vem acrescentar (ainda) mais contexto a uma história fascinante pelo detalhe jornalístico e forense com que foi tratada. Não é o tipo de construção narrativa que prende as atenções do simples curioso mórbido, mas sim um estudo aprofundado de um homem que parecia bizarramente seguro da sua impunidade. Não há outra explicação para Durst se ter oferecido a conversar com Jarecki, a fim de “organizar ideias”: o ato que fez nascer a série.

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