Depois do prémio de melhor realização em Cannes para Grand Tour, de Miguel Gomes, agora é On Falling, de Laura Carreira a vencer em San Sebastián o mesmo prémio. Feito notável para o cinema português, ainda mais notável neste caso, para uma cineasta com a sua primeira obra, uma história sobre a precariedade de uma emigrante portuguesa na Escócia. Prémio justíssimo para um filme que no meio do realismo extremo tem achados da ficção, do cinema mais puro. De referir que Pedro Martín Calero, de El Llanto, venceu também em ex-aequo esta Concha de Prata. No discurso de agradecimento, Laura Carreira agradeceu à família e aos amigos, sobretudo por não terem pensado que era louca por perseguir uma carreira no cinema. “ Parti para esta minha primeira longa com medo, havia muito por onde errar, mas com a ajuda da minha equipa e dos meus produtores, consegui, pouco a pouco, ter menos medo. A generosidade de todos fez-me recordar que o cinema é uma arte coletiva. Este filme fala de como vivemos de uma maneira solitária. Temos de começar a pensar para além disso, valorizar as pessoas mais do que os benefícios”, concluiu..O ouro, esse, foi para uma outra co-produção, Tardes de Soledad, de Albert Serra, com produção da Rosa Filmes. O cinema espanhol a voltar a vencer no seu maior festival. Foi realmente o melhor filme, ensaio de choque sobre o que o cinema nos pode dar no inferno de uma arena durante uma tourada. Um transporte sensorial a um antro religioso de morte e medo. Não está comprado para Portugal e isso também assusta….O segundo prémio mais importante foi para o cinema independente americano, com The Last Showgirl, de Gia Coppola, drama sobre uma corista de um espetáculo erótico de Las Vegas em declínio. Uma encomenda de comeback para Pamela Anderson que, entretanto, vai ser distribuída internacionalmente por uma major de Hollywood..Do palmarés salta ainda à vista a dupla vitória de François Ozon. O seu Quand Vient L’Automne venceu melhor argumento e melhor interpretação de elenco para o promissor Pierre Lotin..Com alguma surpresa, Patrícia López Arnaiz, em Los Destellos, venceu a Concha de interpretação, deixando para trás favoritos como Ralph Fiennes, em Conclave, Leonardo Sbaraglia em El Hombre que Amaba los Platos ou Pamela Anderson em The Last Showgirl..O tristíssimo testamento de Mike Leigh.Hard Truths, de Mike Leigh, um dos pesos-pesados da competição..Aos 81 anos temos o regresso do mestre inglês do realismo social, Mike Leigh. O filme chama-se Hard Truths e é uma história dura, duríssima, sobre uma família mergulhada numa depressão total. Leigh a filmar uma raiva interior através de uma crise de saúde mental de uma senhora londrina mergulhada numa escalada de ódio obsessivo..Marianne Jean-Baptiste, atriz descoberta por Mike Leigh em Segredos e Mentiras (drama de 1996 que lhe uma nomeação ao Óscar de secundária), é uma esposa triste, afetada pela inaptidão social de um filho de 22 anos e com o silêncio de um marido que vive para o trabalho. A dada altura, explode: decide ficar contra o mundo..O filme ficou fora do palmarés mas é um regresso seguro de Leigh, neste caso com uma profundidade azeda levada a um extremo. Na sessão oficial, as palmas foram tímidas - o ódio interior e exterior da protagonista não tem catarse - esse tirar do tapete narrativo arruma com o espectador. E Hard Truths tem as lágrimas e suspiros mais duros que o cinema britânico nos deu em muitos anos, sendo que o mais fascinante nesta estrutura de realismo seja a aproximação da tensão com as métricas do teatro. O grande teatro de Mike Leigh! Há quem diga que pode ser o último filme deste cineasta.Em San Sebastián