Seca - Roma desidratada 

Um conjunto de personagens interligadas numa cidade onde não chove há três anos. Seca é o apocalipse segundo Paolo Virzì.

Num tempo em que os representantes do bom cinema popular italiano se contam pelos dedos, Paolo Virzì continua a ser um nome que suscita alguma confiança. Veja-se, por exemplo, o que ele fez com a nostalgia do fim da era gloriosa desse cinema em Noites Mágicas (2018), cruzando o simbolismo fúnebre do último filme de Fellini (A Voz da Lua), estreado em 1990, com o triunfo da televisão, que dava em direto a derrota de Itália no Mundial de Futebol do mesmo ano, a penáltis, face à Argentina de Maradona... É mais ou menos este tipo de cruzamentos (nada) aleatórios que também define Seca, um filme literalmente recheado de personagens e situações, ora dramáticas ora burlescas, que convergem para a revelação de que, afinal, toda aquela gente está interligada.

Desde logo, o que as une é a cidade esmaecida onde vivem: Roma atravessa uma crise hídrica, resultado de três anos sem chuva, e o corte no abastecimento público de água pode acontecer a qualquer momento, num verão de temperaturas muito elevadas.

Virzì não está para meias medidas, e não o digo no sentido do filme com "mensagem" ecológica, ou coisa que o valha. Não é isso que está em causa: este é um ato criativo que apenas se serve de um cenário apocalíptico bastante realista para desenvolver um conceito coral americano ao estilo de Magnólia e Colisão. O único aspeto que fragiliza a empreitada simpática de Seca é o peso-pluma das histórias de uma catrefada de personagens, que são sempre submetidas à "inteligência maior" de um argumento que só as quer arrumar na posição certa para terminar a sua ronda em perfeição. Num elenco que concentra atores como Valerio Mastandrea, Monica Bellucci ou Silvio Orlando, sente-se um pouco o desperdício, o que não deixa de ser curioso tendo em conta o tema da privação. Mas, no geral, e sendo impossível ir ao pormenor do vasto mosaico, Virzì consegue deixar a sua marca de um cinema que se equilibra bem na corda bamba da comédia dramática, com uma escrita inventiva e ambiciosa. Faltou um bocadinho assim.

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