Saul Davies: “Os James continuam a ser um animal com muita energia”

Saul Davies: “Os James continuam a ser um animal com muita energia”

Os James editaram o 18.º álbum de originais, Yummy, que marca um regresso à pop mais orelhuda do período clássico da banda inglesa. Desengane-se, porém, quem julga que o grupo vive agarrado ao passado, como explica o guitarrista Saul Davies ao DN. E confessa a sua admiração por Sérgio Godinho: “um verdadeiro génio”.
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Foi num português perfeito, aprendido nos já muitos anos que leva a viver em território nacional, que o músico inglês Saul Davies falou com o DN, numa conversa motivada pelo lançamento do novo álbum dos James, Yummy, que acabou por derivar para muitas temáticas. Afinal, com mais de 40 anos de carreira, não faltarão assuntos, muito embora a banda continue a preferir “olhar para o futuro, em vez de ficar agarrada ao passado”, que algures pelo início dos 90 chegou mesmo a ser glorioso, graças a discos como Gold Mother, Seven ou Laid, compostos por canções pop perfeitas. Um “referencial” que o grupo de Manchester de certa forma recuperou para este novo trabalho, assumidamente “clássico”, mas também com alguma “criatividade à solta”, como o público português poderá ter oportunidade de apreciar ao vivo no dia 22 de junho, no Rock in Rio.

Ainda se divertem a fazer música depois destes anos todos? É esse o segredo da longevidade?
Claro que sim, é o nosso trabalho, mas acima de tudo é um enorme prazer. Gostamos muito de nos juntarmos e dar largas à nossa criatividade. Já temos 18 discos, mas continuamos sempre a olhar para a frente. Já temos uma certa idade enquanto banda, é certo, mas os James, a esse nível, continuam a ser um animal muito vivo e com muita energia.

Esses álbuns mais antigos não representam um peso na altura de criar música nova, no sentido de conseguir estar à altura daqueles clássicos que toda a gente conhece e canta nos concertos?
Não, porque quando nos juntamos para escrever música nova, estamos completamente de cabeça vazia, somos uma verdadeira folha em branco. Sempre foi assim, as nossas referências nunca são do passado, mas sim a projetar o futuro. Já nos concertos é diferente, porque temos sempre de tocar os clássicos, apesar dos nossos fãs também gostarem de ser surpreendidos com um lado B ou uma música que raramente tocamos ao vivo.

Depois de 40 anos de carreira o que é que os motiva, é a ambição de continuar a chegar a cada vez mais pessoas, como disseram há alguns anos numa entrevista?
Sim, já são quatro décadas, caraças. Bem, creio que isso é a natureza humana, todos nós queremos sempre algo mais na vida: mais dinheiro, mais amor, mais férias (risos) e nós, nesta banda, também queremos sempre mais. Admito que atingimos um nível perfeito enquanto banda, mas mesmo assim, sempre que vejo um daqueles grupos de nível mundial, nunca deixo de pensar que, se eles o conseguiram, nós também ainda podemos lá chegar. Não digo isto contra ninguém, mas de facto sentimos que as nossas canções merecem esse reconhecimento. Não queremos mais dinheiro, apenas mais público.

Mas reconhece que haverá poucas bandas com tantos clássicos, com canções que são imediatamente reconhecidos por toda a gente, mesmo que nem sequer saibam quem são os James…
Sim, ainda há pouco tempo isso me aconteceu num táxi. O condutor perguntou-me o que fazia, disse que era música, numa banda chamada James, que ele não conhecia, mas quando lhe cantei algumas das nossas músicas, soube logo quem éramos (risos). Mas ainda bem, porque ser famoso não é assim tão bom, quero continuar a poder ir fazer as compras ao Pingo Doce descansado. Prefiro muito mais que o nosso crescimento seja avaliado em termos de criatividade, por exemplo.

Este álbum, sai apenas um ano depois do anterior, parece ser um trabalho muito mais clássico, mais pop, mais à James, porquê essa opção?
Foi culpa minha (risos). Insisti muito para criarmos um álbum mais referencial e os meus colegas concordaram, mas ao mesmo tempo é também muito exploratório e atual. Mas sim, concordo, que é um álbum clássico dos James, ao nível melódico. Foi algo que saiu de forma natural, no estúdio e depois, em conversa com o nosso produtor, decidimos assumir esse caminho. Por vezes há uma tendência, em certas bandas, de se continuar sempre a fazer o mesmo, e há outras que estão sempre a desbravar novos caminhos. Desta vez nós fizemos as duas coisas num mesmo disco. Usámos a parte referencial dos anos 90 em certos temas e noutros deixámos a criatividade à solta.

Quais são os seus temas preferidos do álbum?
Creio que há três que são o verdadeiro coração do disco: Stay, Shadow of a Giant e Butterfly. Esta última é particularmente importante, por incluir uma série de influências musicais que sempre me acompanharam ao longo da vida, como Pink Floyd, Talk Talk e, claro, James. Além disso gosto muito da viagem visual até às profundezas do oceano, em busca do que quer que seja, que a letra do Tim nos proporciona nessa canção.

Como vai ser o concerto do Rock in Rio, já têm alguma coisa preparada?
Ainda não, confesso, vamos decidir mais próximo data. Somos verdadeiramente uma banda de palco, aceitamos essa definição, e quando tocamos em festivais, até pelo tempo mais limitado, o nosso objetivo, como falámos há pouco, é sempre o de tentar chegar ao maior número de pessoas. Estamos a falar de 40 mil pessoas ou algo assim, é natural que queiramos criar um momento especial para elas, fazendo valer as nossas grandes canções.

O que é, para si, uma grande canção?
Conhece uma canção chamada Grão da Mesma Mó, do Sérgio Godinho? Isso é uma grande canção, é talvez a melhor canção que ouvi nos últimos dez anos. Talvez um dia a convidemos o Sérgio para cantar uma das nossas canções, isso seria incrível. É um verdadeiro génio, o Sérgio Godinho, um artista muito especial. Gostava que um dia ele me explicasse a letra dessa música, que é muito complexa para alguém como eu, que não tem o português como primeira língua. Já me fizeram uma tradução, mas tenho a certeza que me escapou alguma coisa, porque o Sérgio Godinho é um mestre da escrita. E está numa forma fantástica, um amigo meu foi vê-lo ao Coliseu do Porto e enviou-me um vídeo dessa música, que artista incrível. Posso mesmo dizer que essa canção mudou a minha vida. Nunca o conheci, mas enquanto músico, quando somos confrontados com algo verdadeiramente brilhante, alguma coisa tem de mudar. E senti que isso aconteceu comigo quando ouvi pela primeira vez o Grão da Mesma Mó, que é uma canção, para mim, ao nível das melhores Leonard Cohen, por exemplo.

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