Rita Vian: "Saltar de um grande palco para outro mais pequeno traz-me equilíbrio para tudo"

O primeiro disco, CAOS"A, tem apenas um ano e meio mas já lhe abriu as portas de alguns dos principais festivais em Portugal. A cantora portuguesa, de 31 anos, que sempre viu na escrita uma forma de resolver sentimentos, fala do prazer que ainda sente em se dar a conhecer ao público. Casa da Música e Museu do Oriente são as próximas paragens.
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Vodafone Paredes de Coura, NOS Alive, Bons Sons, Festival F e agora o Misty Fest com concertos na Casa da Música (sábado, dia 5) e no Museu do Oriente (domingo, 6). Foram vários os grandes palcos onde atuou desde que lançou o EP de estreia, CAOS"A, em junho de 2021. Era esta a meta que tinha definido ou não imaginava que acontecesse tudo assim, tão rápido?

Não, não imaginava e ainda bem. Foi um salto muito grande que dei, ao trazer a público um pouco das minhas questões existencialistas - quem me conhece, sabe que são um traço muito forte da minha personalidade -, apesar de ser uma pessoa bastante reservada. Trazer isso para a minha música, e num primeiro trabalho, era um pouco uma incógnita, no sentido em que tu nunca sabes como é que isso se traduz para pessoas que não te conhecem ou como é que se traduz na própria música, porque é preciso algum tempo e distância para entender a sua sonoridade. Por isso, cada passo, cada palco, foi uma surpresa. E sempre sem criar muitas expectativas.

E isso trouxe alguma ansiedade?

Sim, principalmente porque mudei de vida de uma forma muito abrupta. Foi tudo muito rápido e também tive de tomar o meu tempo para processar, isolar-me um pouco para compreender tudo. Mas vendo sempre o lado positivo.

Nesta fase ainda passa das grandes audiências dos festivais para outras bem mais pequenas. O que retira de uma e outra experiência?

Na verdade, essa é a melhor parte: o contacto com a realidade. Ir a um sítio e perceber que muitas das pessoas ali presentes estão a conhecer-te e a ouvir-te pela primeira vez. Há casos em que se tratam de concertos municipais, em que estamos num determinado ponto da cidade, e o público é quem circula por ali, com toda a liberdade para escolher se fica a assistir ou não. E ver muitas vezes a surpresa na cara das pessoas, a atenção às letras, a curiosidade que as leva a pararem ali um bocado a observar e a ouvir-me, é o que me mais me traz a sensação de percurso, de estar a fazer a coisa certa, de ser capaz de cativar aquelas pessoas. Essa décalage entre ir a um palco muito grande no início de carreira e depois, no dia a seguir, estar num palco muito pequeno traz-me equilíbrio para tudo.

Diz que percebeu cedo que gostava de escrever sobre o que sentia. Que era uma maneira de resolver sentimentos que de outra forma não conseguia exprimir. Nesse processo, que é também um processo criativo, vai resolvendo uma questão de cada vez ou acumula várias?

Às vezes tento que cada canção reflita sobre uma só questão, mas depois dou pela canção a ter muitas lá misturadas... Mas, sim, existe um pouco essa organização emocional, de tentar que cada canção resolva uma questão. É importante que tenha uma linha que tu segues e com a qual te consegues identificar. Para chegares ao sítio onde queres chegar e resolveres não só o teu sentimento mas resolvê-lo com uma boa canção.

Tem um estilo de música que é difícil de encaixar numa prateleira. A voz remete para o fado, se cantar os seus textos apenas a cappella a melodia está lá toda, mas o resultado final das canções tem sempre uma base eletrónica bastante forte e muito dançável. Consegue sintetizar a sua bússola musical? Que bandas/artistas a inspiram e que nunca saem da sua playlist?

O que permanece na minha playlist ao longo do tempo, e onde eu regresso, às vezes inconscientemente, quando não tenho nada em específico que me apeteça ouvir num dia, pode talvez sintetizar-se em três vertentes: um lado muito falado, pensado e existencial - José Mário Branco, Sam the Kid, Manuel Cruz, Jorge Palma; outro mais instrumental, sempre que quero pensar, e pode ser para ouvir Bernardo Sasseti, por exemplo, ou ficar apenas a ouvir jazz; e um terceiro mais cultural, que me traz a realidade atual, o que se faz agora na música e na modernização da cultura, onde entra a Maria Reis, a Doralyce ou os nossos vizinhos Rosalía, Nathy Peluso, C. Tangana, que têm uma musicalidade que me inspira muito.

As suas canções têm de primeiro de resultar a cappella, deixando para um segundo momento a parte instrumental?

Acontece das duas formas. Enquanto cresci, cantava-se muito a cappella em casa dos meus avós, por isso é algo que me é familiar e confortável de fazer. Mas acontece-me tanto criar uma canção a cappella como me acontece surgir alguma melodia que faça no piano, ou que alguém me envia, e que me traz de repente uma linha melódica e um texto, idealmente ao mesmo tempo. Mas, sim, gosto muito de melodias e acho que elas sobreviverem a cappella é o primeiro sinal que são uma boa canção. Por outro lado, se tiveres uma melodia simples, com apenas duas notas, e um grande texto para ela tu consegues sempre fazer com que resulte a cappella, quase como um monólogo.

CAOS"A é o nome do seu primeiro EP. Um título que mistura três palavras fortes: Caos, Casa e Causa. Para si, as três fazem sentido em conjunto? Porquê?

Houve um dia em que esse nome me caiu no colo. Simplesmente, vi as palavras casa e caos muitas próximas uma da outra e juntei-as: Caos"a. Esse nome ficou ainda parado uns três anos, à espera, no fundo, que eu conseguisse juntar-lhe um disco. O nome do disco já estava decidido há muito. Eu acho que o propósito sobrevive sempre ao tempo. Ao longo da vida há tantas coisas que nos acontecem, que o mais importante para mim sempre foi manter um foco. E que esse foco fosse superior a todas as distrações à nossa volta. Por isso, em todos os caminhos por onde fui andando tentei sempre que a causa fosse superior a todo esse caos. Então, essa é a casa que eu construo todos os dias: poder escrever e cantar como eu gosto, revelando algo de mim, da minha experiência, mas sem ser em demasia. Apenas o suficiente para ser compreendido de forma empática por quem escuta e se identifica com aquela mensagem.

Destaquedestaque"Gosto muito de melodias e acho que elas sobreviverem a cappella é o primeiro sinal que são uma boa canção."

Estes dois concertos em Lisboa e Porto são já uma espécie de balanço final de 2022?

Não é só de 2022. Estes dois concertos trazem-me a sensação que, de certa forma, se fecha um ciclo e se dá entrada em algo novo. Foi uma primeira etapa que teve todas essas vitórias de que falámos no início, com muitas surpresas, muitas mudanças grandes, muitos exercícios, mentais e de habituação, para nos irmos adaptando. E que já estão feitos. Ir agora ao Porto e a Lisboa e estar em palco já na minha pele, com segurança, sabendo que há muito mais por aí para descobrir e fazer, é entusiasmante.

Na música HPA, tem uma frase que fala em "trilhos abertos para mudar de vida, sempre que aqui me cumprir". É isso que está a acontecer agora?

Sim... Gosto muito dessa frase, porque fala sobre a nossa capacidade de nos reinventarmos. Nunca temos certezas sobre o que vai acontecer no ano a seguir, ou sequer no dia a seguir, por isso é importante manter essa capacidade de estares presente no momento e te reinventares com o que a vida te traz. Agora, para mim, mais do que um novo trilho, o que aí vem é uma continuação. Já não me apanha despreparada.

É também um trilho que vai trazer um novo disco em 2023?

Já estou a algum tempo a trabalhar num disco novo. Tem algumas coisas próximas da conclusão, mas ainda é cedo para falar sobre isso.

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