Saber relaxar. É esse o estado de espírito de Richard Linklater, cineasta independente americano, numa esplanada de terraço de um hotel de design no Lido, em Veneza. O homem está feliz com as críticas que a sua comédia policial Assassino Profissional está a ter e por ter conseguido fazer um filme como quis, como bem entendeu. A história de um polícia que se torna mestre de disfarces para armar ciladas a prevaricadores que tentam assassinar alguém via assassino contratado. Um jogo de máscaras, tão lúdico como eficaz.Este é também o mesmo cineasta que foi aos Óscares com Boyhood- Momentos de uma Vida e que marcou gerações com a trilogia Antes. Um contador de histórias que mistura géneros e modulações narrativas, um artesão de um cinema americano que parece em vias de extinção..A prova dos nove.“Fiz um filme que sabia que tinha piada mas ontem, aqui no Festival de Veneza, foi porreiro perceber que todos se riem mesmo! Isto do humor nunca se sabe, mas julgo ter passado o teste. Foi a minha prova de conceito ou o que quer que lhe chamemos...”, começa por dizer ao DN.Logo de seguida, a conversa segue para o tema Glen Powell, o protagonista, ator que abre o livro e que já está embalado para a temporada dos prémios do próximo outono: “ele na minha cabeça já era essa grande estrela de cinema que todos dizem que ficou agora. Fizemos o Todos Querem o Mesmo em 2016, filme muito pouco visto. Quem o conhece pessoalmente percebe que ele é realmente uma estrela. O público é que talvez não tenha percebido logo...Era daqueles casos que apenas precisava dos papéis certos. A culpa é de Hollywood - já não se fazem tantos papéis que transformam alguém numa estrela! Isso é um facto, nem é uma observação minha. Vejam-se os filmes Marvel: as pessoas não vão ver o ator, mas sim a personagem. Mas uma estrela de cinema tem de ter personalidade, é isso que faz com que queiramos seguir uma carreira. Neste momento não temos muitas estrelas abaixo dos 35 anos. Neste filme, ao trabalhar com a Adria Arjona e o Glen, percebi que eles são estrelas de cinema a sério, mas para o serem de facto o sistema teria de funcionar. Sabe que mais, as pessoas adoram o star-system! Se agora já não existe creio que isso é um pretexto desse sistema para pagar salários mais baixos. Enfim, é como se estivesse a ouvir um executivo de Hollywood a dizer para ver-se livre das grandes estrelas...” .Crítica ao sistema americano.Ironicamente, Richard não precisou do sistema para ver esta pequena produção, entretanto adquirida pela Netflix, com a exceção de Portugal e de um ou outro território: “Hollywood fica sempre assustada com projetos que sejam feitos de forma livre. Para eles, um filme como este tem de ser uma obra-prima e não admitem um fracasso, ou seja, ninguém arrisca. É por isso que preferem colocar o dinheiro em algo com super-heróis ou assim, mesmo que sejam maus. Um mau filme, infelizmente, pode ser vendável e dar dinheiro. Eles sabem que do cinema americano independente não conseguem retorno, a não ser que tenha críticas muito boas e seja o filme do ano! Isto é um negócio. A culpa é um pouco de todos nós, no final do dia eles apenas estão a seguir o que o público lhes diz. Se o público não está interessado, os guionistas também não se interessam e muito menos os estúdios. Fala o sistema”. .O exemplo de Emma Thompson.Contamos-lhe que em Portugal e em muitos outros países ninguém quis ir ver Morre ...e Deixa-me em Paz, a comédia com Jack Black e Shirley MacLaine. Será que foi punido por isso? “olhe, curiosamente, nos EUA não fez nada mal. Quer dizer, consegui fazer esse filme por tuta-e-meia, foram cerca de 5 milhões de dólares...Foi um sucesso indie, embora pudesse ter feito muito mais. Fez 10 milhões, enfim, para os parâmetros independentes é um êxito, mas para o sistema não. Esse filme não foi um gigantesco sucesso porque quem o distribui não quis apostar nele. Para um título ser um sucesso na América há que gastar dinheiro na sua promoção. Detesto essa lógica do negócio”.Acerca das cenas de sexo contidas neste projeto, o realizador estreou-se pela primeira vez com uma coordenadora de cenas íntimas, coisa muito em voga no cinema industrial atual: “foi engraçado! Mas, claro, foi muito importante. Nunca tive problemas com essas coisas dos abusos mas isto dos coordenadores de intimidade é uma ajuda, sobretudo para quem é mais jovem e não tem experiência. Hollywood pode ser algo intimidante para quem está a começar, sobretudo ao lado de pessoas mais velhas que se acham todo-poderosas...Por exemplo, alguém ter de ficar nu à frente de toda a gente não é fácil e, às vezes, nem é preciso. Uma jovem atriz pode pensar que “é assim que se faz”e não é. Por acaso, a Emma Thompson fez recentemente um filme [Boa Sorte, Leo Grande] com cenas de sexo e defendeu muito os coordenadores de intimidade, mesmo admitindo que não precisou. Tem a ver com a experiência... Acho que é uma daquelas coisas que depende de cada ator”.Em breve, muito em breve, Linklater regressa com Nouvelle Vague, filme de risco: uma história sobre a feitura de O Acossado, de Jean-Luc Godard. Será certamente uma vénia a um dos filmes da vida de muito boa gente...Rui Pedro Tendinha, em Veneza