As muitas abordagens biográficas do mito Marilyn Monroe, ao longo do tempo, convergiram para um ponto de situação cultural: hoje, para as novas gerações, ela é mais um símbolo e uma ideia transportada pela sua imagem - que vários artistas se encarregaram de duplicar - do que propriamente uma atriz conhecida, de facto, pela sua presença inefável em obras de grandes realizadores. Pode-se saber de cor cenas deste e daquele filme, uma canção ou uma frase, porque se encontram com facilidade os excertos disponíveis em vídeos de YouTube, mas isso não equivale a ter visto o filme todo, ou a ter apreendido a essência de um ser cuja luz ficou retida na película. É um pouco contra essa memória fragmentada de Marilyn na era da internet, esse desconhecimento da verdadeira atriz no grande ecrã, que a Cinemateca, aproveitando o fenómeno mediático da estreia de Blonde na Netflix, apresenta agora um ciclo com uma dúzia de títulos iluminados por esta estrela..Com início na próxima segunda-feira, a homenagem "Marilyn de novo, Marilyn sempre nova" arranca com o magnífico Rio Sem Regresso (1954), de Otto Preminger (que terá segunda exibição no dia 25), o western agraciado com a dupla Monroe/Robert Mitchum, em que ela, na pele de uma cantora de saloon, dá sentido ao formato largo do CinemaScope... Exagero? Nunca. E outro filme que apetece cobrir de hipérboles (exibido no mesmo dia neste programa) é a obra-prima Os Inadaptados (1961), de John Huston, escrito pelo então marido de Marilyn, Arthur Miller. Por sinal, a derradeira longa-metragem dela, ao lado de Clark Gable, Montgomery Clift e Eli Wallach, com o preto e branco e a aridez do deserto do Nevada a chocarem contra o brilho comovente de uma personagem feminina que carrega uma espécie de anúncio do fim da Hollywood clássica..De Huston também se verá Quando a Cidade Dorme (1950), o film noir que valeu a Monroe um dos seus primeiros papéis de destaque (é a amante de um criminoso), e não podia faltar Niagara (1953), de Henry Hathaway, um dos mais famosos dramas que protagonizou, e cujo efeito de nostalgia se vislumbra numa cena de Dor e Glória, de Pedro Almodóvar....Entre as comédias, o menu é de luxo: dois Howard Hawks (A Culpa Foi do Macaco e Os Homens Preferem as Loiras), dois Billy Wilder (O Pecado Mora ao Lado e Quanto Mais Quente Melhor) e um Jean Negulesco, Como Se Conquista um Milionário, com Marilyn na boa companhia de Lauren Bacall e Betty Grable..Mas há ainda oportunidade de descobrir filmes menos vistos, sobretudo na dimensão justa do grande ecrã. É o caso de Os Meus Lábios Queimam (1952), de Roy Ward Baker, um thriller com Richard Widmark que marcou a estreia de Monroe como cabeça de cartaz, ou de Paragem de Autocarro (1956), de Joshua Logan, onde interpreta, de novo, uma cantora de bar que deixa um jovem cowboy perdido de amores, sem esquecer - e passe a redundância amorosa - Vamo-nos Amar (1960), de George Cukor, onde contracena com Yves Montand. De resto, Cukor, esse cineasta que tão primorosamente dirigiu as melhores atrizes de Hollywood, seria mesmo o último a filmá-la: Something's Got To Give ficou inacabado..dnot@dn.pt