Reino dos fungos de Sofia Arez viaja pelo mundo e chega a peças de roupa
Tem de se reaprender a olhar para as suas formas e perceber a extraordinária beleza da vida que é a terra." Quem o diz é Sofia Arez, uma artista portuguesa que mistura a sua arte com a ciência e natureza, rodeada dos seus quadros de cogumelos encontrados nos bosques e florestas de Portugal. Cinco destes quadros foram, entretanto, transformados em peças de roupa para a marca chinesa de roupa Peacebird.
A Visionaire, uma agência experimental norte-americana sediada em Nova Iorque, que colabora com artistas e marcas de todo o mundo, encontrou o trabalho da artista portuguesa online e convidou-a para integrar a sua empresa. "Recebi um e-mail da Cecilia Dean (responsável pela empresa e ex-modelo) e foi uma surpresa, porque não conheço ninguém dessa empresa. Ela descobriu-me online. Pesquisou artistas que pintam cogumelos e chegou até mim. E achou muita graça ao facto de eu ter vivido na China, já que ela é de origem chinesa e vive em Nova Iorque", disse Sofia Arez ao DN.
Depois disso, a marca de roupa chinesa Peacebird, parceira da Visionaire, comprou cinco dos seus quadros para criação de T-shirts, casacos e, futuramente, outras peças como calças ou saias. A coleção com as obras de Sofia Arez abrange tecidos ecológicos e etiquetas impressas em papel com sementes, que pode ser plantado.
Sofia Arez conseguiu ver algumas das suas peças online através da empresa Bao, uma plataforma chinesa semelhante à Amazon. "Fiquei surpreendida de ver que os fundos tinham cor porque eu pinto sempre no fundo branco", comentou a pintora, acrescentando que pediu a um amigo para lhe trazer uma T-shirt cor de laranja.
Os cinco cogumelos das espécies Laccaria, Collybia butyracea, Cortinarius e dois tipos diferentes de Amanita muscaria foram apanhados nas zonas de Lisboa, Sintra e nas Beiras. "Eles crescem geralmente no outono e estão debaixo das folhas escondidas. É lindo ver uma floresta coberta de folhas e nas zonas mais levantadas é onde estão os cogumelos", diz Sofia Arez, que apanha os cogumelos com uma pá, sem tirar completamente o micélio (raiz) e não tocando muito no fungo. O cogumelo mais popular e um dos favoritos de Sofia Arez é o Amanita muscaria, tipicamente vermelho e branco - faz lembrar os contos de fadas e os desenhos animados.
Sofia Arez considera que os cogumelos, por vezes, podem passar despercebidos, "sem forma e sem vida". Pelo que pretende chamar a atenção e dar a conhecer mais deste mundo: "Só se descobrem estes seres quando observamos com olhar minucioso." Para a artista, bastou apenas apanhar o primeiro cogumelo para entrar neste universo da natureza. "Quero pintar todos os cogumelos que possa encontrar", assume, antes de descrever os primeiros passos do processo criativo: "Normalmente, tenho cerca de dois a três dias para pintar quando o cogumelo ainda está na sua cor original e partir daí é de memória."
A artista escolheu utilizar a técnica da aguarela para os cinco quadros, porque "os cogumelos têm cerca de 90% de água" e, assim, consegue "transmitir a subtileza que os dois têm em comum". Em Portugal, há cerca de 4 mil cogumelos diferentes e Sofia já pintou cerca de 200 em três anos. O desenho nos quadros é feito à vista, não sendo científico: "Eu tenho, às vezes, ajuda para categorizar cientificamente os cogumelos, porque eles têm todos a forma e as cores corretas". Sofia Arez aprendeu a identificar estes fungos com alguns professores da Universidade de Ciências. Sempre que apanha um anota num caderno onde o encontrou, se há folhas em seu redor e o cheiro que tem o cogumelo. "Assim dá para identificar qual é a espécie", assegura.
As obras de Sofia Arez já foram expostas em vários países da Europa e da Ásia. Para além da pintura (chegou a dar aulas), faz também escultura, desenho, fotografia e vídeo. No seu percurso, fez as ilustrações para uma reedição do livro A Floresta, de Sophia de Mello Breyner.
Além de cogumelos, Sofia Arez coleciona e pinta quadros de líquenes, musgos e penas de pássaros. Em dezembro de 2022, teve em exibição alguns dos quadros dos líquenes no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, numa exposição intitulada Symbiosis.
mariana.goncalves@dn.pt