Única sobrevivente dos The Mamas & The Papas, Michelle Phillips está há muito afastada nas lides musicais.
Única sobrevivente dos The Mamas & The Papas, Michelle Phillips está há muito afastada nas lides musicais.AFP

Recordando The Mamas & The Papas: 'Mama' Michelle, 80 anos

Regresso sobre a rápida ascensão e momentos chave da carreira dos The Mamas & The Papas, o grupo que em apenas três anos de existência – 1965-68 – conquistou o mundo e deixou êxitos como California Dreamin’ ou Monday, Monday. O pretexto? O 80.º aniversário de Michelle Phillips, a única sobrevivente do quarteto.
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A única sobrevivente do famosíssimo quarteto americano The Mamas & The Papas (M&P) - Michelle Phillips - afastada há décadas das lides musicais, celebrou 80 anos no passado dia 4. Tempo para recordar momentos chave da sua carreira e da rápida ascensão do grupo que a tornou famosa e que, em menos de três anos de existência (1965-1968), conquistou o mundo com sucessivos êxitos discográficos.

Teias que a música tece

John era casado e pai de duas crianças. Quando o conheceu, Michelle apaixonou-se irremediavelmente por ele. Denny nutria um amor platónico por Cass, que o amava perdidamente. Em breve John divorciava-se e casava com Michelle, que adorava Cass, mas que não se furtava a flirtar - por vezes até um pouco mais do que isso - com os melhores amigos do marido, inclusivamente Denny.

Estes dois casais fariam história numa época em que se tinha esgotado o modelo de música folk interpretada por trios e quartetos vocais com guitarra, que ganhavam a vida cantando em clubes e cafés. A adesão do público a este género musical estava também a desvanecer-se e as oportunidades de trabalho para os músicos iam escasseando.

Em menos de três anos, The Mamas & The Papas conquistaram o mundo com sucessivos sucessos.

Com o impacto da passagem dos Beatles na televisão americana, em 1964, os jovens que tentavam afirmar-se profissionalmente na música folk, das duas uma: ou desistiam e seguiam outra via (como parece ter acontecido a muitos), ou passavam a apresentar-se com guitarras elétricas e bateria, emulando as superestrelas britânicas. Entre estes, o célebre caso de Bob Dylan quando deixou o folk e se dedicou ao rock, ou a banda The Byrds, que alcançava um tremendo êxito com Mr. Tambourine Man, uma canção precisamente de Dylan, gravada com instrumentos elétricos, criando aquilo que viria a designar-se como folk-rock (à falta de melhor termo). Os Mamas & Papas nasceram nestas circunstâncias, inebriados pelo universo dos Beatles e estimulados pelo sucesso dos Byrds, seus amigos da cena folk: “Se eles conseguem… por que não conseguiríamos nós?”

Recuemos um pouco.

Ao ritmo dos verdes anos


Em 1961 John Phillips, 25 anos, ganhava a vida como músico do muito bem-sucedido grupo The Journeymen, resultante da dissolução e reforma sucessiva dos anteriores The Abstracts e The Smoothies. Holly Michelle, 16, lindíssima e invulgarmente independente, conheceu-o numas férias quando ele tocava num clube de S. Francisco e, apesar da grande paixão por ele, não teve alternativa senão voltar para casa em Los Angeles e concluir o liceu. Por essa altura Denny Doherty, canadiano de 21 anos, fazia-se notar em Montreal pela sua excecional voz no trio de música folk The Colonials. E Ellen Cohen, agora sob o nome artístico de Cass Elliot, com 20, rumara a Nova Iorque onde procurava entrar no difícil meio do teatro musical.

Esta era, na época, a cidade das oportunidades para os músicos folk, onde acabariam todos por convergir: John com o seu trio - mais tarde remodelado e rebatizado The New Journeymen, quando convenceu Michelle a substituir um cantor demissionário - e Denny com os colegas canadianos, renomeados The Halifax Three.

Cass, entretanto, tinha conseguido apenas um pequeno papel no elenco de itinerância do musical The Music Man durante o verão. Mas no final do ano era convidada para um trio de música folk, The Triumvirate, em Chicago, regressando a Nova Iorque poucos meses depois com um novo elenco, agora chamado The Big 3, que por sua vez daria origem aos The Mugwumps, constituído por músicos de vários grupos desbaratados, entre eles Denny. A sólida experiência musical de John não evitava que passasse pelas mesmas vicissitudes e, em meados de 1964, perdia um colega no grupo, do que resultaria o convite a Denny, novamente sem trabalho.

Finalmente The Mamas & The Papas

Reza a História que os New Journeymen - versão John, Michelle e Denny - em 1965 resolveram ir de férias juntos para as Ilhas Virgens, nas Caraíbas, levando com eles alguns amigos. Aqui - os lemas da década, “paz, amor e liberdade” ou “sexo, drogas e rock’n’roll” completamente em vigor - viveram um período idílico, unanimemente descrito por todos como de extrema felicidade. Cass, que tinha ido lá ter mais tarde devido a um prévio compromisso, passou então a cantar informalmente com o grupo e, na prática, foi aprendendo todo o seu repertório. Quando o dinheiro e os cartões de crédito se esgotaram, constatando que nem sequer tinham como pagar a viagem de regresso - à exceção de Cass, que tinha bilhete de ida e volta - John resolveu que apostariam os últimos 20 dólares no casino, conseguindo que Michelle, com sorte de principiante, ganhasse aos dados o suficiente para comprarem as passagens. Em primeira classe!

Já em Los Angeles - o novo santuário para os jovens aspirantes ao estrelato - conseguem um contrato discográfico como quarteto, mudam o nome para The Mamas & The Papas e deixam o produtor Lou Adler (1933) absolutamente rendido, logo à primeira audição. Este, com receio de os perder e vendo neles alguma hesitação, perguntou o que pretendiam que lhes desse para assinarem com ele. É lendária a resposta de John: “Queremos um rio de dinheiro do seu escritório para a nossa casa”. Estavam falidos, tinham dívidas, dormiam na sala de um amigo… No dia seguinte estavam ricos, com dinheiro no bolso, uma casa, e cada um escolheu um carro ao seu gosto: um Cadilac descapotável para Denny, dois jaguares gémeos para o casal Phillips e um Porshe coupé para Cass.

Aquele retiro paradisíaco tinha-lhes proporcionado condições para fazerem música juntos e para John aprimorar os arranjos vocais que caraterizariam os M&P, tendo assim material mais do que suficiente para gravar um álbum de imediato. Todos tinham experiência de palco e de estúdio, pelo que não é de estranhar que, um ano depois, tivessem já um single e um álbum em Nº1, sendo depois galardoados com um Grammy.

Os tempos de euforia que se seguiram ao sucesso vertiginoso, descritos pelos próprios em entrevistas posteriores, autobiografias e memórias [entre outras, California Dreamin’ (Michelle Phillips, 198), Gettin’ Kinda Itchie (Ricard Campbell, 2023) ou o afetuoso My Mama, Cass, A Memoir (Owen Elliot-Kugell, 2024)], levariam ao típico desgaste das relações entre os quatro, sendo referidos em particular os problemas com o excesso de dinheiro e drogas a rodos. Em 1967 John e Michelle ainda estiveram envolvidos na organização de um dos eventos que marcaram a era hippie em S. Francisco - o Festival Pop de Monterey - em que os M&P tiveram honras de encerramento. Mas não duraram muito mais. Cass, considerada entretanto como a estrela do grupo - especialmente depois do êxito de Dream a Little Dream of Me - seria a primeira a bater com a porta e prosseguir uma carreira a solo, tristemente curta, mas bem-sucedida.

Cass Elliot (1941-1974)

Desaparecida aos 32 anos de idade - há precisamente cinquenta anos - no auge do sucesso, Cass foi encontrada sem vida devido a um ataque cardíaco, numa fase feliz da sua carreira em que esgotara lotações durante duas semanas no Palladium de Londres, a cidade de que tanto gostava e onde tinha conhecido os seus adorados Beatles.

Ficou na história pela voz carismática e indiscutível talento, extraordinária empatia com o público e sentido de humor. Superou as grandes contrariedades da obesidade que a afligiu ao longo da vida - um tópico desconsiderado na época e motivo de exclusão liminar no mundo do espetáculo - mas que não a impediu de singrar. Foi um raro exemplo da mulher independente num meio predominantemente masculino, cuja maior glória terá sido, certamente, a decisão de ser mãe solteira sem deixar que isso afetasse a sua carreira, escondendo até à morte a identidade do pai da criança.

Depois dos Mamas & Papas

John Phillips (1935-2001) prosseguiu uma carreira a solo, mas a crescente dependência de drogas duras limitava a qualidade do seu trabalho. Não obstante, em 1988 foi coautor de Kokomo, um estrondoso sucesso dos Beach Boys. Pouco antes tinha publicado uma autobiografia, Papa John (1986), onde assumia as loucuras do passado e os seus problemas de toxicodependência, bem como uma condenação e prisão. Em consequência dos excessos a saúde agravou-se e acabou por sofrer diversos problemas que o levaram à morte aos 65 anos.

Denny Doherty (1940-2007) ainda manteve atividade musical nos anos 70, incluindo numa nova versão dos Mamas & Papas com John e a sua filha mais velha, e criou um espetáculo de sucesso em Nova Iorque intitulado Dream a Little Dream, um monólogo encenado sobre a história do grupo. De regresso ao Canadá prosseguiu uma carreira de ator, principalmente em televisão, morrendo aos 66 anos, de ataque cardíaco.

Michelle, cansada da banda e do marido, de quem se separou em 1968, e não se sentindo vocacionada para prosseguir na música a solo, resolveu estudar teatro, optando depois por uma carreira como atriz de cinema e televisão, mas participando pontualmente em projetos musicais. Teve mais dois casamentos e três relações conjugais, dos quais um durou uma semana (Dennis Hopper, famoso cineasta e ator) e a última quase vinte anos, com um cirurgião plástico. A eterna garota aparentemente tímida mas descarada - que num programa de televisão em direto chegou a comer uma banana que decorava o cenário enquanto todos fingiam cantar em playback, a contragosto - sendo a única sobrevivente, mantém-se como detentora dos mitos e memórias do grupo que lhe trouxe fama e proveito.

Legado dos Mamas & Papas

Este grupo carismático marcou indiscutivelmente os anos 60 e a contracultura, por um lado com uma série de singles Nº1 e álbuns de platina, por outro com a imagem criada em inúmeros programas de televisão de grande audiência, influenciando sucessivas gerações de músicos. Hoje continuam a ouvir-se êxitos como California Dreamin’ ou Monday, Monday, ou ainda a singular Creeque Alley, uma deliciosa crónica - cantada e harmonizada com mestria - dos encontros e casualidades que levaram à criação da banda pop-folk The Mamas & The Papas.

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