A Lisboa Maçónica dedica um capítulo a Fernando Pessoa, que dizia não ser maçom nem anti-maçom.  
A Lisboa Maçónica dedica um capítulo a Fernando Pessoa, que dizia não ser maçom nem anti-maçom.  

Radiografia de uma Lisboa maçónica

O historiador Sérgio Luís de Carvalho tem vindo a retratar as várias faces da capital portuguesa. Lisboa Maçónica é a “fotografia” mais recente.
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Raras vezes uma coleção temática tem direito a tantas vidas como esta série histórica sobre Lisboa e as suas variantes sociais. O autor, Sérgio Luís de Carvalho, iniciou a série com o título Lisboa Nazi e, dado o sucesso do livro, tem vindo a acrescentar novos 'capítulos' a esta recomposição da cidade sob vários ângulos: a Judaica, a Árabe, a Maldita e a Africana. Sai agora o novo título, Lisboa Maçónica, com duzentas páginas por “uma viagem pela história de uma instituição que muitas vezes se confunde com a história da cidade”.

Curiosamente, ao contrário dos volumes anteriores, este novo estudo exigiu ao autor a necessidade de deixar claro que é um “livro que não pretende tomar partido”, situação que não se verificara nos outros. Explica: “Nos livros anteriores, nunca ninguém me perguntou se eu era nazi, judeu, árabe, homicida ou africano. Nunca ninguém me «identificou» com o assunto de cada livro. Desde que saiu este Lisboa Maçónica, já me perguntaram várias vezes se eu era maçom… Creio que em relação à Maçonaria há, mais frequentemente, tomadas de posição favoráveis ou antagónicas, há um maior melindre e uma sensibilidade mais extremada. Nenhuma pessoa decente se pode considerar nazi ou antissemita, islamofóbico ou racista, já ser pró ou contra a Maçonaria é uma pergunta que surge logo. Por isso, decidi enfatizar o cariz «neutro» deste livro, até porque é um livro de História e não um libelo, e o rigor deve presidir todos os estudos que se querem sérios.”

Tentar encontrar um denominador comum para os livros das várias Lisboas não é tarefa fácil, daí que se questione o historiador sobre o que parece existir de mais constante nos vários livros já publicados: a repressão do Estado e das autoridades. Sérgio Luís de Carvalho não considera ser fácil encontrar um elemento principal comum nesta série de investigações, daí que afirme que “não é necessariamente a repressão que os liga”. Discorre: “Em alguns casos, não houve repressão de forma regular e contínua, mas antes um enquadramento e/ou regularização.” Dá exemplos: “Os nazis eram tolerados pelo Estado Novo desde que cumprissem as regras da ditadura e os interesses governamentais ou, pelo menos, que não fossem contra elas. E os nazis portugueses até incensavam Salazar. Os judeus e os mouros foram de facto perseguidos entre o final do século XV (Édito de Expulsão) e o dealbar do século XIX (fim da Inquisição), mas «só se» praticassem a sua fé. Em relação aos africanos, houve muita regularização e legislação durante a escravatura, mas não lhe podemos chamar «perseguição». E após a abolição, tornaram-se cidadãos como outros, mas os escravos nunca foram perseguidos ou reprimidos. Já, os homicídios - que é disso que trata o Lisboa Maldita -, eram, claro, proibidos e reprimidos, como em qualquer nação. Quanto à Maçonaria, esta atravessou vários tempos e vários contextos, desde as perseguições clericais e estatais mais assanhadas (Absolutismo/ Inquisição, Estado Novo), até aos períodos em que foi livre e mais influente (Liberalismo ou República). Ou seja, as realidades mudam consoante os contextos.”  

Entre essas reviravoltas mais recentes sobre a aceitação da Maçonaria, está o período no início do século passado, em que é indissociável da implantação da República, mas que rapidamente será proibida pelo Estado Novo. A explicação é simples para o autor: “O Estado Novo era totalitário, logo pretendia enquadrar e controlar a totalidade da sociedade e das instituições. Desse modo, não havia espaço para outras obediências, para outras independências, para outras cosmovisões para além das da ditadura. Tirando a Igreja, claro, mas essa era uma aliada do regime. A ilegalização da Maçonaria estava, pois, escrita nas estrelas, sobretudo na fase mais «fascizante» do regime, na década de 1930. De qualquer modo, o governo de Salazar percebeu que teria ali um foco de potencial desalinhamento ou até de oposição (e tinha), o que não era tolerável.”

Este livro estuda a Maçonaria localizada em Lisboa desde o seu aparecimento, o ano de 1727, até 1974, data a partir do qual deixa de ser perseguida. Este meio século já não é abordado, sendo que o historiador considerou ser importante traçar os limites temporais que delimitassem o livro e o seu âmbito: “A primeira data, era evidente: as origens, no início do século XVIII… onde deveria parar? Decidi terminar na restauração da democracia e na legalização da Maçonaria. A partir daí, é um outro «mundo», uma outra «história», uma outra «realidade». Estas duas datas delimitadoras pareceram-me as mais lógicas.”

Contrapõe-se que são frequentes as notícias sobre os políticos atuais que pertencem à Maçonaria e que mereceriam uma investigação. No entanto, se os “suspeitos” mais recentes não são abrangidos, não faltam outros com grande destaque, como o caso do Marquês de Pombal. Para Sérgio Luís de Carvalho continua a não haver “provas documentais da sua filiação maçónica” e essa situação “faz toda a diferença para o investigador”. Explica: “Há acusações posteriores de que o seria, mas são apenas «acusações» feitas por adversários políticos para quem a Maçonaria e Pombal eram a incarnação do diabo. É verdade que, ainda posteriormente, a Maçonaria elogiou Pombal, contudo podia ser devido à sua obra de «déspota iluminado» que, em muitos aspetos, ia ao encontro de alguns ideais maçónicos e não por uma filiação nunca provada.”

Sérgio Luís de Carvalho apresenta o livro amanhã em Lisboa, pelas 18.30, no Grémio Literário.
Sérgio Luís de Carvalho apresenta o livro amanhã em Lisboa, pelas 18.30, no Grémio Literário.

Outra das figuras referidas é a do poeta Bocage, sobre quem não existem dúvidas sobre a ligação: “Sim, existem mais indícios. Os estudiosos têm essa noção, apesar de ao cidadão comum isso passar ao lado.” Também Fernando Pessoa surge neste livro: “O poeta era um esotérico, por isso compreendia bem o lado mais esotérico do ideário maçónico. Não era maçom, mas um homem a quem dava prazer combater os «reacionários», como ele dizia. Naturalmente, achou idiota e despropositada a iniciativa da ditadura em ilegalizá-la e não se furtava a uma boa polémica.”

Polémico era também a situação da maçonaria feminina, que surge em 1864 mas nunca tem um grande fulgor. O historiador refere que o início do século XX já os maçons mais importantes de Portugal “concordavam plenamente com a entrada e a participação de mulheres na Maçonaria e havia Lojas femininas desde meados do século anterior. O que discordavam era sobre a sua forma de organização e de enquadramento: manter o estatuto de subalternização às Lojas masculinas ou ter Lojas mistas? Essa realidade teve a ver com os atavismos e os preconceitos de cada época, pois a Maçonaria feminina enfrentou os mesmos obstáculos que a emancipação feminina”.

De obstáculos que os maçons enfrentaram também se podem referir os colocados pela Igreja Católica, principalmente a partir da encíclica de Clemente XII, a primeira e definitiva condenação da maçonaria pela Igreja. É uma situação que se mantém até hoje: “Sim, a Igreja não mudou a sua posição. Não só interdita a qualquer católico a adesão à Maçonaria, não só proclama a total incompatibilidade mútua, como nega os sacramentos aos maçons. A diferença é que, atualmente, a Igreja não dispõe do poder repressivo que antes tinha.”

Na contracapa de Lisboa Maçónica está impressa uma frase em que se diz “Vários locais de Lisboa têm símbolos e referências maçónicas que passam despercebidos aos cidadãos”. O que causa esta ignorância atual? Segundo o autor “não há muitas referências com comprovada e certa simbologia maçónica, mas as que há são muito interessantes, significativas e mais evidentes do que se poderá supor. O facto de não haver certezas, de muitos locais, referências e símbolos estarem envoltos em simbologias por provar, ou até em mitos e erros factuais que surgem muitas vezes repetidos em variadas publicações.” Dá um exemplo: “Um caso claro é um determinado «número simbólico» de degraus que conduzem ao cimo do Arco da Rua Augusta. Ora esse número frequentemente citado como sendo de clara simbologia maçónica, está incorreto, pois o número real de degraus é outro.”

Não é por acaso que Lisboa se destaca na atividade maçom em relação ao resto do país, mesmo que o interior pudesse oferecer mais cobertura ao secretismo da instituição. Para Sérgio Luís de Carvalho, “a hipótese de passar mais despercebido é maior entre a multidão do que nos meios mais pequenos”. Lisboa destaca-se, refere, “por ser aí que estavam as elites, o poder, as instituições, a dinâmica política, o centro da nação. Naturalmente, foi a cidade que sempre teve mais peso na organização e na evolução da Maçonaria. Houve outros locais que também tiveram algum peso, como o Porto, pela sua importância como segunda cidade do país, ou o Funchal, devido à histórica presença de ingleses, entre quem a Maçonaria teve sempre mais força e tradição.”

LISBOA MAÇÓNICA

Sérgio Luís de Carvalho

Parsifal

213 páginas

Outras novidades literárias

 “TUDO ERA PERMITIDO”

O autor faz uma recolha de episódios que Portugal viveu em 1975 e que fazem parte da história daquele ano, mas também poderiam ser parte de um filme non-sense. Não é por acaso que diz “Houve delírios” e dá um exemplo: “Um militar de Abril ia de chaimite tomar café”. Mas não faltam outros: os espanhóis que vinham ver pornografia aos cinemas portugueses, as manifestações dos militares, a Maioria Silenciosa e a moca de Rio Maior, o povo empenhado no poder popular e a reforma agrária. Um amontoado de histórias vividas pelos portugueses no pós-25 de Abril que muitos já esqueceram e outros não viveram, mas que se justifica conhecer ou relembrar. São muitas as histórias, contadas de forma realista ou divertida, exatamente como foram aqueles tempos de Verão Quente, e que permitem neste ano em que se celebram cinquenta anos sobre o PREC um olhar de espanto sobre até que ponto os desvarios nacionais podem chegar. Não é por acaso que escolheu como subtítulo a frase 'Tudo era permitido'...

VERÃO QUENTE DE 1975

Pedro Prostes da Fonseca

Guerra & Paz

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JULIAN BARNES FILÓSOFO

Não foram textos escritos para um livro de ensaios como acabou por se tornar este Mudar de ideias do escritor Julian Barnes, no entanto essa não é uma questão que diminua este volume e as suas tiradas sobre uma das situações que afetam todos os seres humanos. Barnes diz “algumas pessoas, à medida que envelhecem, tornam-se mais conservadoras”, mas também diz “apesar de ter votado em seis partidos diferentes não me vejo como alguém que tem mudado de opinião”. Um volume que dá para pensar sobre os tempos que vivemos! 


MUDAR DE IDEIAS

Julian Barnes

Quetzal

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