Ocaso de Harvey Weinstein ainda está muito fresco na memória. Este poderia ser o primeiro senão de She Said, um filme focado no processo jornalístico que levou à denúncia pública do magnata de Hollywood, enquanto figura proeminente de um sistema de assédio, abuso sexual e intimidação nessa indústria cinematográfica, que se manteve em segredo até 2017, quando rebentou o escândalo. Mas se pensarmos que Os Homens do Presidente (1976), de Alan J. Pakula, se estreou quatro anos depois do Watergate, o objeto da sua investigação, e é um dos melhores filmes alguma vez feitos sobre a "arte" do jornalismo, talvez a proximidade temporal não seja um argumento tão válido quanto se pensa. O outro senão possível, numa altura em que a engrenagem do movimento #MeToo continua a gerar atenção sobre a realidade dos assédios (por vezes alimentando um discurso a preto e branco), seria cair na armadilha do drama panfletário..Eis, portanto, a boa notícia: Maria Schrader assina uma peça de cinema na boa tradição jornalística de um Spotlight, captando as emoções do próprio trabalho de construção do puzzle da verdade..Realizadora do biopic Stefan Zweig: Adeus Europa (2016), estreado entre nós, e da série Netflix Unorthodox, o nome da alemã Maria Schrader não dirá muito à maioria dos espetadores. No entanto, é vagamente notória a sua sensibilidade europeia num filme que passa muito pela vida de uma redação americana. Em Ela Disse, Schrader filma os escritórios iluminados do New York Times e as personagens que habitam a sua matéria quotidiana, com uma linguagem segura entre o thriller e o drama sóbrio, conduzido por heroínas também elas pouco amaneiradas..Carey Mulligan e Zoe Kazan - que interpretam, respetivamente, Megan Twohey e Jodi Kantor, as jornalistas que se juntaram na investigação do Caso Weinstein - são ambas admiráveis no modo como vestem a pele de uma profissão carregada de gestos desordenados, entre telefonemas a altas horas, reuniões, pesquisas no Google, viagens de urgência, entrevistas difíceis e, talvez o dado fundamental, uma psicologia pronta a lidar com o assunto humanamente delicado que investigam..Com efeito, o medo torna-se protagonista nesta história moldada pelos relatos de mulheres que, até certo ponto, pediram para que as suas declarações fossem mantidas off-the-record: tinham uma enorme vontade de falar mas temiam represálias graves, e não tinham qualquer proteção. Num dos primeiros momentos do filme, em que o assunto ainda é os casos de assédio de Donald Trump, candidato à presidência, temos um vislumbre desse tipo de represálias. Porém, é através de Weinstein que a podridão vem ao de cima, com Ashley Judd (que se representa a si própria) e outros nomes fora do star system a formarem uma só voz..Para transmitir a tensão de todo o processo, até ao instante exato da publicação da reportagem, Schrader faz bom uso da banda sonora de Nicholas Britell (Succession), que ao invés de embelezar o contexto, sublinha o ritmo e dinâmica cativantes do trabalho. É o nervo jornalístico traduzido em notas musicais, tão pragmáticas como o filme..dnot@dn.pt