Por mais que sublinhemos as singularidades da obra de Rainer Werner Fassbinder, não nos podemos esquecer do riquíssimo contexto criativo em que o seu trabalho se desenvolveu. Mesmo ficando pelas datas que este ciclo agora destaca, lembremos que é durante o mesmo período que surgem obras marcantes do cinema alemão, algumas delas com grande projecção internacional, como A Morte de Maria Malibran (1972), de Werner Schroeter, Aguirre (1972), de Werner Herzog, Alice nas Cidades (1974), de Wim Wenders, Moisés e Aarão (1975), de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet, ou O Tambor (1979), de Volker Schlöndorff, este consagrado com a Palma de Ouro de Cannes ("ex-aequo" com Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola). Sem esquecer o filme de episódios Alemanha no Outono (1978), em que participaram dez cineastas, incluindo Fassbinder, Schlöndorff e Alexander Kluge..Mesmo correndo o risco inerente a qualquer generalização, talvez possamos dizer que aquilo que liga tais filmes é a consciência, certamente política, mas também afectiva e emocional, de um tempo vivido sob o signo da divisão da Alemanha gerada pelas convulsões da Guerra Fria. É verdade que não se pode dizer que o Muro de Berlim seja um "tema" directo dos filmes citados nem de muitos outros produzidos em contexto alemão nos anos que se seguiram - a referência emblemática que é As Asas do Desejo só seria concretizada por Wenders em 1987, cerca de dois anos antes da Queda do Muro..Falecido aos 37 anos de idade, a 10 de junho de 1982, vítima de uma combinação letal de cocaína e barbitúricos, Fassbinder terá sido tocado pela mágoa utópica de uma Alemanha capaz de superar as clivagens das guerras, mas já não assistiu à Queda do Muro (9 de novembro de 1989). O certo é que o seu legado, indissociável da procura de um cinema realmente novo - inerente a várias "novas vagas" que pontuaram as décadas de 1960/70 - continua a distinguir-se por uma actualidade contagiante..O seu trabalho deixou-nos o gosto de um realismo que nunca cedeu a qualquer "reprodução" banalmente televisiva (sendo importante lembrar, em qualquer caso, que a sua obra nunca renegou o território da televisão). Numa entrevista realizada em 1974, em Berlim, conduzida por Wielfried Wiegand (citada em Fassbinder, ed. Rivages/Cinema, 1986), ele define assim esse gosto: "O realismo que imagino e que quero fazer é o que se passa na cabeça do espectador e não aquele que surge nos ecrãs - isso não me interessa absolutamente nada, as pessoas vêem-no todos os dias."