À entrada, dois indivíduos esbeltos, de fatos justos e futuristas, dão as boas-vindas. Logo atrás deles, um bonsai gigante impõe-se aos visitantes, ao mesmo tempo que se ouve o som de uma cascata, espécie de murmúrio que circula no ar, sem origem definida. Ligamos o gravador e damos os primeiros passos numa estrutura entre o sofisticado e o orgânico: é um átrio zen. Aí se encontra Abdón Alcañiz, diretor artístico do espaço, que, sem grandes cerimónias e muita vivacidade, começa a falar de estética japonesa, “relaxamento”, serenidade”, “aconchego”, à medida que um pequeno grupo de jornalistas ibéricos assume a pele dos hóspedes de O Refúgio Atómico - por essa altura, ainda não temos quaisquer bases sobre o assunto. Imergimos, simplesmente, numa ambiência bicolor. Azul petróleo e cor de laranja. Lá fora, está uma tarde amena de novembro, os resultados das eleições americanas saíram há poucos dias, e cá dentro imagina-se a iminência de uma Terceira Guerra Mundial, que leva um grupo de multimilionários a abrigar-se num bunker de luxo chamado Kimera Underground Park. Será, pois, para o interior desse ventre confortável que nos guiam. Talvez sem cuidar que a ficção, de dia para dia, se torna mais espelho da realidade... . Saída da imaginação e da escrita de Álex Pina e Esther Martínez Lobato, criadores do mega sucesso da Netflix A Casa de Papel, El Refugio Atómico é ainda um mistério bem guardado em termos de argumento. Para além do contexto apocalíptico, sabe-se apenas que todas as necessidades de bem-estar devem ser supridas por este universo subterrâneo concebido para seres humanos (muito) exigentes. “Enquanto a situação lá fora se torna cada vez mais assustadora, uns poucos privilegiados usufruirão da sua pequena cidade com inúmeros serviços (...). A isso se reduzirá o seu mítico status: a adaptação à vida num buraco luxuoso, uma construção abaixo do nível do solo cheia de enigmas”, lê-se na sinopse da série que chega à plataforma a 19 de setembro.Na visita exclusiva em que o DN esteve presente, nas imediações de Madrid, ficou clara a importância de um cenário feito com paixão artesanal, que visa a textura de um quotidiano adequado a quem, por assim dizer, só deseja desfrutar do fim do mundo. . Design pensado ao pormenorEnquanto nos guia pelos bastidores de O Refúgio Atómico - com figurantes em cada compartimento, e um pouco por toda a parte, a tornar a experiência o mais realista possível -, Alcañiz sublinha a opção por um visual devoto do minimalismo, com inspiração nos anos 1950 e estilo Bauhaus, capaz de “transmitir uma sensação de vazio e retro atualidade, em que os espaços parecem ter mais amplitude ou mais profundidade mediante o uso das duas cores”. E é mais ou menos isso que se vê in loco: quartos com formas arredondadas (e janelas que, na verdade, são ecrãs paisagísticos), salas de ginásio de alto design, enfermaria, e até um restaurante gourmet onde, no final da visita, fomos convidados a degustar iguarias conceptuais... que também fazem parte do ‘menu’ de detalhes criativos da série. . A sensação de vazio a que se refere o diretor artístico espanhol terá sobretudo que ver com uma função narrativa. De resto, Abdón Alcañiz, também com La Casa de Papel no currículo, faz questão de lembrar que “trabalha para a câmara”, procurando auxiliar o realismo com truques e técnicas de decoração que só mostram o que interessa à lente do realizador. “Há paredes e elementos que se podem mexer para servir um determinado movimento de câmara”, revela, acrescentando que a loucura deste tipo de produções passa por uma construção contínua, ao serviço do desenvolvimento do guião.Entre conversas sobre geometria circular, proporção, assimetria, jogos de luz, linhas perimetrais e que tais, o artesão por trás dos cenários de O Refúgio Atómico diz que “não há limites para a criatividade”. Resta saber como funciona esta espantosa habitação com atores lá dentro.O DN viajou a convite da Netflix.'Stories of Surrender'. Bono: as canções dos U2... e mais além.'A Prisioneira de Bordéus'. Entre o policial e a comédia